Há muito que o consumo de carne de cão é visto como algo bizarro pela maioria dos sul-coreanos, repugnado tanto pelos ativistas dos direitos dos animais, assim como pelas gerações mais novas, à medida que se vai tornando cada mais comum ter cães de estimação. No entanto, agora os críticos da prática têm ao seu lado o Presidente Moon Jae-in, um conhecido apreciador da companhia de cães. “Não chegou a altura de prudentemente considerar proibir o consumo de carne de cão”, perguntou Jae-in durante a sua reunião semanal com o primeiro-ministro Kim Boo-kyum, citado pela France Press.
Na Coreia do Sul, onde se estimam serem comidos mais de um milhão de cães por ano, muitos cidadãos, sobretudo mais velhos, continuam convencidos que o consumo de cão – seja como boshintang, uma soupa, ou gaesoju, uma espécie de tónico vendido em lojas de medicina tradicional – tem benefícios para a saúde, que revigora o sangue e dá energia.
É uma prática que ocorre em milhares de restaurantes entre julho e agosto, os dias mais quentes do ano, apelidados boknal, ou “dias do cão”. Os apologistas desta tradição ressentem-se quanto às críticas, vendo-as como resultado de hipocrisia ocidental, acusando a produção de aves e gado de ocorrer em condições igualmente más.
No entanto, as críticas dos ativistas de direitos dos animais são de facto horrendas. Os cães produzidos para consumo “recebem pouca comida, geralmente nenhuma água, vivem ao ar livre em jaulas, sem proteção contra verões quentes ou invernos brutalmente frios”, alertou a Humane Society International. “Muitos sofrem de doenças, má-nutrição e são sujeitos a negligência diária e extrema. Os métodos usados para matar os cães são muito cruéis, sendo a eletrocussão o mais comum”.
Velha história Há muito que o consumo de carne de cão na Coreia do Sul é visto com desagrado pelas autoridades, tendo agora o Presidente afirmado que a prática envergonha o país na arena internacional.
Mas quando dizemos que é há muito tempo, é mesmo muito tempo. Já na época da dinastia Joseon (1392 a 1897), se tentou impedir consumo carne de cão, notou o jornal sul-coreano Media Today, sendo que a prática foi introduzida ainda antes disso, por povos nómadas que fugiram às invasões mongóis.
Sempre foi algo polémico no país – nem que fosse porque muitas seitas budistas preferem restringir o consumo de carne no geral, para evitar sofrimento desnecessário. E naturalmente que algumas das práticas mais horríveis envolvidas no consumo de carne de cão – como a crença de que enforcar ou espancar o animal melhora o seu sabor ou supostos benefícios para a saúde – não caíam nada bem.
Desta vez, as autoridades da Coreia do Sul têm a vantagem de o público estar cada vez mais contra comer carne de cão. 84% dos sul-coreanos nunca comeu carne de cão nem planeia fazê-lo e 59% apoiariam uma proibição deste comércio, mostra uma sondagem da HSI de 2019, numa marcada subida em relação a anos anteriores.
Ao longo dos últimos anos, a abordagem do Governo tem sido não uma proibição, mas sim uma série de rusgas a quintas de produção de cães, sob pretexto de verificar os padrões sanitário, segundo a AFP. Mas a prática já começa a morrer por si mesma, estando o número de cães consumidos em menos de metade do que era há umas décadas, sendo que muitos sul-coreanos que herdaram quintas as abandonaram e enviar os animais para canis.
“A maneira como a televisão mostrava a carne de cão como cruel fazia-me sentir culpada pelo trabalho que fazia”, contou Kim Il-hawn, um desses jovens que abandonou o negócio, ao Washington Post. “A certo ponto, dei por mim a sentir pena pelos cães na minha quinta”.