Mais de 60 personalidades “de diversas áreas e perspetivas” defenderam, numa carta aberta enviada à Assembleia da República, que o consumo de canábis deve ser regulado e que a legislação deve definir a idade mínima de consumo, regras para cultivo e produção e criar um imposto especial.
Na carta, publicada esta quinta-feira pelo jornal Público, os signatários – nos quais se incluem o ex-ministro Correia de Campos, Ana Gomes, o ex-secretário de Estado Leal da Costa, o ex-diretor geral da saúde Francisco George, Helena Roseta e Paula Teixeira da Cruz – sublinham que Portugal vive um novo momento que deve servir "clarificar e melhorar a eficácia das políticas públicas de drogas, na defesa da saúde pública e individual, do Estado de direito e do combate ao narcotráfico".
“Consideramos esta questão civilizacionalmente muito importante e queremos dar o nosso contributo inicial para uma discussão informada e responsável”, afirmam.
A carta lembra ainda que o consumo de canábis “continua a aumentar e tende a normalizar-se socialmente”, apesar da proibição de venda, e que a venda no mercado ilegal “está a provocar um efeito perigoso em termos de saúde, devido ao aumento descontrolado e contínuo" da potência da percentagem de THC.
“Entre 2006 e 2016, a percentagem de THC na resina de canábis (haxixe) aumentou de 8% para 17%, o que a torna suscetível de aumentar a possibilidade de efeitos psicóticos e de dependência”, exemplificam.
Para os signatários, é necessário “definir os objetivos de forma clara e partilhada”, sublinhando que “regular a canábis deve servir para defender a saúde e combater a criminalidade, financiando esses objetivos com os impostos sobre o setor da canábis”.
“As medidas concretas devem fazer com que o consumo migre do mercado ilícito para o mercado controlado, tomando todas as precauções necessárias e investindo na prevenção do uso para que não haja um aumento de consumo, sobretudo junto das pessoas mais jovens e vulneráveis”, frisam.
Na sua ótica, a regulação do consumo de canábis “deve ter como principal objetivo proteger a saúde daqueles que usam esta substância”, como tal deve ser definida uma idade mínima de consumo, limitar o nível máximo de THC e definir regras sobre o cultivo e produção orientadas para a proteção da saúde e do meio ambiente e proibir e punir a condução de veículos e máquinas sob o efeito da canábis e equipar as forças de segurança com os meios necessários para o respetivo controlo.
Deve ainda ser criada a obrigatoriedade de, no ponto de venda, haver informação para o consumidor sobre o conteúdo e os riscos dos produtos, "designadamente os riscos de dependência, as formas para reduzir o risco e as alternativas para tratamento, através da indicação das organizações e dos serviços públicos a contactar".
De forma a combater o mercado ilícito, devem utilizar-se “os instrumentos necessários para conseguir que a canábis seja produzida e comprada no circuito do mercado lícito, controlado e seguro”. Assim, a legislação deve “conter medidas para um estrito controlo das pessoas singulares e coletivas envolvidas no cultivo, produção, distribuição e venda de canábis” e medidas “de rastreabilidade do produto desde a semente à venda final”.
Já no que diz respeito à área fiscal, a carta defende que a legislação deve "criar um imposto especial sobre a canábis que tenha o duplo objetivo de arrecadar receita, mas também de modelar os padrões de consumo", criando um preço mínimo e tributando de modo progressivo produtos com concentrações de THC mais altas.
"A intervenção dos impostos no preço da canábis deve ter em atenção o delicado equilíbrio entre o objetivo de eliminar o mercado ilícito – o preço da canábis legal tem de competir com os preços do mercado ilícito de forma a incentivar a transição dos utilizadores para o mercado regulado – com o objetivo de prevenção geral", escrevem.
Por fim, afirmam que o uso responsável de canábis deve ser regulado gradualmente e avaliado periodicamente. Defendem que “devem ser consensualizadas as formas de produção”, bem como as “formas de apresentação autorizada cujo consumo seja potencialmente mais perigoso”.
“Pelas mesmas razões, pelo menos num primeiro momento, devem ser restringidas as importações de produto final. Deve ser criada uma estrutura transversal de acompanhamento contínuo da nova política de regulação do consumo responsável da canábis, a funcionar em princípio no SICAD mas sempre com o reforço de meios”, terminam.