Pandora Papers. O dinheiro secreto das elites exposto para o mundo ver

Não é a primeira vez que os segredos dos mais poderosos são revelados, mas desta vez a quantidade de políticos envolvidos é assombrosa. “Isso explica porque tem sido tão difícil controlar estes mecanismos de opacidade”, diz João Paulo Batalha.

A revelação dos Pandora Papers expôs uma intrincada rede de financiamentos ocultos em offshores, escondendo dinheiro sujo, impostos por declarar e património como mansões, iates, jatos ou até obras de arte. Nesta investigação a uma fuga de 11,9 milhões de documentos, vindos de 14 empresas especializadas em offshores, no total de 2,94 terabytes de informação obtidos pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ, na sigla inglesa), expôs à luz do dia como gigantes do setor financeiro, escritórios de advogados, contabilistas e lobistas fizeram circular o dinheiro de bilionários, mafiosos, artistas, antigos e atuais presidentes, primeiros-ministros e centenas de outros dirigentes políticos, num esquema com alcance global. Envolveu gente em mais de 90 países, permitindo a regimes autoritários e corruptos esconder o seu saque, perante o olhar passivo da Europa e dos seus aliados.

Esse dinheiro pode estar escondido mais próximo do que pensamos. “Na imaginação popular, o sistema offshore é visto com sendo um aglomerado de ilhas à sombra de palmeiras”, lê-se no ICIJ.”Os Pandora Papers mostram que a máquina de dinheiro offshore opera em cada canto do planeta, incluído nas maiores democracias do mundo”. Falamos de alguns estados norte-americanos, como o Dakota do Sul, mas também de países aqui ao lado, como o Luxemburgo.

Que Portugal tenha tido três dirigentes envolvidos – nomeadamente Manuel Pinho, ministro da Economia entre 2005 e 2009, antigo administrador do BES, bem como Vitalino Canas, advogado, deputados entre 2002 e 2019, em tempos secretário de Estado e porta-voz do PS, e Nuno Morais Sarmento, atual vice-presidente do PSD, segundo o Expresso, um dos parceiros do ICIJ – não choca ninguém. “Não fiquei particularmente surpreendida, sobretudo no caso de Manuel Pinho e do envolvimento de estruturas do Banco Espírito Santo. Há muito tempo que nós sabiamos, desde os Panamá Papers, que essa era uma prática habitual”, considera Susana Coroado, presidente da Transparência e Integridade (TI-PT), braço português da ONG Transparency International, ao i.

“De resto, também sabemos há muito tempo que sociedades de advogados portuguesas constituem offshores no estrangeiro para os seus clientes. Não é a primeira vez, basta ver as investigações que têm ocorrido nos últimos anos”, salienta a presidente da TI-PT. Não que essa prática, de montar esconderijos financeiros em territórios com legislação menos apertada ou menos impostos, os chamados paraísos fiscais, seja necessariamente ilegal. Ainda que frequentemente sirva para ocultar crimes.

“Nós ouvimos especialistas, advogados, até políticos, a dizer que as offshores não são ilegais. A questão é precisamente porque é que não são ilegais?”, questiona João Paulo Batalha, consultor de políticas anticorrupção. A resposta está estampada neste escândalo, argumenta.

“O que os Pandora Papers mostram de novo é a facilidade com que encontramos responsáveis políticos como clientes e beneficiários destes esquemas, quando tinham a responsabilidade de os combater”, continua. “Mais do que qualquer discussão técnica ou jurídica, isso explica a razão porque tem sido tão difícil controlar e regular estes mecanismos de opacidade”, reforça, lamentando que se “capturem não só dirigentes políticos, mas Estados, para criar jurisdições com o único propósito de facilitar a fuga aos impostos nos países onde a riqueza é gerada e deveria estar a ser taxada. Ou para permitir a políticos corruptos, traficantes de droga, armas e seres humanos, branquear o seu dinheiro roubado”.

 

Testas-de-ferro

Pouco a pouco, por todo o planeta, o escândalo vai tendo consequências políticas. No Brasil, por exemplo, multiplicam-se as críticas ao ministro da Economia Paulo Guedes, bem como ao presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, os homens com mais poder sobre a economia brasileira, que mantinham contas offshore, respetivamente nas Ilhas Virgens Britânicas e no Panamá, segundo uma investigação conjunta do Poder360, da revista Piauí, da Agência Pública e do Metrópoles. Isto apesar de, por lei, ser proibido a altos funcionários manter aplicações financeiras, no Brasil ou no estrangeiro, que possam ser afetadas por políticas governamentais.

Já no Reino Unido, o Guardian e a BBC descobriram que uma empresa fundada por Mohamed Amersi, um dos principais doadores da campanha de Boris Johnson, entregou um suborno equivalente a quase 190 milhões de euros do então Presidente do Usebequistão, Islam Karimov, em 2012. Entretanto, o Governo de Johnson viu-se obrigado a defender que todas as doações foram devidamente verificadas. Na Rússia, mais uma vez, vimos sinais da lendária fortuna de Vladimir Putin, oculta por alegados testas-de-ferro no seu círculo mais próximo. Como Svetlana Krivonogikh, com quem se dizia que o Presidente russo teria tido uma relação, e que terá adquirido um apartamento de 3,6 milhões de euros no Mónaco, mesmo ao lado de um casino, usando o dinheiro de uma séries de offshores, que passavam pelo Panamá e pelas Ilhas Virgens Britânicas, em 2003.

A lista é longa, e as promessas de investigações multiplicam-se, da Índia, ao Paquistão, passando pelo México, Sri Lanka, Austrália, Panamá e República Checa. Neste último país, o próprio primeiro-ministro, Andrej Babiš, um bilionário e o segundo homem mais rico do seu país, que já fora acusado de desviar fundos europeus através de empresas agrícolas, terá usado contas offshore que passavam pelas Ilhas Virgens Britânicas para comprar uma mansão de 13 milhões de euros no sul de França. É algo que não traz grandes esperanças de uma transformação das leis europeias para controlo desta prática, dado que muita da tomada de decisão a nível da UE funciona por consenso, precisando de contar com o consentimento de governos como o de Babiš.