Nos cada vez mais distantes tempos da velha União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, o Spartak de Moscovo era soviético como poucos. Na base do seu enorme peso no futebol da nação, que o levou a conquistar mais títulos do que qualquer outro clube, estavam instituições governamentais como o exército, a polícia ou os caminhos-de-ferro, embora estes tivessem uma importância fundamental no vizinho Lokomotiv. Apesar disso, teve sempre uma aura popular que o fez ficar conhecido como Clube do Povo.
Fundado no ano de 1922, os primeiros grandes impulsionadores do seu crescimento foram os irmãos Sarostin, sobretudo o mais velho deles, Nikolai. Os Sarostin eram quatro – Nikolai, Aleksander, Andreiy e Piotr. Depois de terem tornado o Spartak uma potência nacional, transformando um grupo alegre de jogadores bem intencionados numa equipa autêntica, organizada e plena de espírito de conquista, foram perseguidos pelo regime estalinista a partir de 1942, e mesmo acusados de terem conspirado para assassinar Ioseb Besarionis Jughashvili, tal como regista o seu nome de nascença na cidade georgiana de Gori. Presos durante uns anos, viram a acusação ser reduzida para «prática burguesa do desporto» e enviados para os campos de trabalhos forçados que eram conhecidos por GULAG, um acrónimo da expressão russa Glávnoje Upravlénije Lageréj, ou seja, Chefia da Administração de Campos. Sempre dava um toque mais suave ao que, na verdade, por lá se passava. Logicamente que os Sarostin foram reabilitados após o desaparecimento de Josef Estaline e são recordados, hoje em dia, com um enorme orgulho por parte dos adeptos do Spartak.
Foi Nikolai quem decidiu que o clube inicialmente apelidado de Círculo Desportivo de Moscovo, envolvendo, como está bem de ver, uma série de outras modalidades que o regime exigia que fossem exclusivamente amadoras, passasse a ter o nome de Spartacus, o lendário escravo trácio que desafiou o poder de Roma. E também foi ele que desenhou o emblema que existe até hoje ainda antes de despertar a raiva de Estaline que, como sabemos, estava sempre pronta a cair sobre quem quer que lhe apetecesse purgar da sociedade dos sovietes.
Figuras para a história
Os anos 30 foram, desde logo, felizes para o Spartak, com a conquista de cinco títulos de campeão soviético durante a década. Em seu redor começava a medrar o mito por entre o medo. Dominado pelo Secretário-Geral do Komsomol, a união da juventude comunista, não era de bom tom desejar-lhe tempos de menor bonança. Além disso, albergou sempre alguns dos mais populares jogadores do país que começava na Europa para cá dos Urais e só terminava na longínqua cidade de Uelen, a dois passos (ou melhor, duas remadas) do americano Alaska. Um desses ídolos dos primórdios foi o guarda-redes VladislavZhmelkov, um sujeito longilíneo que se especializara em defender penáltis e que viria, muitos anos mais tarde, a ter como sucessor um talde Rinaat Dassaev.
A lista de grandes jogadores do clube seria fastidiosa de enumerar, mas é fácil recordar Viktor Onopko, um ucraniano que preferiu a nacionalidade russa depois do colapso da URSS, capitão da equipa nacional, e que viria a jogar em Espanha, ou Igor Netto, um dos maiores centro-campistas do futebol universal, capitão da URSS entre 1954 e 1966, que conduziu os seus companheiros nas vitórias inesquecíveis do torneio de futebol dos Jogos Olímpicos de 1956 e do Campeonato da Europa de 1960. Foi no Spartak que o Benfica encontrou Vassily Kulkov, um médio de qualidade indiscutível que acabaria por jogar, igualmente, no FC Porto, e que desapareceu em outubro do ano passado com apenas 54 anos, vítima de cancro.
Vantagem de lá!
A última vez que lisboetas e moscovitas se encontraram foi na fase de grupos da Liga dos Campeões de 2012-13. Após ter sido derrotado no Estádio Luzhniki por 1-2, a vitória caiu para o lado português na vinda do Spartak ao Estádio da Luz por 2-0. Um resultado que serviria como uma luva de pelica em mão delicada neste novo duplo confronto marcado para dia 4 e 10 do próximo mês de agosto, primeira provação que os encarnados terão de ultrapassar se querem continuar a pensar na possibilidade de entrar para a fase de grupos da competição. Na época passada, ambos cumpriram épocas medíocres. Se o Benfica não conseguiu ir além de um terceiro lugar, a despeito do enorme investimento feito na equipa, desde o treinador, Jorge Jesus, a vários jogadores que acabaram por se revelarem banais desilusões, o Spartak atingiu o segundo posto mas a uma distância de oito pontos para o campeão, Zenit de Sampetersburgo, o clube que lhe tem ganho primazia nos anos mais recentes.
Para já, a equipa russa parte com uma vantagem não de todo despicienda. «Vantagem de lá!», como se diz no ténis. É que o campeonato da Rússia tem início já amanhã, com o Spartak a receber em casa o Ufa, clube da cidade do mesmo nome, capital da província do Barcortostão, uma zona de grande implantação muçulmana, para se deslocar, em seguida, ao campo do Krylya Sovetov, em Samara, ainda na parte da Rússia europeia, na confluência dos rios Volga e Samara.
Em Portugal, o campeonato só terá início no fim de semana de 8/9 de agosto, ou seja, precisamente no intervalo desta eliminatória. Basta recordar as debilidades exibidas pelo Benfica no jogo contra um absolutamente banal PAOK, da Grécia, na época passada (derrota 1-2), com o afastamento imediato da Liga dos Campeões, para não haver motivos para grandes otimismos por parte dos adeptos encarnados que vivem momentos para esquecer. O dinheiro que a tão falada liga milionária deixa em caixa seria interessante para o recuperar de um certo equilíbrio financeiro e fundamental para a recuperação de um prestígio internacional que anda pelas ruas da amargura. Mas manda dizer a realidade dos factos que este Benfica, praticamente decalcado do da época passada, não oferece nem garantias de segurança defensiva nem valências coletivas que o possam dar como favorito no embate contra o Spartak. Pelo contrário. Esperamos para ver como navega este barco à deriva…