Por Marlene Nunes Silva, Centro de Investigação em Desporto Educação Física Exercício e Saúde (CIFEFES) – Faculdade de Educação Física e Desporto, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias
É indiscutível que a vigilância epidemiológica é fundamental para promover a tomada de decisão informada, permitindo a ação direcionada às verdadeiras necessidades. Mais difícil é, por vezes, definir bem que indicadores monitorizar e como os interpretar.
No caso da Atividade Física (AF), e ainda que seja fundamental conhecer os seus níveis na população, a implementação de estratégias adequadas depende não apenas do conhecimento da sua prevalência, mas também de outros indicadores associados, entre eles a literacia física (incluindo não só a confiança e competência motora, conhecimentos, mas também a motivação) as atitudes e perceções, e os facilitadores e constrangimentos contextuais e ambientais.
Dados de prevalência da AF recolhidos através do Inquérito Nacional de Saúde em 2019 revelaram 65% da população reportando nunca praticar qualquer tipo de AF. Que reflete este número? A pergunta não terá resposta simples.
Mas para começar, o que há num número? O que realmente está a ser avaliado? Será que os inquiridos compreendem realmente o que é perguntado e conseguem fazer a estimação do que lhes é pedido?
A dúvida é legitima dado que outro tipo de inquérito revela que, para cerca de 50% da população, a AF integrada nas tarefas diárias (p.ex. usar as escadas; estar de pé, curtas deslocações a pé ou de bicicleta) não são consideradas como AF. Compreende-se assim que exista uma perceção (e consequente resposta) de não se ser fisicamente ativo.
A dificuldade em entender as perguntas dos inquéritos pode originar respostas desfasadas, principalmente quando a literacia física é baixa. Exemplo flagrante são as dificuldades de quantificação do comportamento sedentário, com apenas 25% da população inquirida em 2019 a reportar 8 ou mais horas diárias.
Se consideramos que esta categoria incluiu o tempo passado a trabalhar, fica sublinhado que estes são números a interpretar com cautela. Uma abordagem (e avaliação) integrada de todos os comportamentos do movimento e seus determinantes seria fundamental.
De facto, já durante a pandemia, um inquérito nacional à população em situação de confinamento apontou para uma tendência positiva com um aumento da % de população com níveis adequados de AF. Mais uma vez, antes de generalizar, há que perceber a que(m) se referem tais números.
Uma análise mais aprofundada aponta para a ocorrência de padrões protetores (vs. de risco), em que níveis mais elevados de AF tendem a coocorrer com outros elementos de potencial salutogénico, como uma alimentação mais saudável, o acesso às recomendações de saúde, boa situação financeira, maior nível de escolaridade, ser mais jovem e estar há menos tempo em situação de confinamento social.
É fundamental perceber que a AF se traduz numa multiplicidade de comportamentos (dos mais informais e espontâneos aos mais organizados e estruturados), sendo estes influenciados por uma complexidade de fatores, o que dita a necessidade de abordagens multidisciplinares, integradas e sistémicas, também na sua monitorização!