No meio da mais grave crise alimentar da última década na Coreia do Norte, a imprensa estatal regozijou-se com os novos mísseis de cruzeiro de longo alcance do regime, capazes de atingir o Japão, divulgando imagens dos testes realizados, esta segunda-feira. Descreveram-nos como “uma arma estratégica de grande importância”, nas palavras da Korean Central News Agency (KCNA) – algo lido como um eufemismo para a capacidade nuclear destes mísseis.
Entre o resto do mundo, a sensação é de reticente apreensão com a provocação de Pyongyang. Por um lado, trataram-se de testes a mísseis de cruzeiro, não de mísseis balísticos, capazes de transportar ogivas maiores, que o Conselho de Segurança das Nações Unidas proibiu a Coreia do Norte de utilizar. Por outro, se o regime já tinha testado mísseis de cruzeiro, logo após a tomada de posse do Presidente dos EUA, Joe Biden, fizera-o com mísseis de curto alcance.
Como tal, “este é o primeiro míssil de cruzeiro de longo alcance (mais de mil quilómetros) e o primeiro que se reivindica ter capacidade nuclear”, tweetou Ankit Panda, investigador de política nuclear na Universidade de Stanton.
As imagens mostram os mísseis a serem disparados verticalmente a partir de veículos, tendo voado mais de 1500 km antes de atingir os alvos em águas da Coreia do Norte, segundo a imprensa estatal norte-coreana. Algo que se torna mais preocupante um mês depois a Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA) anunciar que o reator nuclear de Yongbyon, central para o programa nuclear norte-coreano, fora reativado em julho, após estar inativo desde finais de 2018, havendo indícios de que se estará a produzir plutónio para armamento.
Contudo, na quarta-feira passada, a ausência de mísseis na parada do 73.º aniversário da fundação da Coreia do Norte, e foco nas forças de segurança e nos grupos paramilitares do regime, fora lido por alguns analistas como sinal de que Pyongyang estaria focado numa agenda interna, em manter o controlo face à crise económica agravada pela pandemia e pelo fecho da fronteira com a China – os recentes testes de mísseis mostraram o contrário.
Ao mesmo tempo, talvez o regime veja o seu programa nuclear como intimamente ligada à crise económica, usando-o como maneira de pressionar a comunidade internacional a desapertar as sanções sobre o país. Aliás, estão marcadas negociações entre dirigentes da Coreia do Norte, Coreia do Sul e EUA já para esta semana.