Por Marta F. Reis e Vítor Rainho
A vida dos condutores aceleras – e não aceleras – vai ficar muito mais difícil com a entrada em funcionamento de novos radares e a multiplicação de controlos. Para se ter uma ideia, nos testes que estão a ser feitos, só na Avenida de Ceuta, em Lisboa, um condutor pode passar a ser ‘autuado’ três vezes. Duas pelos radares fixos e uma pela Polícia Municipal – isto se a PSP não decidir também mandar uma patrulha para o local. «Lisboa vai ficar com mais de 40 radares fixos, e a PSP e a Polícia Municipal também têm novos aparelhos. Andar em excesso de velocidade – e muitas ruas e avenidas vão ter como limite máximo 30 quilómetros por hora – será um ato completamente suicida’», explica uma fonte ligada ao processo.
Um exemplo muito comentado é o do sinal perto do Aqueduto das Águas Livres onde atualmente já só é possível andar a 40. Acontece que é uma descida e, consequentemente, uma subida muito acentuada, e com os novos radares em funcionamento serão poucos os que não serão autuados. Pelo menos numa primeira fase, até se habituarem a «conduzirem parados», como refere fonte policial.
Para complicar ainda mais a vida aos automobilistas, os sinais luminosos que indicavam a proximidade aos radares, e que se viam de bem longe, se não estivessem escondidos no meio das árvores como o da avenida Marechal Gomes da Costa, vão desaparecer e dar lugar a outros que estarão bem mais baixos, não serão luminosos e confundem-se com a restante sinalética de trânsito ou de direção.
Novos modelos mais eficazes
Estão aprovados dois modelos – um dos quais irá substituir todos os velhos – e a diferença é que um consegue fotografar até a marca dos óculos de um condutor, além do modelo do carro, a velocidade e a matrícula.
Dos 41 radares da capital que estarão em funcionamento (ver infografias), um deles, o que está nas imediações da Cordoaria, irá controlar os condutores nos dois sentidos – embora todos o possam fazer. A Associação Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR) poderá convencer o Governo a optar pela generalização de fotografar nos dois sentidos, embora em muitas das avenidas e ruas vá passar a haver dois radares, um em cada sentido. «Esse radar [perto da Cordoaria] pode fotografar até 32 carros ao mesmo tempo, por aproximação e afastamento», acrescenta a mesma fonte. Dito de outro forma: o radar vai apanhar os carros de frente e de trás. E aqui coloca-se um problema de privacidade, pois ao fotografar-se de frente ver-se-á quem vai ao lado do condutor. Estes radares terão um alcance de 70 metros, bem menos do que as ‘pistolas’ que a PSP e a GNR já têm – a Polícia civil já encomendou mais 30 – e que conseguirão definir com exatidão a velocidade a que vai o carro x até 400 metros de distância.
Nas redes sociais circula um vídeo onde se vê um guarda da GNR com um aparelho destes, um radar pistola laser TruCam, em cima de um viaduto, andando de um lado para o outro para apanhar condutores nos dois sentidos. Não é ficção, e entrará em vigor até ao final do ano.
Mas não são só a PSP e a GNR que serão contemplados com mais radares – independentemente da sua tipologia –, pois a Polícia Municipal de Lisboa também está a postar no ‘jackpot’ das estradas e até tem dois carros, um Ford Fiesta e um Skoda, que andam pelas ruas da capital a fotografar automóveis em excesso de velocidade – algo que fazem com frequência nas proximidades dos radares fixos. «As pessoas pensam que já passou o ‘perigo’ e voltam à velocidade a que iam antes de terem visto o sinal de velocidade. É muito frequente depois serem apanhados pela Polícia Municipal ou pela PSP, que até parecem competir entre si», conta outra fonte que está por dentro do processo.
Grosso modo, em Portugal existem cerca de 220 aparelhos que captam o excesso de velocidade e estão distribuídos pela PSP, GNR, Infraestruturas de Portugal, ANSR e câmaras. Um dado curioso é que algumas caixas que têm radares nem sempre têm o aparelho, pois há menos radares do que caixas, algo que estará a ser alterado com a compra de novos, acabando com as caixas fantasmas momentâneas. Se existem 50 caixas espalhadas pelo país, os radares, até agora, vão ‘girando’ de localidade.
E qual a razão para um investimento tão forte? Para se ter uma ideia, em plena pandemia o Estado arrecadou no global em 2020 71,1 milhões de euros em coimas relativas a infrações ao Código da Estrada, não muito inferiores aos 87,3 milhões de 2019, apesar do confinamento. Este ano, até junho, ia nos 41,8 milhões de euros, de acordo com o relatório de síntese orçamental. A preocupação do Governo é no entanto o combate à sinistralidade, sendo que o excesso de velocidade é responsável por mais de metade das infrações detetadas no país.
Radares a todo o gás no último trimestre de 2022
A ampliação da Rede Nacional de Fiscalização Automática de Velocidade (SINCRO), a cargo da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, foi anunciada em agosto do ano passado e representa o maior reforço de radares dos últimos anos, a par dos sistemas a cargo das polícias que também vão entrar em vigor. Ao Nascer do SOL, o Ministério da Administração Interna e a ANSR indicam que o processo de reforço de 50 radares se encontra em fase de celebração de contrato tendo sido adjudicado a 18 de junho de 2021, aguardando visto prévio do Tribunal de Contas para avançar o contrato. A partir do momento em que o contrato for assinado, a empresa terá nove meses para garantir a instalação dos 30 novos locais de controlo de velocidade instantânea. A grande novidade vai ser no entanto os 20 primeiros locais de controlo de velocidade média no país. No total, a previsão do MAI é a que a instalação leve até um ano. «Logo que o visto seja aprovado, o contrato entra em vigor e as primeiras 40 cabinas, mais os respetivos radares, têm de ser instalados num prazo máximo de nove meses. As restantes cabinas vão ser instaladas nos três meses seguintes».
Será um processo que ficará assim concluído no último trimeste de 2022. E vamos então à velocidade média, que irá controlar o mesmo veículo entre dois pontos. Questionado pelo Nascer do SOL sobre se vai ser preciso mudar o Código da Estrada para estabelecer novos limites, o MAI remete para o Decreto-Lei n.º 265-A/2001, que em 2001 alterou o Código da Estrada para indicar que tal não sera necessário. Diz o n.º 4 do artigo 27º, sobre limites de velocidade e coimas aplicáveis, que para esse efeito «considera-se que também viola os limites máximos de velocidade instantânea o condutor que percorrer uma determinada distância a uma velocidade média incompatível com a observância daqueles limites, entendendo-se que a contra-ordenação é praticada no local em que terminar o percurso controlado».
Um bom exemplo para se perceber o que está em causa pode ser o da reta do Cabo, na Estrada Nacional 10, que terá sete quilómetros onde os automobilistas serão ‘fotografados’ quando passarem por um radar – atenção que a sinalética é diferente da do excesso de velocidade, pois serão duas câmaras fotográficas como símbolo e não as ‘ondas’ – e voltarão a ser ‘flashados’ quando passarem pelo segundo radar. Os aparelhos farão automaticamente a velocidade média e se o condutor ultrapassou a permitida, será multado. O resto já sabe: quanto maior o excesso, maior a coima. As fotos farão prova em tribunal, embora os advogados que se dedicam a contestar multas tenham aqui um bom campo de manobra, pois será necessário dar um ponto de excesso de velocidade. Por absurdo, se um automobilista ao passar o último radar for à velocidade permitida, os causídicos irão contestar por aqui. Para quem desconheça, diga-se que há escritórios de advogados que quase só se dedicam a estes processos, para livrar os infratores de ficarem sem carta.
Outra fonte ligada ao processo, estranha que dos 20 locais previstos (ver infografia) para o controlo da velocidade média, apenas dois sejam no Norte. «É natural e desejável que o Governo queira reduzir a sinistralidade e locais como a reta do Cabo registam muitos acidentes, alguns dos quais de choque frontal. Mas haverá alguma razão para o Norte só ser contemplado com dois troços? Ou será que os automobilistas que utilizam as estradas da zona são mais cautelosos do que os do sul?», ironiza a fonte. Questionado sobre esta discrepância e sobre os critérios que levaram à definição dos locais dos radares, que vieram a público nos últimos dias e já foram confirmados pela ANSR, com a indicação de que alguns ainda poderão sofrer ajustes, o Ministério da Administração Interna indicou ao Nascer do SOL que «na seleção dos locais de controlo de velocidade foram estabelecidos critérios relacionados com a sinistralidade, as velocidades praticadas no local, as condições funcionais, físicas e geométricas dos locais, bem como a inexistência de medidas de engenharia mais apropriadas suscetíveis de mitigar a sinistralidade nos locais em causa», reforçando que «a região não constituiu um critério considerado na seleção dos locais». Ainda assim, o mapa mostra que dos 20 futuros locais de controlo de velocidade média, há apenas dois acima de Coimbra, um na A41 (Aveiro) e outro na A3 (Porto). Só na Área Metropolitana de Lisboa são oito (quatro em Lisboa – A9, EN10, EN6-7 e IC19; e quatro em Setúbal – EN10, EN378, EN4, EN5 e IC1).
Questionado sobre os locais que atualmente detetam mais condutores em excesso de velocidade, o MAI e ANSR revelam ao Nascer do SOL o top 5: A1, A8, A29, A4 e A7. Destes, só a A1, tem previsto um novo radar de controlo de velocidade médio.
Apesar do processo internacional para adquirir os 10 conjuntos duplos de novos aparelhos só agora estar em finalização, o Nascer do SOL sabe que um dos concorrentes já tem o seu modelo em teste. E foi com esse que já se fizeram vários ensaios, nomeadamente na Ponte Vasco da Gama.
O Governo de António Costa conseguirá assim algo que o Executivo de Cavaco Silva chegou, timidamente, a pensar pôr em prática nas autoestradas, mas não conseguiu.Para o efeito, um dos seus secretários de Estado da Administração Interna chegou a lançar o tema, dizendo que seria muito fácil controlar a velocidade média dos condutores, bastando ver a hora que tinha entrado na autoestrada e a hora a que tinha saído. Como diria o engenheiro Guterres, era só fazer as contas. Acontece que o movimento que se criou contra essa medida acabou por fazer com que abortasse rapidamente.
Em relação às intenções do atual Governo, em lado algum se diz que esta medida está pensada para ser posta em prática nas autoestradas, nestes moldes. Mas a A1, podemos adiantar, terá cerca de dois quilómetros onde a velocidade média será aferida. Será por volta do quilómetro 61, onde morreu Sara Carreira, filha de Tony Carreira. Para já não se fala na possibilidade da Via Verde ou dos pórticos das autoestradas servirem de prova para se aferir a velocidade média. Caso fosse pensado, ter-se-ia que aprovar legislação para que essas ‘câmaras’ da via verde fossem homologadas.
O fim das perseguições a 200 quilómetros
Não raras vezes, as autoridades facultam às televisões imagens de perseguições que fazem a automobilistas que circulam a mais de 200 quilómetros/hora. Após muitas críticas a esta forma de atuar, pois se para perseguirem o infrator os agentes acabam por fazer o mesmo, colocando em perigo os restantes condutores, podem estar em vias de desaparecerem. Atualmente, os guardas da GNR que querem ‘apanhar’ alguém que vai em excesso de velocidade são obrigados a colarem-se ao carro infrator, durante alguns segundos, para conseguirem obter a prova que incriminará o ‘acelera’ em tribunal. Acontece que a velocidade que é registada é a do veículo das forças de segurança, havendo juízes que são sensíveis aos argumentos da defesa, dizendo que não existe nenhuma prova da velocidade do hipotético infrator.
E esta é outra grande mudança: a GNR adquiriu novos aparelhos que estarão ligados ao tacógrafo dos seus veículos e que registarão a velocidade a que vai o carro infrator. Basta à GNR ir, por exemplo, a 120 quilómetros para saber que se um carro passa a mais de 50 quilómetros por ele, significa que ia a 170. Com a homologação dos novos aparelhos, a GNR não precisará de perseguir ninguém. É como se o radar que vai dentro do automóvel fosse um radar fixo.
Um elemento da GNR dá um bom exemplo: «Imagine que um carro equipado com esse novo radar sai de Bragança e termina a viagem em Faro. Tem ideia de quantos carros irão ser detetados em excesso de velocidade? Se algum dia fizerem esse teste, verá que no final da viagem o aparelho está integralmente pago».
‘Caça à multa’
As autoridades policiais são acusadas, muitas vezes, de fazerem uma autêntica ‘caça à multa’, deixando até radares a funcionar à noite toda em artérias com longas retas. Mesmo na Ponte 25 de Abril, algumas operações chegaram mesmo a obrigar ao fecho da última faixa da Via Verde, mais próxima das instalações da Brisa, para que a GNR colocasse um radar entre os rails para conseguir apanhar mais condutores em excesso de velocidade. Quando se passa pelo garrafão da ponte, no sentido Norte-Sul, só se pode conduzir até 70 quilómetros hora, embora muitos pensem que já se está na A2, e aceleram até aos 120 quilómetros – algo só permitido depois do desvio para Almada.
Certo é que os radares vão estar no próximo ano em força nas estradas portuguesas, principalmente nas do Sul. O Norte, como que por artes mágicas, fica praticamente fora da velocidade média, e não consta que a Polícia Municipal do Porto vá comprar pistolas e radares para andar numa verdadeira ‘caça à multa’. Também ao contrário do que chegou a ser anunciado na comunicação social e nas redes sociais, os novos radares não irão ‘apanhar’ os condutores que passem sinais vermelhos ou pisem traços contínuos.
30 km/h – a mudança que se segue
Mas há algo para que pode começar já a mentalizar-se. Nas maiores cidades, o limite de circulação a 30km/h, nomeadamente perto de ciclovias, vai começar a generalizar-se, desde logo na capital, em linha com o anúncio feito em Paris este agosto. O argumento lá, como será cá, é a redução de acidentes(e atropelamentos), a redução de ruído e de poluição. O tema veio à baila esta semana na campanha das autárquicas pela voz da candidata do Livre à Câmara Municipal de Gaia, que defendeu a redução da velocidade para 30 km/h em zonas residenciais e também foi defendido para Lisboa pelo candidato da CDU João Ferreira.
No ano passado, após um atropelamento mortal no Campo Grande, o vereador da Mobilidade de Lisboa, Miguel Feliciano Gaspar, também o defendeu e foi agora, embora pouco debatido, um dos temas do acordo entre PS e Livre na recandidatura de Fernando Medina.
Questionado sobre se haverá uma alteração mais de fundo ao Código da Estrada sobre esta matéria, o Ministério da Administração Interna indicou que a Estratégia Nacional de Segurança Rodoviária 2021-2030 – Visão Zero 2030 – se encontra em fase de elaboração e que procurará ir ao encontro das políticas e segurança rodoviária da União Europeia e da ONU, que definem como meta a redução em 50% do número de vítimas mortais e de feridos graves resultantes de acidentes de viação até 2030 e a aproximação, tanto quanto possível, de zero acidentes mortais e feridos graves no transporte rodoviário até 2050.
Em Portugal, em 2020, há por agora apenas dados das vítimas mortais de acidentes nas estradas nas primeiras 24 horas após o acidente: 390 mortes, com 59 vítimas de atropelamentos, 152 vítimas de colisões e 179 vítimas de despiste. No ano anterior, mais normal sem pandemia, tinham morrido 474 pessoas nas estradas. Em ambos os anos, houve ligeiramente mais vítimas mortais fora das localidades, sendo quase metade, mas os feridos graves e feridos ligeiros são de longe superiores nos acidentes e atropelamentos dentro das localidades.
Sem avançar que sim ou que não a um limite de velocidade de 30km/h nas cidades, o MAI lembra que de acordo com os dados apurados pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, é no interior das localidades que se registam mais acidentes de viação com vítimas mortais e feridos. «Nesse sentido e tendo presente que a velocidade influencia a frequência e a gravidade dos acidentes de viação, importa garantir a existência de um equilíbrio entre a acessibilidade de veículos motorizados e a velocidade considerada apropriada aos vários espaços urbanos».
Para já, a resposta do MAI remete para o que for a decisão das autarquias, com competência para para fixar limites de velocidade adequados e seguros das suas vias, lembrando ainda que atualmente são já várias as cidades europeias que têm um limite de velocidade de 30 km/h, normalmente em zonas com maior concentração de pessoas ou em locais que requerem maior atenção dos condutores face à vulnerabilidade dos seus utilizadores, nomeadamente junto a espaços escolares ou hospitais.
«Relativamente a Portugal, são já vários os municípios que, na procura de promover um ambiente rodoviário seguro para todos os utilizadores, limitaram a 30 km/h a circulação em determinadas vias da sua responsabilidade, sendo que o alargamento desta realidade a outras zonas dos referidos municípios ou a outros municípios estará sempre dependente da avaliação que pelos mesmos seja feita de cada situação concreta, enquanto entidades gestoras da vida e no âmbito da sua esfera de gestão autárquica», sublinhou o Ministério da Administração Interna.
Comissão Nacional de Proteção de Dados ainda não se pronunciou
Todos os novos radares têm de ser notificados à Comissão Nacional de Proteção de Dados, o que neste caso, dado que o contrato ainda não foi fechado, ainda não sucedeu. As mudanças técnicas que podem captar imagens dos condutores deverão no entanto ser objeto de um escrutínio e a CNPD, até ao fecho desta edição, não esclareceu ao Nascer do SOL se já deu algum parecer. Ao que este jornal apurou, está a ser analisada uma hipótese que permite, na fotografia de frente, distorcer a imagem da pessoa no local do pendura. Questionado sobre como será assegurada a privacidade, o Ministério da Administração Interna adianta para já que, na observância do Regulamento Geral sobre Proteção de Dados, «encontram-se em implementação medidas técnicas tendentes a proteger os direitos dos titulares de dados no âmbito da fiscalização e a assegurar um tratamento de dados pessoais de acordo com a legislação aplicável».
Em agosto, o Governo aprovou uma programação financeira da despesa relacionada com a compra dos novos radares, anunciando que afinal custarão não um máximo de 8,5 milhões de euros como se previa no ano passado mas 5,5 milhões de euros. Ao Nascer do SOL, o MAI explica que tal resultou de as propostas adjudicadas ascenderem a 5,6 milhões de euros, cerca de 34% abaixo do preço base. Sairão assim mais baratos ao Estado os novos radares. E mais caros aos condutores que não puserem o pé no travão.