Em julho deste ano, com votos a favor do PS, PCP, Os Verdes e da deputada não inscrita Joacine Katar Moreira, foi aprovada a proposta de lei que determina a fusão do Tribunal de Instrução Criminal (TIC) de Lisboa com o Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC), também conhecido como “Ticão”. Com esta integração, este passará a ser composto não por dois juízes apenas (Ivo Rosa e Carlos Alexandre), mas sim por nove, numa proposta que não teve votos contra, e sobre a qual PSD, CDS-PP, BE, PAN, IL, Chega e a deputada não inscrita Cristina Rodrigues se abstiveram.
A lei foi publicada em junho deste ano, e deve entrar em vigor a 4 de janeiro de 2022. Três meses depois da sua publicação, no entanto, não há sinais de qualquer avanço neste processo e o i sabe que a regulamentação daquele diploma deveria ter sido concluída até setembro deste ano, algo que não foi possível verificar. Afinal de contas, o projeto de lei refere que “no âmbito das respetivas competências, o Conselho Superior da Magistratura, o Conselho Superior do Ministério Público e a Direção-Geral da Administração da Justiça adotam as providências necessárias à execução da presente lei” – o que está por fazer.
Contactado pelo i, Henrique Araújo, presidente do Conselho Superior da Magistratura, recusou comentar a situação e remeteu para o Ministério da Justiça, que não respondeu às questões do i até à hora de fecho desta edição. O jornal sabe, no entanto, que a calendarização desta mudança no TCIC foi questionada por alguns magistrados, que apontaram setembro como um mês em que dificilmente estaria concluído este processo de regulamentação da lei. Os mesmos justificam o atraso com possíveis obstáculos apresentados pelos processos de mudança e de integração do TIC no TCIC. Sistemas informáticos, dados e outros elementos precisam de ser agora trasladados e ajustados ao novo e aumentado “Ticão”, num processo que “dificilmente” ficará concluído até ao fim deste mês, como estava inicialmente previsto.
De dois para nove A integração do TIC no TCIC foi proposta e aprovada pelo Governo em junho, quando Francisca Van Dunem, ministra da Justiça, argumentou que a mudança “aliviará tensões existentes em torno da circunstância de haver apenas dois juízes e de as diferenças de ponto de vista das respostas que podem criar na opinião pública a ideia de que há uma dimensão pessoal ou pessoalizada ao nível das decisões”. Uma proposta, aliás, que juntou sugestões feitas por entidades do setor como a Ordem dos Advogados e o Conselho Superior da Magistratura, segundo a própria ministra avançou. Isto apesar de o bastonário da Ordem dos Advogados, Luís Menezes Leitão, ter confessado ao i que a Ordem “sempre disse que o TCIC devia acabar, porque estávamos a assistir a uma personalização muito grande por parte dos magistrados, o que levava a que as pessoas achassem que aquilo que era mais relevante era o próprio sorteio dos processos do que as decisões do processo”. “Por isso achamos sempre que o melhor era extinguir esse tribunal e distribuir por todos os tribunais de instrução criminal do país”, continuou o bastonário, antes de garantir que a manutenção do tribunal “possa ser uma hipótese”, apesar de ser uma que não “gostariam”.
A repartição dos processos entre dois juízes – neste caso, Ivo Rosa e Carlos Alexandre – “gera um imperfeito grau de incerteza na distribuição”, referiu Francisca Van Dunem na altura, falando também de uma “indesejável personalização” da Justiça, o que leva à necessidade ajustar o quadro de competências para “dar resposta a problemas específicos”.
Manuel Soares, presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP), começou por explicar ao i que “o aumento do quadro de juízes permitirá, sem perda de especialização e qualidade, uma maior rotatividade na distribuição dos processos e aliviar a fulanização excessiva que existe naquele tribunal”, razões que o levam a afirmar que esta é “uma medida importante e positiva”. Soares nega que esta possa ser uma medida ‘eleitoralista’, no sentido em que poderá ter conotações políticas por trás, argumentando tratar-se antes de “uma medida de bom senso e consensual”.
Esta é, aliás, uma mudança que renovará a imagem do TCIC aos olhos dos portugueses, garante Manuel Soares. “Os portugueses devem olhar para o ‘Ticão’ como um tribunal por onde passam alguns dos processos mais importantes e confiar que os juízes que lá exercem funções têm qualidade e atuam com independência”, concluiu.