O assunto aumento do preço da eletricidade tem estado na ordem do dia, principalmente depois de a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) ter anunciado que os preços da luz no mercado regulado vão aumentar a partir do dia 1 de outubro.
Os clientes domésticos do mercado regulado da eletricidade vão ver os preços crescer na ordem dos 3% devido à subida na tarifa de energia do mercado regulado em cinco euros por MWh. Para a maioria dos clientes domésticos do mercado regulado, com potência contratada de 3,45 kVA, a atualização será cerca de 1,05 euros na fatura média mensal. Já para as famílias com uma potência contratada de 6,9 kVA, a subida na fatura será de 2,86 euros, estima a ERSE.
Mas a que devem estes aumentos? «A subida anunciada deve-se à subida no preço da eletricidade no mercado grossista», começa por explicar ao Nascer do SOL, Nuno Mello, analista da XTB. Aliás, os preços no mercado grossista têm vindo a atingir recordes nos últimos meses.
O analista justifica melhor: «A escassez de chuva e de vento, que se tem verificado nestes últimos meses, tem levado a que se recorra mais às centrais a gás natural, em detrimento da energia eólica e hídrica. Ora, a subida a que se tem assistido no mercado de futuros de gás natural, atualmente a cotar em máximos de 7 anos, faz disparar o custo de produção e, consequentemente, o preço da eletricidade para o consumidor».
Já Ricardo Evangelista, analista sénior e diretor executivo da ActivTrades Europe S.A, lembra que esta tendência de crescimento de preços tem acontecido um pouco por toda a Europa. «Pode mesmo dizer-se que se trata de um problema global que resulta de uma combinação de fatores», diz ao Nascer do SOL, acrescentando que «entre estes destacaria o aumento da procura de gás natural, sobretudo pela China, que tenta substituir o carvão para reduzir a emissão de poluentes, e também devido a uma redução no fornecimento por parte da Rússia». Por outro lado, defende o analista, a subida do preço das licenças de carbono também tem ajudado a subida do custo da energia.
Ao nosso jornal os dois analistas defendem ainda que, com o crescimento de preços no mercado grossista, era esperado que esse aumento chegasse também aos consumidores finais. Aliás, Nuno Mello recorda que este é o segundo aumento este ano, depois de uma subida de 3% em julho. «A estimativa atualizada para o ano de 2021 aponta para um custo de aquisição do CUR de 73,24 euros/MWh, o que segundo a ERSE, ‘corresponde a um desvio de 21,21 euros/MWh, mais 41% que o valor refletido nas tarifas em vigor’», diz o analista da XTB, acrescentando que «a entidade reguladora tenta deste modo evitar grandes discrepâncias entre o preço de aquisição e o preço cobrado ao consumidor. Sempre que se verificar um desvio igual ou superior a 10 euros/MWh, a tarifa de energia deve ser revista num valor fixo de cinco euros/MWh, no mesmo sentido do desvio».
Os analistas não têm dúvidas que o crescimento, apesar de só afetar para já o mercado regulado – uma minoria – pode chegar mais tarde ao mercado livre. Mas também pode não acontecer. Nuno Mello explica: «Esta alteração não obriga o mercado livre a repercutir a mesma atualização de preços, já que cada entidade comercializadora segue a sua própria política de preços e estratégia, com o objetivo de oferecer as melhores condições comerciais aos seus clientes, num ambiente extremamente competitivo onde atuam vários players».
Mas se o preço vai então subir para as 933 mil famílias que estão no mercado regulado, os 5,4 milhões de clientes do mercado livre ainda não vão ver essa alteração, pelo menos para os que têm conta na EDP Comercial, Galp, Endesa e Iberdrola que, juntas, representam 93,3% dos clientes nesse mercado. O impacto só deverá ser sentido em janeiro. Os operadores dizem estar atentos e esperam que quando a ERSE apresentar as tarifas para 2022, a 15 de outubro, sejam repercutidas algumas atenuantes.
O que pode o Governo fazer?
O Governo já tinha admitido que existiam «almofadas» para travar as subidas do preço da luz e prometeu para breve a apresentação de propostas para travar preços da luz até 15 de outubro. A garantia foi dada por João Galamba, secretário de Estado da Energia que, apesar de garantir que «não irá gastar 300 milhões numa energia do passado», para baixar os impostos dos combustíveis fósseis, vai agir já para fazer face à volatilidade e aos altos preços da energia.
Nuno Mello diz que, uma vez que em Portugal as atualizações contratuais e de tarifas são anuais, «ainda há tempo de evitar aumentos em 2022 com a entrada em funcionamento, já no próximo ano, de várias centrais solares que foram promovidas e lançadas pelo governo, e o licenciamento de mais 12 centrais fotovoltaicas para entrada em funcionamento nos próximo anos».
Já Ricardo Evangelista deixa uma sugestão: Portugal poderia fazer como o «congénere grego» que anunciou recentemente um fundo de 150 milhões destinados a compensar o recente aumento do preço da eletricidade, lembrando ainda o exemplo do Governo francês que está a ponderar oferecer novos subsídios destinados a compensar este aumento de custos energéticos.
Nuno Mello recorda que, em Portugal, aproximadamente 64% da fatura de eletricidade são tarifas e impostos. E sugere a eliminação do Imposto Especial de Consumo (IEC) e a redução da taxa do IVA de 13% para 6%.