Uma das soluções apontadas pelos médicos para travar a insatisfação nas equipas é a equiparação do valor pago pelas horas extra, que têm batido recordes desde o início da pandemia, ao valor pago aos médicos contratados através de empresas de prestação de serviço. Alexandre Valentim Lourenço, presidente do Conselho Regional do Sul da Ordem dos Médicos, diz que o caso de Setúbal é nisso paradigmático, apontando que atualmente o serviço de urgência é assegurado em mais de 70% por médicos tarefeiros. “Hoje um chefe de equipa ganha 12 euros à hora e vai chefiar uma equipa em que 70% ou 80% são tarefeiros, são médicos menos diferenciados e ganham 70 euros à hora. O que é que pensa um chefe de equipa que tem de resolver os problemas, fica com os doentes internados perante pessoas que recebem 70 euros, vão embora e não têm mais responsabilidades?”, interroga. “O que pensa um chefe de equipa que não pode ter férias no verão e faz três bancos seguidos para assegurar as escalas e vê que nas empresas de tarefeiros os médicos fazem férias de dois meses se for preciso. Isto é muito penoso”, aponta, considerando que resolver esta diferença seria já um motivo para os médicos não abandonarem o hospital e sentirem “alguma compensação”.
Com o atual sistema, regulado por um despacho de 2011, que impede que médicos da casa sejam pagos como tarefeiros, há médicos que vão fazer urgências a outros. E a despesa tem aumentado de ano para ano, empurrado no último pela pandemia: segundo o JN, a despesa com empresas de prestação de serviços totalizou 130 milhões de euros em 2020, um aumento de 10% face ao ano anterior.
Na plataforma de monitorização mensal da Administração Central do Sistema de Saúde, ainda só estão disponíveis dados financeiros dos hospitais até novembro de 2020. Ainda assim, é possível perceber que se a nível nacional a despesa com prestações de serviços representa 3,92% dos gastos com pessoal, em Setúbal foi de 6,45% nesse período.
Dedicação plena?
Alexandre Valentim Lourenço diz que o problema da fixação de médicos não se resolve apenas com uma medida, mas com uma política de recursos humanos que melhore as condições de carreira, compense a penosidade e seja mais atrativa nas zonas mais carenciadas.
Quando à hipótese de dedicação plena, que o primeiro-ministro voltou a colocar em cima da mesa em julho e que a ministra da Saúde disse também ao Nascer do SOL que estava a ser estudada, estando prevista no programa do Governo, o dirigente considera que em serviços depauperados seria uma “desgraça”. “Ninguém na posse de todas as suas faculdades mentais quereria ter uma dedicação plena no Hospital de Setúbal”, diz, referindo “cenários deprimentes” como haver 47 macas nos corredores e doentes apinhados. “Trabalhar em dedicação plena é o que estes médicos já fazem. Se pagarem o mesmo e obrigarem a uma dedicação completa, os médicos abandonam ainda mais o setor público”.