O que me pode avançar sobre o quarto livro da série de Munch e Mia, cujo segundo livro [A Coruja Caça Sempre à Noite] chegou a Portugal recentemente?
Acabei-o durante a semana passada, por isso vai sair na Noruega no final de setembro. Na verdade, é uma prequela do primeiro livro [Viajo Sozinha], onde estão sempre a referir-se a algo que aconteceu há 10 anos, por isso a minha editora britânica perguntou: «Porque é que não escreves o livro sobre o que realmente aconteceu há 10 anos?». Eu não sabia muito bem se queria fazer isso, mas, enfim, finalmente consegui.
Perguntam-lhe muito sobre este novo livro nas suas entrevistas?
É engraçado porque esta é a primeira entrevista que faço em dois anos, já que tive que pedir ao meu agente para dizer ‘por favor, não mais entrevistas, não mais viagens’, porque não tinha tempo de escrever. Eram sempre entrevistas, entrevistas, viagens, viagens. E depois aconteceu a pandemia de covid-19, por isso até acabei por ter tempo extra, mas só por um bocado. É uma espécie de depressão, como se soubesses que o mundo pára. Normalmente eu podia viajar, e costumo ir a diferentes países, hotéis diferentes, só para me inspirar, e agora tenho de ficar em casa, por isso são coisas malucas para mim, como são para todos os outros.
Quando escreveu o primeiro livro [Viajo Sozinha], sabia o que tinha acontecido há 10 anos ou teve de inventar?
Não, não, não fazia ideia. Tive de o criar ao contrário para ver como e quem eram estas pessoas há 10 anos, sabes? Porque sou um pouco diferente de um escritor de crime normal, porque uso partes de um mundo literário e estou quase sempre mais interessado nas minhas personagens do que no enredo. Por isso passei cerca de um ano a tentar escrever sobre como eram estas pessoas há 10 anos.
Como se sente, olhando agora para o A Coruja Caça Sempre à Noite, que saiu há anos, mas só este verão foi traduzido para português e publicado cá? Sente que teria feito algumas coisas de forma diferente?
Sim, acho que teria feito algo diferente. Acho que teria escrito o livro inteiro novamente. Talvez mais dramatúrgico, contado de forma diferente. Aliás, é importante referir que eu também tive um grande sucesso com o primeiro livro, Viajo Sozinha.
Como surgiu a ideia desse primeiro livro?
Na altura, eu era apenas um escritor e músico falido, e havia uma competição que basicamente perguntava: «Acha que consegue escrever o melhor romance policial da Noruega?». Eu pensei: «Bem, claro que posso». Não planeei nada, apenas criei um nome falso para que ninguém soubesse quem eu era, porque todos na Noruega sabiam quem eu era. Eu fiz álbuns e costumava ser uma estrela do rock e tudo mais, quando era jovem, então todos sabiam quem eu era e eu sabia que se eu escrevesse um livro com o meu próprio nome eles diriam: «Oh, o que é que ele fez agora?». Então criei um nome secreto e o sucesso veio de repente, e acabei por ter de escrever outro livro muito rápido. Todo o mundo queria o livro rápido. Normalmente eu demoro cerca de seis ou sete anos entre os meus livros, então geralmente não costumava pressioná-los porque tinha muitas outras coisas para fazer. Na altura conseguia esperar que um livro chegasse até mim. Mas naquela altura tive que fazer por forçar um livro, e acho que foi um pouco rápido. Eu gosto de ter muitos personagens, e muitas coisas no livro…
Tem algum tipo de relação com Portugal?
Na verdade, tenho uma história engraçada sobre Portugal. Quando era jovem e queria ser escritor, estava a estudar teatro em Oslo e não gostava do curso, então entrei numa agência de viagens e disse: «Preciso ir a algum lugar» e a menina da agência de viagens perguntou-me: «Aonde queres ir?». Eu apenas respondi: «Não me importo, reserve só uma passagem para algum lugar» e ela questionou-me «Que tal Portugal?», e então fui para Portugal. Tinha a minha máquina de escrever e todos os meus livros na mala e ia para Portugal escrever, porque queria ser escritor. Fui para o aeroporto e tinha sobrecarregado as minhas malas… Não tinha dinheiro, então tive de deixar a minha máquina de escrever na Noruega… Lá aterrei em Faro, e tinha ouvido falar de Tavira. Sabia que havia um estilo de ilha hippie lá, então fiquei um mês sozinho em Tavira. Sozinho, com a minha caneta e um pouco de papel. Queria ser escritor e foi o que aconteceu em Portugal. Essa é a minha história de ‘Queria ser escritor’, e aconteceu em Portugal.
Quando foi isso?
Eu era jovem e estúpido. Eu tinha uns 20 anos, portanto talvez há 30 anos. Mas foi uma ótima experiência. Eu só gostava da coisa hippie, sabes, e paguei a um pescador para me levar até à ilha. Eu não falava português e ele estava a dizer que não queria ir, mas acabou por me levar. Eu saí do barco e não havia ninguém lá. Ele era apenas um homem calmo, ficou em silêncio e basicamente esperou que eu acabasse para me levar de volta [risos].
Diria que esta viagem a Tavira o ajudou a tornar-se escritor?
Não sei, só sei que me fez querer não desistir. É que depois, é como se sonhasses com alguma coisa e ela acontecesse, mas acontece muito mais do que gostarias. Depois do sucesso do primeiro livro, foi mais um choque para mim. E é por isso que, depois de alguns anos, eu só precisava de uma folga. Eu estava na rádio na Austrália, na TV na Eslováquia ao pequeno-almoço, em Praga eles celebraram o livro com champanhe… e havia uma adolescente que chorava e tudo. Ah, e em Estocolmo eles fecharam o restaurante onde estava para que eu pudesse conhecer os meus novos agentes de Hollywood… Estava em estado de choque, e ainda por cima foi ao mesmo tempo que estava a tentar escrever o A Coruja Caça Sempre à Noite. Normalmente, quando escrevo, tenho dois telefones, um para o trabalho apenas com o meu agente e a minha mulher e o outro telefone particular. Mas desligo para que ninguém me possa ligar… tento isolar-me o máximo possível, e apenas tento viver no livro e estar o mais próximo possível dos personagens. Quando faço isso, as pessoas perguntam-me, especialmente na Noruega, «Por que razão é que não quer dar entrevistas e por que não quer aparecer na TV?». E eu explico sempre que não quero fazer isso na Noruega.
Porquê?
Eles acham que é estranho, porque eu acho que eles acham que todas as pessoas querem ser famosas ou ver as suas cara em revistas… Toda a gente quer ter esse feedback, especialmente hoje em dia, em que há tantos media e redes sociais. Toda a gente quer que olhem para eles, mas eu estou mais numa de: «Por favor, deixem-me em paz, eu divirto-me imenso apenas a escrever».
Então, mas isso quer dizer que não esperava tanto buzz do primeiro livro?
Não, não, não. A recompensa por vencer o concurso foi de €50.000 e, para mim, foi tipo: «Ah, sim, posso fazer um novo álbum ou algo assim», e depois… ‘boom’, foi vendido para 30 países. E houve uma grande procura por mim na Noruega, porque ninguém sabia quem eu era, por causa do pseudónimo. Quase todos os dias, lá estava eu nos jornais, e as pessoas perguntavam ‘Quem é esse Samuel Bjørk?’.
Como é que se acabou por descobrir quem era na realidade?
Um amigo meu ficou bêbado e contou a um jornalista. Mas quer dizer, ia acontecer mais tarde ou mais cedo. É um país pequeno e moro numa cidade pequena e, de repente, as pessoas começaram a olhar para mim e a pensar: «Porque é que ele tem uma casa e um carro novo?».
Mas o Samuel falou sobre os seus dias de rock and roll. Pode-me falar um pouco sobre esses tempos e o que aprendeu com isso para se tornar escritor?
Aprendi muito, na verdade, porque escrever é um negócio solitário, e eu era jovem. Onde moro é muito parecido com uma cidade de rock and roll, toda a gente tem uma banda. Se não tivesses uma… não tinhas amigos [risos]. Alguns amigos, na altura, tinham uma banda muito popular chamada Motorcycle, eles eram muito famosos na Europa. Então, eu fui ter com um deles, disse que queria tocar com eles, e acabámos por fazer um álbum. E isso também foi como o Viajo Sozinha. Acabámos de fazer um álbum e para aí três semanas depois estávamos no rádio e em tour. De repente, fiquei famoso, e isso mudou muito na minha cabeça. Porque quando recebes tanta atenção o tempo todo… Quer dizer, tínhamos programas de rádio à procura das minhas letras, eles até vinham ter a minha casa. Eu estava na mira de toda a gente… Comecei a andar com todas as celebridades e todo o mundo, queriam pagar-me bebidas e estar comigo, então algo aconteceu na minha cabeça. Comecei a pensar muito sobre mim mesmo, e um ou dois anos depois, já não queria fazer mais aquilo, porque dei por mim a olhar para os jornais e a perguntar-me: «Por que motivo os jornais não têm nada sobre mim hoje?». Nessa altura, pus o telemóvel de lado, comecei a escrever, e cerca de 10 meses depois, publiquei o meu primeiro romance… Portanto, sim, acho que posso dizer que aprendi muito quando tive esse sucesso repentino. Aprendi apenas a ficar calmo, relaxar e entender que sou apenas uma pessoa normal. Para não ficar demasiado ‘pedrado’ comigo mesmo, sabes?
Na altura já pensava em ser escritor, ou foi só depois da viagem a Tavira?
Sim, na altura já queria escrever. Já tinha tentado publicar cinco livros diferentes e todos falharam na editora. Eu escrevi a minha primeira peça de teatro quando tinha 21 anos. Para ser publicado, tens de trabalhar muito para isso, e quando se é um pouco diferente, é mais difícil ainda…
Porque é que diz que é diferente?
Quer dizer, eu não pareço realmente encaixar-me em nenhum dos grupos. Por exemplo, não gostava do rock, mas tinha um álbum de sucesso. Não gostava do teatro, mas fiz cinco peças que estiveram em palcos nacionais. Na altura, as pessoas perguntavam-me: «Porque é que não estás feliz em fazer apenas uma coisa?», e ficavam genuinamente com raiva.
Pensa em voltar a fazer música?
Ainda faço música, tenho um estúdio caseiro e eu e um amigo acabámos de fazer um álbum, mas acho que não o vamos publicar. A música é um negócio de merda. O negócio do livro, por outro lado, é como o paraíso, mas no negócio da música, eles não querem saber de nada. Acho que não ganhei nenhum dinheiro com todos os meus álbuns, vê lá, os meus contratos eram uma merda. O negócio da música é como um negócio de pastilha elástica, como se fosses de um sabor hoje, e por isso gostam de ti, e no dia seguinte cansam-se e simplesmente deitam-te fora.