Fernando Lima, grão-mestre do Grande Oriente Lusitano (GOL), tal como já tinha declarado ao jornal i, mantém que os políticos maçons não terão de declarar a sua filiação à Maçonaria, apesar do diploma promulgado por Marcelo Rebelo de Sousa, no passado dia 8. O documento obriga os titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos a fazer “menção da filiação, participação ou desempenho de quaisquer funções em quaisquer entidades de natureza associativa, exercidas nos últimos três anos ou a exercer cumulativamente com o mandato”.
A menção será obrigatória sempre e quando “não seja suscetível de revelar dados constitucionalmente protegidos, como sejam os relativos à saúde, orientação sexual, filiação sindical ou convicções religiosas ou políticas”, caso em que se torna facultativa. É aqui que o grão-mestre defende a “liberdade de consciência” dos políticos maçons como justificação para tornar a sua declaração facultativa.
Aliás, essa mesma ‘cláusula’ do diploma está referida na nota da Presidência da República publicada na terça-feira. “[A declaração] exclui de tal obrigatoriedade dados que possam revelar designadamente convicções religiosas — todas elas — ou políticas – também todas elas e não apenas partidárias — ficando, assim, muito significativamente circunscrito o escopo da modificação aprovada pela Assembleia da República”.
Questionado sobre o assunto, o deputado do PSD André Coelho Lima, considerado o “pai” do diploma, remeteu para a entrevista dada ao Nascer do SOL na semana passada, em que, antecipando já a posição do grão-mestre do GOL, revelava “tristeza”. “Tenho mesmo muita dificuldade em compreender como é que uma organização que durante séculos lutou pela liberdade, lutou pela transparência e contra a opacidade agora esteja enclausurada num certo conservadorismo que procura manter essa opacidade”, dizia o deputado social-democrata na entrevista.
Constitucionalmente válido
Em reação a este anúncio, o constitucionalista Jorge Bacelar Gouveia começou por explicar que “a lei refere apenas a facultatividade da indicação dessa pertença, pelo que se afastam problemas de inconstitucionalidade”. “Estão aqui em causa vários segredos, todos constitucionalmente protegidos, como o segredo da vida privada, o segredo de saúde, a confidencialidade dos dados pessoalíssimos e o segredo em matéria de religião e de consciência”, continua, antes de garantir que os problemas existiriam só se “tal declaração fosse obrigatória, porque seria violadora de direitos e liberdades fundamentais”. Para o constitucionalista, no entanto, a facultatividade deste diploma “não impedirá que os políticos, para se credibilizarem um pouco mais, devam, no plano da ética política e não no plano do Direito, fazer todas as declarações de interesses que tenham, não se excluindo as suas filiações religiosas, de consciência, espirituais ou filosóficas, mas desde que tal seja compatível com as suas convicções e cuja revelação pública não contrarie da sua consciência moral”.
Maçons podem valer-se da liberdade de consciência?
O principal argumento de Fernando Lima para ‘ilibar’ os políticos maçons da obrigatoriedade desta declaração prende-se com a sua própria liberdade de consciência. Bacelar Gouveia refere que, relativamente às convicções e da espiritualidade das maçonarias, “o art. 41º da Constituição protege tais pertenças, nos termos da sua liberdade de organização interna, incluindo, sendo o caso, a questão do segredo, que se apresenta como constitutivo”. “Mais: para o texto constitucional, é indiferente a forma que essas pertenças ostentem, sendo do mesmo protegidas as ‘pertenças de facto’ que não tenham assumido uma qualquer estrutura jurídica de associação ou fundação”, continua o constitucionalista. Tal acontece “porque a Constituição pensa sobretudo na substância de não haver coação externa para quem quiser ter a liberdade interior – religiosa ou de crença não religiosa, filosófico ou filantrópica – de se vincular a tais princípios e valores”, uma liberdade de defesa de coação externa que “protege a realidade em causa das atividades desenvolvidas, independentemente das formas e vias jurídicas utilizadas”, conclui.
O diploma, salienta ainda assim Bacelar Gouveia, poderia ter entrado num paradoxo, onde faria “prescrever o impossível: fazer entrar a coatividade do Direito na consciência individual”. “Não caiu porque, à última hora, houve uma mudança essencial de rumo”, conclui o constitucionalista.