A propósito da ida do Tribunal Constitucional para Coimbra, dizia Ascenso Simões – que votou a favor, indo contra o seu partido –, que hoje conhecem-se «mais capitais europeias do que capitais de distrito». Touché, Ascenso.
Há, de facto, em grupos privilegiados, uma febre parola portuguesa com o ‘lá fora’. Tudo é melhor ‘lá fora’. Existem as miúdas brancas, ‘salvadoras do mundo’, que em vez de irem ajudar os velhotes de Tabuaço preferem ir para África salvar criancinhas (ignorando que, muitas vezes, perpetuam sistemas montados para manter a pobreza). No Instagram, existem ainda os parolos que contabilizam o número de países visitados mas que são incapazes de dizer onde fica Elvas ou onde desagua o Vouga (e já agora, que é que interessa viajar se se vê os países como números e não como poemas?). Por fim, aqueles que se orgulham de terem ido conhecer as civilizações hindu mas que não têm curiosidade em conhecer o povo da sua terra. O mundo é Bruxelas, Deli, Nairobi e, também, o povo da terra.
Óbvio que não se conhece o mundo através de uma aldeia. Contudo, também não se conhece o mundo através de viagens com destinos a países. Conhece-se o mundo através de viagens com destinos a pessoas. Não se conhece o mundo através de paragens de dois dias em Marbella porque se viu no Tripadvisor que não valia a pena mais. Conhece-se o mundo através da senhora que te cose as meias, que te viu crescer e que faz questão de perguntar à tua mãe como estás porque «já não te vê há anos». Viaja-se mais parado através de pessoas do que em viagens cujo fim é espetar uma fotografia da Fontana di Trevi no Instagram. «Se queres ser universal, começa pelas paredes da tua aldeia».
Viaja-se bebendo de culturas. Viajo quando descubro que a aldeia de Tourém ainda utiliza o Forno do Povo. Viajo quando descubro expressões como «depois não digas que o arroz tem formigas». Se quiserem, indo ‘lá fora’, viajo através do que sinto a ouvir as expedições musicais do Paul Bowles em Marrocos. Percorro, por isso, mapas emocionais, e não necessariamente mapas geográficos. Não que percorrer mapas geográficos tenha qualquer mal – e logo eu que adoro viajar –, mas de que vale percorrê-los se a alma e a poesia ficam na garagem? De que vale uma viagem física pelo mundo se não há uma metafísica pela alma?
O mundo está, também, aqui ao lado. São os olhos das pessoas, são as suas pernas cansadas de ir apanhar o autocarro, são as roupas que usam. São as histórias que contam. É a sua poesia, a sua comida, a sua música. A sua alegria. São os seus sotaques. É maneira como demonstram amor, são manhosos ou estão tristes. E nisso – nesse caldo de almas humanas, cada uma representando um universo – é que interessa mergulhar. Venham todas as piscinas dos Hilton, mares da Tailândia ou lagos da Patagónia: nenhum desses mergulhos se comparará ao dado, em profundidade, na alma de uma pessoa.
Viaje-se. Viaje-se pela Terra. Se quiserem também por Deli, Bruxelas ou Nairobi. Mas viaje-se para conhecer a Dona Maria que ainda cava batatas, a Kirti que ainda sacraliza o Ganges, a Nathalie que não larga os Mussels ou o Gathee que sei lá o quê. Conheça-se ‘o outro’. E, mais que tudo, viaje-se pelas terras. Por Portugal, onde há tanto ‘outro’ para conhecer, tanta história para beber e tanta beleza para trincar. O mundo, que passamos horas e horas a planear percorrer através do Google Maps, está, muitas vezes, na porta ao lado.
Knock knock.