O Novo Banco, criado a 4 de agosto de 2014, até à venda da instituição financeira ao fundo americano Lone Star, em março de 2017, foi passando por vários desafios. Ativos não produtivos e passivos caros pesavam nas contas e impunham novas exigências de capital. Em 2015, contava com uma elevada exposição a imóveis (5,2%) e o nível de crédito não produtivo – em inglês, non-performing loan ou NPL –, em 2016 fixava-se nos 33%, quando a média em Portugal era se 17% e a da União Europeia era de 5%. A missão de recuperação era quase impossível.
A venda do Novo Banco, as entradas de capital e a criação do Mecanismo de Capital Contingente (CCA), permitindo não só a reestruturação do passivo como a limpeza do balanço, foram vitais.
Aliás, antes disso, as previsões de resultados foram sendo ultrapassadas num curto perído de um ano. Ao que Nascer do SOL apurou, o projeto Hermes, em 2015, levado a cabo pela Societé Générale, apontava para prejuízos de 84 milhões nesse ano, mas a partir daí e até 2018 apresentaria resultados positivos: 180 milhões em 2016, 359 milhões em 2017 e 488 milhões em 2018. Feitas as contas, daria um lucro total de 943 milhões de euros (ver tabela no final do texto).
Só que no final de 2015 foi detetado que o Novo Banco estaria financeiramente pior do que tinha sido inicialmente avaliado, o que levou a que o primeiro processo de venda caísse, em setembro desse ano.
Recorde-se que, na altura, o Banco de Portugal revelou que tinha optado por «interromper o processo de venda da participação do Fundo de Resolução no Novo Banco, iniciado em 2014, e concluir o procedimento em curso sem aceitar qualquer das três propostas vinculativas», considerando que «os termos e as condições das três propostas vinculativas não são satisfatórios e que o processo foi condicionado por importantes fatores de incerteza».
Uma situação que levou a que fossem retransmitidos dois mil milhões de obrigações do Novo Banco para o BES, com vista a garantir o capital da instituição financeira, e que exigiu por parte da Comissão Europeia a aprovação de medidas em relação à instituição financeira que fossem compatíveis com as regras das ajudas públicas – e que incluíam a extensão da data limite para privatização do banco (anteriormente estava fixado em agosto 2016), uma série de remédios/compromissos, a criação de um side bank e a extensão das garantias estatais para obrigações emitidas pelo banco.
Foi com este cenário em cima da mesa que arrancou o novo processo de venda e, no início de 2016, são anunciadas novas projeções, desta vez a cargo do Deutsche Bank, através do projeto Kairos e menos otimistas. Entre 2015 a 2018 foram apontadas perdas totais de 1.731 milhões de euros, em que só no último ano estão previstos lucros – prejuízos de 981 milhões em 215, 477 milhões em 2016, 318 milhões em 2017 e lucros de 45 milhões de euros em 2018.
Contas feitas, no prazo de pouco mais de um ano o Novo Banco deixa de ser um ‘Banco Bom’ para ser um ‘banco tóxico’ – que acabou por ser vendido em 2017.
E passou de uma previsão de resultados positivos acumulados para os primeiros quatro anos de 943 milhões de euros (projeto Hermes) para uma perspetiva de resultados negativos acumulados no mesmo período de 1.731 milhões de euros (projeto Kairos).
Só depois da venda do Novo Banco é que foi possível avançar com um processo de reestruturação até 2020: com a venda do banco legado e com o desenvolvimento do banco recorrente.
E os resultados foram visíveis já neste primeiro semestre de 2021, com a apresentação de lucros de 137,4 milhões.
É certo que o acordo entre o Estado português e a Comissão Europeia previu o cumprimento de 33 compromissos, divididos entre três categorias: estruturais, comportamentais e de viabilidade. Ao mesmo tempo, foi definido um calendário de redução de ativos não core e a capitalização progressiva através do Mecanismo de Capital
Contingente, tal como estava previsto no cenário base acordado com o Estado, em que a Comissão Europeia escolheu como o cenário base o mais adverso da Lone Star: 3,7 mil milhões de euros (o base rondava os 3,3 mil milhões de euros, enquanto o muito adverso fixava-se em 3,9 mil milhões de euros).
Redução do balanço acelera
O Nascer do SOL sabe que os acordos de 2017 e o plano de redução de ativos com o Banco Central Europeu (BCE) exigiram a aceleração do balanço. Feitas as contas, o total das provisões de crédito (4,1 mil milhões de euros entre 2015/2020) estavam em linha com os pares nacionais. Também as perdas registadas entre agosto de 2014 e dezembro de 2019 tiveram como base os ativos originados antes da resolução.
O que foi feito? O nível de NPL e de NPA (em inglês, non-performing assets) acabou por resultar na venda de portefólios com vista a libertar capital e, ao mesmo tempo, impulsionar a atividade core de apoio à economia. Mas, apesar do Novo Banco ter reduzido o nível de NPL entre 2016 e 2020, ainda estava aquém das metas impostas pelo BCE. Se, em 2016, o nível de NPLda instituição fixava-se em 33,4%, acima dos 17,2% da média portuguesa e dos 5,1% da europeia, quatro anos depois conseguiu reduzir para 8,9% (a média portuguesa estava nos 4,9% e a média europeia nos 2,6%).
Ao que o Nascer do SOL apurou, a redução de incobráveis foi possível com a venda de quatro grandes portefólios em Portugal e Espanha. Nata I e II tiveram como destino o mercado espanhol, enquanto Albatros e Cannas destinam-se ao país vizinho. Mas o nosso jornal sabe que o Novo Banco contava com um elevado nível de exposição ao imobiliário, o que condicionava a sua atividade core e desalinhado com o mercado.
A estratégia de vendas individuais e em portfólio permitiu reduzir a carteira em 65% entre 2017 e 2020. Exemplo disso, é a realização de 73 operações e 36 mil milhões de imóveis vendidos entre 2016 e 2019 na Península Ibérica.
O projeto ‘Viriato’ é um dos mais conhecidos – em que foi contratada a Alantra Espanha que assessorou 57 transações no valor de 16 mil milhões entre 2015 e 2017 – mas foi acompanhado também pelo ‘Sertorius’, que receberam luz verde por parte do Fundo de Resolução e da Comissão de Acompanhamento do Novo Banco. Neste processo, foram concedidos direitos de preferência às autarquias de mais de seis mil imóveis concedidos, mas só foram exercidos cinco.
A par da venda de imóveis, o banco liderado por António Ramalho, por imposição da Direção-Geral da Concorrência (DG Comp), alienou e encerrou grande parte das duas operações no estrangeiro, a banca de investimento e os seguros. É o caso da GNB Vida à Apax Partners. O valor da operação foi de 168 milhões de euros. O valor de venda ascendeu a um preço fixo inicial de 123 milhões de euros acrescido de uma componente variável de até 125 milhões de euros indexada a objetivos de distribuição constantes do contrato entre o Novo Banco e a GNB Vida para distribuição de produtos de seguros vida em Portugal por um período de 20 anos.
Também esta alienação recebeu luz verde por parte de todas as entidades. Ao que o Nascer do SOL apurou, a deterioração do valor da companhia é explicado, em grande parte, pelo reconhecimento de perdas de ativos imobiliários em balanço e o ajustamento das taxas de juro que penalizou o balanço da instituição.