Estranho campeonato esse, o de 1944-45. Das dez equipas que disputaram a I Divisão, nada menos de quatro desceram. O Estoril Praia, que fazia a sua estreia entre os grandes, regressou assim à divisão secundária apesar de ter arrancado um muitíssimo honroso sétimo lugar. Tal como nas aventuras de Blake e Mortimer, os estorilistas deixaram uma forte Marca Amarela, um Raio U que devastou, por exemplo, o FCPorto, na Amoreira, por nada menos de 8-1. Esmagador!
Convenhamos que, tendo nascido onde nasceu, o Estoril – que se encontra neste momento num surpreendente segundo lugar na tabela e defronta amanhã o campeão Sporting – era clube de gente fina. Tanto assim que a sua primeira designação tinha requebros afrancesados. Afinal era natural da nossa Côte d’Azur, Começou por chamar-se Grupo Desportivo Estoril Plage, tal e qual a sociedade a que pertencia, a Sociedade Estoril Plage, chefiada por Fausto Cardoso de Figueiredo, e proprietária da linha de caminho-de-ferro Lisboa-Cascais, dos hotéis Inglaterra, Paris e Palácio, e do edifício onde se encontra o Casino do Estoril. Gravetuncho não faltava!
Fundado a 17 de maio de 1939, foi tentando crescer numa época tristemente marcada pela IIGrande Guerra e pelos custos que todos pagaram pela devastação da Europa. Mas o otimismo e a alegria não faltavam no coração dos seus dinamizadores. O colorido amarelo e azul do equipamento (muitas vezes jogando totalmente de amarelo) traziam à memória o sol e o mar da costa marítima que bordejava o estuário do Tejo e se abria para o Atlântico. A guerra haveria de ter fim. E, talvez não surpreendentemente, foi na época em que as Potências do Eixo se renderam que o Estoril Plage subiu, pela primeira vez à I Divisão.
A grande goleada!
Foi um campeonato deveras estranho e que acabou com a vitória do Benfica.
Dez clubes alinharam à partida com a consciência de que os quatro últimos seriam rebaixados. Uma luta dura, como se imagina, sobretudo para os estorilistas, únicos estreantes nessa época. Os restantes clubes participantes eram os inevitáveis Benfica, Sporting, FC Porto e Belenenses, aos quais se juntavam Vitória de Setúbal, Vitória de Guimarães, Olhanense, Académica e Salgueiros.
O comportamento do Estoril ao longo da época chegou a ter momentos brilhantes. Afinal acabaria por descer exatamente com os mesmo 16 pontos do que o Olhanense, que se manteve, batido apenas nos resultados entre ambos (0-0 em Olhão e 1-2 na Amoreira). Em casa, os canarinhos foram praticamente inultrapassáveis. Além dessa derrota face ao Olhanense, só perderam com Sporting e Belenenses (ambos os jogos por 1-2) e empataram com o campeão Benfica (1-1).
Extraordinário seria o momento vivido no dia 24 de dezembro de 1944, véspera de Natal. Nessa tarde ventosa, e com pouca gente nas bancadas, o FCPorto seria esmagado com uma das mais duras derrotas da sua história: 1-8. Ninguém queria acreditar. Os heróis canarinhos que entraram em campo foram os seguintes:Valongo; Pereira e Elói; Oliveira, Júlio Costa e Alberto; Lourenço, Bravo, Petrak, Vieira e Raul Silva. O treinador era o grande Augusto Silva.
Não se pense, por outro lado, que o FCPorto surgiu em campo com uma equipa de segunda apanha. Estavam lá grandes nomes da existência do clube como Barrigana e Guilhar, Araújo, Correia Dias, Artur de Sousa (o Pinga) e Catolino – o marcador do golo de honra. Queixar-se-iam, no final, os portistas que a viagem para sul fora demasiado acidentada e bulira com os nervos de toda a gente. Por culpa da queda de umas catenárias, tiveram de passar 18 horas no comboio e isso arrasou com a moral de muitos dos pupilos do húngaro Lippo Hertzka. Ninguém lhes obviará a razão, mas o resultado ficou para a história do futebol em Portugal. Raúl Silva 30, 60 e 65 minutos, Gomes Bravo 44 e 48 (penálti), Miguel Lourenço 75 e 83, Franjo Petrak 88 minutos foram os goleadores canarinhos. Pelo FCPorto já vimos que foi Catolino (58), tendo Pinga sofrido uma lesão bem cedo no jogo e atuado incapacitado durante grande parte dele.
«Não sabem o que perderam», gabavam-se no dia seguinte os que se tinham deslocado à Amoreira para os que decidiram ficar em casa ou ir às compras a Lisboa, preparando-se para o Natal do dia seguinte.
Curiosamente, os portistas, que nesse ano fizeram uma bela carreira em casa, com vitórias robustas de 9-0 ao Salgueiros e 10-0 ao Vitória de Guimarães, também não conseguiram bater os canarinhos aquando da deslocação destes à Invicta: 2-2. Por seu lado, os estorilistas pareciam demónios nos confrontos com as equipas da capital do norte. Ao receberem o Salgueiros, fecharam as contas com um sólido 4-0. Depois, quando chegou a altura de irem ao Porto defrontar o mesmo adversário, foram novamente terríveis 7-4 – acrescente-se que o Salgueiros foi um passeio para todos os adversários: 0-6 (Benfica); 1-6 (Sporting e Belenenses); 1-8 (FCPorto); 2-6 (Olhanense). ORaio Amarelo desceu mas subiu na época imediata com renovado fervor. Três anos mais tarde atingiria um inédito 4.º lugar.