A nova variante do SARS-CoV-2 que a Organização Mundial de Saúde colocou esta semana sob vigilância foi detetada em Portugal em junho e em julho mas não teve até aqui uma expansão significativa. Ao i, João Paulo Gomes, responsável pelo estudo da diversidade genética do coronavírus do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA), confirma que foram detetados no país 24 casos da variante B.1.621, nomeada com a letra grega Mu, o último há cerca de um mês, o que indicia que não tem havido um espalhamento relevante que possa suscitar preocupações a nível nacional com maior transmissibilidade ou menor efetividade da vacinação.
O INSA analisa semanalmente amostras dos vírus de doentes infetados no país. Desde o final de julho sequenciou mais de 2 mil e não foi detetado mais nenhum caso da Mu, sendo que na última semana de agosto a variante Delta continuava com o domínio absoluto da epidemia, representando 100% dos novos casos de Norte a Sul.
A variante Mu passa a ser a quinta classificada como variante de interesse pela OMS, uma classificação que é dada às variantes do coronavírus com mutações genéticas que podem implicar maior transmissibilidade, maior severidade da doença ou menor eficácia vacinal. Neste caso, trata-se de uma variante detetada pela primeira vez em janeiro na Colômbia e que conta, de acordo com a plataforma de vigilância global GISAID, com 3700 casos identificados em 40 países, a maioria na América.
Controlo nas fronteiras Para João Paulo Gomes, é importante monitorizar estas variantes pelas mutações que apresentam, e que vão sendo comuns nos novos SARS-CoV-2, não antevendo no entanto que esta venha a ter um espalhamento significativo no país dado o comportamento no último mês. Ainda assim, o responsável defende que o país deve ter um controlo mais apertado à entrada de passageiros provenientes de países com menor cobertura de vacinal, onde há o risco de novas variantes circularem com maior intensidade. Isto mais do que em relação a países como os EUA: esta semana, a União Europeia recomendou novas restrições a viagens não essenciais oriundas dos Estados Unidos devido à variante delta, algo que até aqui Portugal não implementou. “É uma questão sempre política. Quando quase todos os países que nos rodeiam têm uma prevalência da Delta superior a 90%, é um bocadinho patético pensar que é um risco termos mais introduções da delta. Por outro lado, o que também é verdade é que Portugal neste momento tem coberturas de vacinação superiores à maioria dos países. Penso que os cuidados nas fronteiras e restrições devem ser sobretudo orientados para países onde a cobertura de vacinação é muito distante da nossa e onde podem circular estas variantes com maior intensidade”, diz.
Maior circulação, mais mutações João Paulo Gomes adianta que neste momento há uma expectativa para perceber se aparecerá alguma variante com capacidade para se sobrepor à Delta, que em dois meses tirou a Alpha do mapa da covid-19 em Portugal e levou a um reacendimento da pandemia a nível global. O investigador nota que um dado relevante da análise genómica feita semanalmente pelo INSA é que todos os vírus que têm sido sequenciados apresentam hoje mutações preocupantes, sinal de que o vírus continua a adaptar-se para se transmitir numa população vacinada. “Há muitas semanas que não sequenciamos um vírus em Portugal que não tenha mutações consideradas preocupantes pela comunidade científica, o que nos mostra que só os vírus adaptados é que estão a circular, os outros já não conseguem”, diz. “Nesse sentido é um vírus que nos surpreende um bocado porque, tendo em conta que tem uma taxa de mutação muito baixinha e tendo em conta as taxas de vacinação, está a conseguir milagres de transmissão que só eram expectáveis num vírus com taxa de mutação superior como a gripe. O que sabemos hoje é que este é um vírus que não tem mais de uma mão cheia de mutações com interesse mas as combinações diferentes que consegue fazer levam a que consiga ganhar vantagem e continuar a transmitir-se.”
Até aqui, vacinados infetados tendem a ter menor carga viral e a debelar o vírus mais rápido, acrescenta João Paulo Gomes. “Isto são boas notícias. Um vacinado pode ser contaminado, mas normalmente resolve a infeção num ou dois dias. O problema é que, se mantivermos níveis de infeção muito elevados, continuamos a dar possibilidade ao vírus de criar mutações e as mutações que surgem agora são sempre más.”