A proposta entregue pelos peritos ao Governo para a etapa final do desconfinamento não fecha mais uma vez datas e propõe que, a partir do momento em que o país atinja 85% de vacinação e mantendo-se os indicadores da epidemia estáveis ou a melhorar, se passe de uma lógica de medidas obrigatórias para medidas adaptadas a cada setor e, mais do que isso, a cada organização e estabelecimento. O levantamento de restrições assentaria assim numa avaliação do risco em cada local em termos de ventilação e distanciamento, podendo justificar ou não medidas como a exigência de certificados covid-19, testes, definição de lotação, máscara ou circuitos de circulação, com os peritos a recomendarem que este tipo de medidas sejam usadas em ambientes fechados e em espaços públicos nos quais não seja possível manter o distanciamento. A equipa liderada por Raquel Duarte, que apresentou as linhas gerais da proposta na reunião do Infarmed, defende no entanto que pelo menos nos lares, dada a maior vulnerabilidade dos utentes, seja obrigatória a apresentação de certificado digital covid-19 quer por funcionários quer por visitas, bem como a testagem regular mesmo de quem está vacinado. Propõem também que, transitoriamente, se mantenha obrigatório usar máscara no interior dos transportes públicos.
Discotecas ausentes da reunião mas não da mesma lógica A reabertura das discotecas, o setor fechado há mais tempo e cuja abertura está anunciada para quando o país atingisse 85% de vacinação, não foi referida durante a reunião do Infarmed. Ao i, Raquel Duarte explica que as medidas gerais que apresentam são recomendadas para todos os setores, assentando numa avaliação de risco das organizações com apoio da saúde pública e saúde ocupacional, que permita ajustar medidas ao risco específico em cada local. “O que nós propomos é que de uma forma faseada, não de um dia para o outro, havendo uma taxa de vacinação superior a 85% e estando os indicadores estáveis, exista uma avaliação do risco, um plano de comunicação que prepara os utilizadores para as medidas e, nessa altura, deixa de haver medidas obrigatórias e passa a haver uma responsabilização individual e das organizações”, explica a médica. “O que propomos é a transição de um regime de obrigatoriedade para um regime de responsabilidade, em vez de haver uma lei que diga que todos os sítios fechados têm esta regra, sendo que propomos nesses locais fortemente a utilização da máscara”.
Não havendo uma recomendação específica para discotecas, seguiriam a mesma lógica, explica: “Tem de ser feita uma avaliação do espaço, como é a ventilação, como é que as pessoas são distribuídas, para que se avalie em cada local como é que as pessoas podem frequentá-lo em segurança. Os estabelecimentos não são todos iguais”, diz a médica. “Não vamos inventar medidas, conhecemos as medidas eficazes. Estamos na fase em que temos de começar a ser responsáveis”. Na visão da equipa, as medidas poderão ser diferentes consoante os espaços sejam maiores ou menores ou o tipo de utilização e deve ser isso a guiar questões como necessidade de manter algum limite à lotação ou não ou medidas como os certificados, que a médica considera no entanto que, com a maioria da população elegível já vacinada, poderão ser implementados em locais onde exista risco para pessoas mais vulneráveis – e daí a recomendação nos lares.
O Governo vai agora avaliar os diferentes contributos deixados na reunião. A proposta dos peritos é que antes do levantamento de restrições exista um período de adaptação dos diferentes estabelecimentos, o que implicaria uma calendarização do mesmo. Na reunião do Infarmed, o coordenador da task-force antecipou que o país chegue à meta dos 85% de população com vacina completa entre a última semana de setembro e a primeira de outubro, o que dá um intervalo de três semanas até lá, se o Governo fechar o plano no Conselho de Ministros da próxima semana.
No final do encontro, o Presidente da República sublinhou o sucesso de vacinação e falou de uma “nova página” na pandemia, garantindo, porém, que será uma adaptação “sem facilitismo”. E que o travão continuará à mão. “Se houver circunstâncias que obriguem à imposição de restrições, as restrições serão impostas. Vai haver uma monitorização permanente”, disse.
Se piorar, trabalho remoto e restrições à lotação Na proposta dos peritos para medidas a implementar agora, essa preocupação está também patente. Se o país estiver com mais de 85% de população vacinada e se houver um agravamento dos indicadores da epidemia, propõem então que o certificado digital com teste recente seja usado nos espaços públicos, “quando apropriado e de acordo com o que for definido pela DGS”, o regresso à promoção de atividades no exterior ou por via remota, sempre que possível, e que sejam repostas regras fixas como a definição do número máximo de pessoas por m2 bem como a utilização obrigatória de máscara em ambientes fechados e em eventos públicos. Recomendam ainda o evitar de ajuntamentos não controlados.
Na reunião, Baltazar Nunes, do Instituto Ricardo Jorge, salientou que o país nunca teve a epidemia tão controlada sem ser com medidas restritivas mais acentuadas do que as que vigoram atualmente – o RT situa-se em 0,84 e a projeção do INSA é que o país possa chegar ao patamar de baixa incidência, de 60 casos por 100 mil habitantes, em 30 dias.
Natal preocupa Foram apresentados três cenários para o outono-inverno, com o período do Natal/Ano Novo a gerar mais apreensão do que o momento atual de regresso às aulas. Caso haja um desvanecimento rápido da imunidade, Baltazar Nunes admitiu que poderá haver maiores problemas entre dezembro e janeiro. Na reunião ficou ainda a proposta de serem usados por regra nos rastreios testes rápidos em vez de testes PCR. A recomendação foi feita pelo epidemiologista Henrique Barros, que considerou que são mais baratos, mais rápidos e com fiabilidade sobreponível à dos testes PCR, permitindo detetar, mais do que infetados, pessoas que estão na fase contagiosa da infeção, evitando assim “colocar em casa” quem não precisa de estar em isolamento. Sobre a terceira dose da vacina, a recomendação dos peritos foi que seja prioritária para os mais idosos e que seja desde já planeado um plano para eventual reforço massivo da vacinação sem que isso comprometa a atividade dos cuidados de saúde primários.