Sarrabiscos no padrão: toda a história

A frase era anticapitalista mas foi escrita num símbolo colonial. O vândalo misterioso afinal é uma vândala francesa. Contratou-se uma empresa para limpar, mas Joacine quer ‘fachos-voluntários’.

Domingo, 8 de Agosto, 11h30 da manhã: a PSP regista ocorrência de vandalismo no Padrão dos Descobrimentos. «Blindly sailing for monney, humanity is drowning in a scarllet sea» [Velejando cegamente por dinheiro, a Humanidade afunda-se num mar escarlate] – lia-se, numa frase de 20 metros escrita sobre o Padrão. A interpretação é simples: a ganância do Homem está a fazer com que este se afunde num mar de sangue.

A maior parte dos portugueses torceu o nariz. O objetivo da mensagem, cujo teor certamente lhes passou ao lado, ficou para segundo plano devido à forma como foi expressa. No mesmo dia, nas redes sociais, ninguém falava do que a frase dizia mas sim do facto de a frase ter sido escrita por cima de um dos monumentos nacionais. Repescando as estátuas do Padre António Vieira e dos combatentes da Guerra do Ultramar, os portugueses sublinharam não se tratar de prática isolada. E com razão. De facto, o movimento que procura contestar a benevolência e o progresso trazido pelo colonialismo muscula-se a cada dia, seja na forma de ativismo ou dentro dos campus universitários do Ocidente.

A PJ procurava «o vândalo». Na edição de terça-feira, o jornal i avançou tratar-se não de um «vândalo», mas sim de uma «vândala». Horas depois, a PJ confirmou a informação avançada pelo i: Leila Lakel, jovem francesa estudante na L’Ecole d’Art, é a principal suspeita pela ‘obra de arte’ feita por cima da obra de arte. Leila – ou Lia, nome artístico que assinou a ‘obra’ – partilhou no Instagram, ainda durante a madrugada, um vídeo da sua ‘obra’ com a descrição: «Está feito. Adeus Lisboa». Da mensagem, intuiu-se que Leila teria zarpado de Portugal, intuição essa entretanto confirmada pela PJ. Leila estará a monte com a PJ no seu encalço. Não parece, contudo, particularmente preocupada: Leila Lakel, sabe o Nascer do SOL, está ativa no Instagram.

 

Limpar os sarrabiscos

A limpeza das reivindicações de Lia custou 2300 ao erário público. Para tal, a Câmara Municipal de Lisboa contratou uma empresa – chamada, curiosamente, Cruzeta – que esperou ordens da PJ para proceder à limpeza. Começaram-na ao início da tarde de segunda-feira e terminaram-na ao final da noite do mesmo dia. Fizeram-no, então, de forma célere – como Medina frisou no Twitter: «A melhor resposta que se pode dar a quem vandaliza o património é a limpeza imediata». Já Joacine Katar Moreira, antiga deputada do Livre e agora deputada não inscrita, ficou desiludida pela contratação da Cruzeta: a seu ver, «devia ser o Ventura e o Ribeiro e Castro a limpar a cena do teatro colonial onde gostam de estar metidos». Foi mesmo mais longe, e sugeriu a criação de «uma equipa de fachos-voluntários para limpar tudo o que é colonial e poupar coroas ao estado».

Joacine não escolheu os alvos Ribeiro e Castro e Ventura por acaso: o primeiro apelou para que esta vandalização «fosse um ponto de viragem para as autoridades portuguesas, na proteção dos monumentos no espaço público», sugerindo um «sistema de videovigilância» para os mesmos. Já o segundo, além de, corporizando as palavras do primeiro, anunciar que irá lançar «uma proposta de videovigilância» sobre os principais monumentos, afirmou que a pichagem deverá ter sido feita pelas «Joacines desta vida ou pelos seus apoiantes», pois andam «há muito a incentivar a este tipo de comportamentos». Já o CDS, cujo líder considerou o ato «cobarde e desrespeitador» e levado a cabo por «vândalos», deu entrada imediata a uma recomendação na AR que também procura vigiar, através de videovigilância, estes monumentos nacionais.