Morreu o Otelo, pá. Morreu Otelo Saraiva de Carvalho, principal orquestrador do 25 de Abril e figura controversa da política portuguesa, aos 84 anos, no Hospital Militar de Lisboa, onde estava há quinze dias. O velório realiza-se amanhã, na Igreja da Academia Militar, em Lisboa, e o enterro na quarta-feira, como local ainda por definir.
Otelo Nuno Romão Saraiva de Carvalho nasceu em Lourenço Marques a 31 de Agosto de 1936. Era o irmão do meio, entre duas mulheres: Manuela, mais velha, e Gabriela, mais nova. Inicia-se nas Forças Armadas em 1955. Seria dentro e através delas que Otelo Saraiva de Carvalho adquiriria a sua proeminência. Já com a guerra na Guiné para trás, Otelo, em 1974, organizou as Forças Armadas no golpe de estado que ficaria conhecido como o “25 de Abril”. Foi ele, Comandante Militar, quem dirigiu as operações a partir do posto de comando no Quartel da Pontinha. Em Julho do mesmo ano é nomeado Comandante da Região Militar de Lisboa. Fez parte do Conselho da Revolução e integrou o quinto governo provisório do comunista Vasco Gonçalves. Este, aliás, queria que Otelo o sucedesse como primeiro-ministro. Contudo, Otelo rejeitaria a proposta e sugeriria o nome de Pinheiro de Azevedo – o que “não gostava de ser sequestrado” –, acabando o último por suceder a Gonçalves no sexto (e último) governo provisório. O golpe de 25 de Novembro de 1975 viria a prender Otelo durante três meses, despromovê-lo do comando da Região Militar de Lisboa e extinguir o COPCON, que também comandava. Em 1976 concorre a Presidente da República, perdendo com 16,46% das votações face aos 61,59% de Ramalho Eanes.
A década de 80 vir-se-ia a tornar a mais controversa. Funda o partido Força de Unidade Popular. Deste, diz-se, brotaram as Forças Populares do 25 de Abril (FP25), grupo terrorista de ação tardia. Note-se que, durante a década de 80, a democracia começava-se a estabelecer e Portugal procurava aderir à CEE. As FP25, diz Pacheco Pereira, foram “um epifenómeno”. Às FP25 são atribuídas um total de dezoito mortes. Gaspar Castelo Branco, Diretor-Geral dos Serviços Prisionais, baleado à porta de casa na Rua de São Ciro. Também um bebé, Nuno Dionísio foi vítima num atentado à bomba no Alentejo. Em 1986, Otelo Saraiva de Carvalho acabaria por ser condenado a 17 anos por estes atos. Contudo, em 1991, recebe um indulto, tendo sido amnistiado em 1996 por uma maior decidida em parlamento com os votos do PS e PCP. Nunca se arrependeu e, em 2014, ao Expresso, dizia: “Continuo a considerar que a revolução portuguesa, apesar dos excessos que foram cometidos por todos, foi um êxito”.
Em 2011, ao Público, dizia que se se soubesse “como o país ia ficar, não teria realizado o 25 de Abril”. Depois procurou esclarecer esses comentários, dizendo que a frase não fora “bem entendida” e que “valeu a pena ter feito o 25 de Abril”, pois “o derrube da ditadura e a possibilidade de sermos livres vale sempre a pena”. Na sua última entrevista, no ano passado, ao SOL, dizia fazer “um certo frete em todos os anos corresponder ao convite que [lhe] era enviado pelo Presidente da Assembleia da República para comparecer à cerimónia do 25 de Abril”.
Há muito “hipocrisia” sobre otelo
Em entrevista à TVI, Pacheco Pereira considera haver “muita hipocrisia nos comentários e nos silêncios” sobre Otelo Saraiva de Carvalho. Nota ainda que o “25 de Abril será sempre muito mais relevante do ponto de vista histórico” do que as FP25, “porque acabou com uma ditadura de 48 anos”, e as FPS “não deixaram sequelas na vida política portuguesa”. Diz serem o “resultado de um aspeto da personalidade de Otelo”, que é uma certa “irresponsabilidade”, ou, “como se diz em Português, à balda”. Considera ainda que Otelo “fez o 25 de Abril à balda”, não obstante “estar bem preparado”. “A sorte protegeu-o e aquilo correu muito bem”. Destaca a “experiência de guerra” de Otelo e a forma como isso o poderá ter moldado. Recorda Otelo ir à Suécia e vir de lá “social-democrata”, ou ir a Cuba e vir “partidário do poder popular”, o que leva a uma espécie de “autodidatismo político”. Descreve-o como um “homem empático” e “vaidoso”, que não tinha “tiques da vida política”, cujo livro escrito por si é “o melhor livro do 25 de Abril”. Em 1989 publicava-se o álbum “Obrigado, Otelo!”, com colaborações de Chico Buarque, Carlos do Carmo, José Mário Branco e outros. O último dedicou-lhe a canção “Quantos é que nós somos?”. Certo é que o número de quantos eram – ou são – nunca foi possível de aferir. E certo é também que a partir de agora serão, pelo menos, menos um. E um importante, pá – a expressão que sempre o acompanhou.