A proposta apresentada ao Governo para a próxima etapa de desconfinamento acaba com as medidas diferenciadas por concelho, as restrições de horários em qualquer dia da semana e avança com a generalização dos certificados covid no acesso a todos os espaços públicos, de eventos a espetáculos, restaurantes e cafés mas também ginásios e supermercados. E pelo menos até ao outono, quando se espera que mais de 85% da população possa ter completado as duas doses da vacina.
Ao i, Raquel Duarte, médica e autora da proposta apresentada ontem na reunião no Infarmed, explica que o objetivo é reduzir o risco de exposição ao vírus ao mesmo tempo que são levantadas as restrições e se permite o retomar da economia.
Na proposta dos peritos, como já ontem admitiu a ministra da Saúde, deixa de haver restrições decididas semanalmente por concelho, a estratégia que tem vigorado, e passa a haver medidas gerais em todo o país, que incluem a utilização de certificados digitais covid-19 (de vacinação, recuperação ou teste negativo) independentemente do nível de risco por concelho. Após ponderar diferentes realidades, os peritos defendem que Portugal implemente uma estratégia semelhante há já anunciada em países como França, Itália ou Israel.
Ao todo, propõem quatro novas etapas de desconfinamento, sempre com esta regra como pano de fundo, a par do uso de máscaras em espaços fechados, que se manteria até mais de 85% da população estar vacinada. Gradualmente, e em função do aumento da cobertura vacinal de 60% para 70% da população até chegar aos mais de 85%, aumentam as lotações permitidas na restauração, espetáculos e recintos de eventos, sendo que o uso de máscara em espaços ao ar livre pode ser dispensado já em agosto, quando mais de 60% da população estiver vacinada (ver detalhes ao lado).
Linha vermelha sobe de 240 para 480 casos por 100 mil habitantes A desbloquear cada etapa do desconfinamento estará assim a cobertura vacinal e a situação epidemiológica do país, que deixaria de ser avaliada pela atual matriz passando a ser avaliada por um conjunto de indicadores e o seu grau de confiança, uma metodologia seguida no Centro Europeu de Controlo e Prevenção de Doenças e no Reino Unido.
Na reunião do Infarmed, os peritos propuseram que a incidência e o já conhecido RT (índice de transmissão) se mantenham como indicadores centrais, a par de outros como severidade dos casos, variantes e internamentos. A principal novidade é a proposta de elevar a linha vermelha de 240 para 480 casos por 100 mil habitantes, o que reflete um patamar crítico revisto para os cuidados intensivos de 255 camas ocupadas com doentes com covid-19 (algo a que o país ainda não chegou nesta quarta vaga).
Cruzando contributos, Raquel Duarte explicou ao i que a proposta apresentada é que a linha vermelha que vier a ser adoptada pelo Governo desbloqueie o desconfinamento a nível nacional e já não por concelho. Ou seja, neste momento o país regista uma incidência cumulativa a 14 dias na casa dos 430 casos por 100 mil habitantes, com uma trajetória ligeiramente descendente, o que segundo a proposta dos peritos permitiria avançar para a primeira etapa de fim de restrições horárias em todo o país e utilização generalizada de certificados covid para aceder a espaços públicos.
Isto mesmo havendo regiões e concelhos com incidências mais elevadas (a região do Algarve com 921 casos por 100 mil habitantes e Lisboa agora a descer mas ainda nos 491 casos por 100 mil habitantes a 14 dias). A proposta dos peritos é que, a par de decisões a nível nacional, as autoridades de saúde possam a nível local, caso se justifique por exemplo diante de surtos ou contextos identificados de maior transmissão, decretar medidas específicas, como quando acontece um surto de outras doenças infecciosas, seja legionela ou tuberculose, em que por vezes há lugar ao encerramento de estabelecimentos, explica Raquel Duarte.
Para avançar para a segunda etapa do novo plano de desconfinamento, prevista para quando 60% a 70% da população estiver vacinada, o país terá de continuar abaixo da linha dos 480 casos por 100 mil habitantes e assim sucessivamente. Quão longe estamos daí? Atualmente o país regista uma média diária de cerca de 3100 casos de covid-19. Para cruzar a linha dos 480 casos por 100 mil habitantes, pode ir até uma média diária de cerca de 3500 casos ao longo de 14 dias sucessivos, pelo que o progressivo desconfinamento em agosto dependeria, na proposta dos especialistas, de não se voltar a esse patamar.
Para já, a tendência parece ser de abrandamento da epidemia, à conta da descida de diagnósticos no Algarve e na região de Lisboa, que registaram maiores incidências nesta 4.ª vaga, e também de uma descida de diagnósticos que se nota sobretudo nas faixas etárias mais novas (nos maiores de 80, como o i noticiou, continuam a subir).
No Infarmed, houve consenso entre os especialistas ouvidos de que até haver maior cobertura vacinal é necessário manter medidas não farmacológicas. O Governo está a avaliar os contributos e apresenta o plano final após o Conselho de Ministros desta quinta-feira.
Mas prepare-se para ter de ter o certificado covid à mão em agosto. Segundo os últimos dados disponíveis, perto de 5,3 milhões de portugueses (52% da população) já o podem descarregar por terem as duas doses da vacina completa, mas só é válido 14 dias após a segunda toma. Os restantes, se tiveram covid-19 nos últimos seis meses podem pedi-lo ou então têm de ter um teste negativo válido.
As quatro etapas propostas pelos peritos
1ª etapa – até 60% da população ter a vacinação completa
• Medidas gerais:
– Ventilação e climatização dos espaços fechados
– Utilização do certificado digital por rotina nos espaços públicos
– Auto-avaliação de risco: a população ser informada de que ter vacinação incompleta, contacto regular com crianças e/ou pessoas não vacinadas, frequentar espaços com aglomeração de pessoas e ter fatores de risco para formas graves de doença por covid-19 aumentam o risco individual.
• Promoção de atividades em exterior ou remotamente sempre que possível
• Cumprimento de distanciamento físico
• Máscara obrigatória em ambientes fechados ou eventos públicos
• Evitar todas as situações não controladas de aglomeração populacional
• Sempre que possível, manter desfasamento de horários e teletrabalho
• Restauração e comércio não têm restrições de horários, cumprindo as regras gerais de certificado e máscara. No caso de restauração e bares, máximo de 6 pessoas na mesma mesa no interior e na esplanada máximo de 10 pessoas.
• Lares: promoção do certificado digital para visitas.
• Eventos de grande dimensão: só com circuitos de circulação e zonas delimitadas.
• Recintos de grande dimensão interiores, como estádios: 50% de lotação. Com certificado.
• Salas de espectáculos e eventos culturais e religiosos de pequena dimensão sem restrições de lotação mas com certificado e máscara no interior.
• Ar livre: circulação com distância e uso de máscara
• Transportes: ventilação e uso obrigatório de máscara
2ª etapa – 60% a 70% da população com vacinação completa
• Se tudo correr como previsto, será a realidade a partir de meados de agosto. Mantêm-se todas as medidas gerais anteriores. As mudanças são a máscara deixar de ser obrigatória ao ar livre. Na restauração, mantêm-se mesas com máximo de seis pessoas no interior mas podem ir até às 15 em esplanada. Recintos de grande dimensão passam a poder ir até 75% da lotação.
3ª etapa – 70% a 85% da população integralmente vacinada
• É a meta apontada para o fim de agosto. Mantêm-se as medidas gerais como uso de certificado e máscara em espaços fechados. Restaurantes deixam de ter restrições no exterior e máximo de oito pessoas por mesa no interior. Estádios e eventos deixam de ter limitações de capacidade.
4ª etapa – mais de 85% da população vacinada
• Deixa de haver restrições de capacidade e máscaras em espaços fechados. Teletrabalho deixa de estar recomendado. Mantém-se a ventilação e climatização de espaços fechados, utilização do certificado digital nos espaços púbicos e sensibilização para auto-avaliação de risco.