Apesar de o ministro das Finanças considerar que “não seria compreensível” que o Orçamento do Estado não seja aprovado, o documento está em risco. E com isso também a sobrevivência do Governo caso as negociações nas próximas semanas não tomem um novo rumo com os partidos de esquerda. Primeiro foram os bloquistas a ameaçar com o voto contra caso não sejam incluídas as suas medidas, mas a “bomba” caiu com o PCP ao criticar as propostas feitas pelo Governo socialista e a ameaçar chumbar o Orçamento na generalidade.
Ainda assim, João Oliveira não fechou por completo a porta. “Até à sua votação na generalidade ainda é tempo de encontrar soluções” e garante que vai ficar à espera de perceber se o PS e o Governo “recusam em definitivo os compromissos” que os comunistas têm como bandeira, tanto dentro do Orçamento do Estado como fora dele.
Uma “ameaça” já previsível, tanto que João Leão durante a apresentação da proposta do Orçamento garantiu que o Governo está sempre aberto a discutir com os partidos, independentemente de considerar que o documento contemplava várias preocupações que iam ao encontro das exigências do PCP e do BE. “Este Orçamento melhora o rendimento das famílias, nomeadamente através do pacote do IRS. Também é um Orçamento que aumenta de forma muito significativa os apoios às famílias, nomeadamente com os abonos de família e que apoia de forma particular as famílias mais pobres”, acrescentando que “estes são temas importantes para o BE e para o PCP” e que “este é o pacote mais ambicioso de sempre” que “não agrava o IRS para ninguém, só reduz”.
E foi mais longe: “Estamos convictos de que o Orçamento tem condições para ser aprovado. É um Orçamento decisivo para o país numa fase muito importante e permitirá ultrapassar rapidamente a crise. É um Orçamento absolutamente crítico e decisivo e não seria compreensível que o país não tivesse este instrumento para a recuperação”.
Argumentos que não convenceram os comunistas. “O Orçamento do Estado devia inserir-se no sentido geral de responder aos problemas [do país]. Não só não se insere, como o Governo não dá sinais”, referiu o líder parlamentar comunista.
João Oliveira aproveitou ainda a oportunidade para defender que o partido continuará a negociar “com a independência de sempre, recusando todas as pressões, não alimentando nem se condicionando por falsas dramatizações”. E aproveitou para fazer uma “lista” dos assuntos em que, considera, que o Executivo de António Costa não dá resposta, entre eles a falta de investimento no Serviço Nacional de Saúde e noutros serviços públicos, a gratuitidade das creches (um tema muito debatido pelos comunistas), a fiscalidade e os cortes nas pensões.
Documento socialista Também Mariana Mortágua, deputada do BE – que votou contra o Orçamento do ano passado –, deixou claro que o partido votará contra na generalidade sobre a proposta de Orçamento para 2022, a não ser que as negociações com o PS permitam uma maior abertura aos bloquistas e às suas propostas. “A decisão do voto da generalidade será baseada nas propostas que, entretanto, forem negociadas com o PS. Aquilo que analisaremos no momento da votação na generalidade é se houve uma aproximação ou não houve uma aproximação a essas propostas. Não tendo havido essa aproximação e se se mantiver o estado atual das coisas, consideramos que dificilmente haverá condições para viabilizar o Orçamento do Estado”, disparou a bloquista, que acusou a proposta de Orçamento de “não ter uma estratégia” e de fazer “remendos”, além de “não incluir as prioridades que o Bloco elencou”.
A título de exemplo, Mariana Mortágua referiu a reforma do IRS apresentada pelo Executivo de António Costa, que prevê um valor de 205 milhões de euros. “Só a medida dos escalões em 2018 valia 230 milhões de euros. Até pode chegar a alguns milhões de famílias, mas o seu impacto em cada família é muito reduzido”, atacou a deputada bloquista, que reiterou a opinião do partido que “a prioridade devia ser o desagravamento dos impostos indiretos, através do IVA da eletricidade, que carrega tanto nos orçamentos de tantas famílias, sobretudo as mais pobres”.
Este documento, acusou Mariana Mortágua, é um Orçamento “do Governo do Partido Socialista”, e, portanto, disse, reflete “as prioridades do Partido Socialista”. “Não é legítimo que se diga que é resultado das negociações com o Bloco de Esquerda”.
Menos crítica foi a posição do PAN mas, ainda assim, não poupou críticas ao documento, destacando a revisão dos escalões do IRS. “Embora seja uma medida positiva que vai ao encontro de algo que temos vindo a reivindicar ao longo dos anos”, Inês Sousa Real defende que fica “aquém daquilo que pode ser uma maior ambição na revisão”. E explica: “O Governo revê os escalões em apenas 45% da população o que significa que em alguns dos escalões a tributação tem um efeito muito tímido naquele que vai ser o benefício para as famílias quando o PAN defende uma maior ambição que abranja 54% da população e achamos que existe financiamento por via do OE com capacidade para acomodar este impacto orçamental”. Nas contas do partido significaria cerca de 200 milhões de euros quando para o Governo “estamos a falar de cerca de 160 milhões”.
O partido lamenta ainda as “borlas” fiscais e considera que a questão ambiental está esquecida. “Os recursos não são finitos e o país precisa de um crescimento económico sustentável e responsável”. E defende que isso tem de vir acompanhado “de medidas como o fim das isenções sobre os produtos petrolíferos sob pena de continuarmos a incentivar e a promover indústrias altamente poluentes ao invés de aliviarmos as famílias e as empresas”.
Marcelo não quer crise Ainda no final de setembro, o Presidente da República apelou a que não houvesse uma crise política. “Crises políticas nos próximos anos não fazem sentido. Naquilo que depender do Presidente da República importa que haja Orçamento para o ano que vem e para 2023”, referiu, na altura, Marcelo Rebelo de Sousa.
E foi mais longe: “Estamos numa legislatura que termina em 2023. Estamos a começar a aplicar fundos europeus, o Plano de Recuperação e Resiliência, os fundos europeus que são ainda mais importantes de orçamento do Estado ano após ano até 2027”.
Crise ou não, Leão acena com mais rendimentos Entre alterações ao IRS e apoios às famílias, o ministro das Finanças acena com medidas que têm como objetivo aumentar os rendimentos e ascenderam aos 578 milhões de euros.
João Leão faz as contas às duas alterações aos escalões que o Governo de António Costa fez, ficando assim concluída a revisão” do imposto prometida pelo PS, totalizando um “alívio de 500 milhões de euros para as famílias”. Em causa estão as alterações de 2018 e estas previstas agora para 2022.
O ministro defende ainda que a “descida de impostos teve como foco a classe média, os jovens e as famílias com filhos” e repete as medidas que constam no Orçamento para estes grupos. Não poupámos esforços na proteção de rendimentos e famílias”.
E para o governante não há dúvidas: “Sem contas certas não há futuro”. E face a esse cenário, garante: “Não abdicaremos de contas responsáveis”, relembrando o legado de dívida de aumento de 40 mil milhões provocados pela pandemia, mas promete retomar já redução.
“Tomámos medidas de apoio sem precedentes que foram essenciais. Em 2022, a taxa de desemprego deve cair para 6,5%. Sabemos que a crise deixa um legado de dívida muito elevado”, acrescentou.
O défice das contas públicas nacionais deverá ficar nos 4,3% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2021 e descer para os 3,2% em 2022. Aliás, este número relativo ao próximo ano já tinha sido avançado aos partidos políticos, e o valor relativo ao ano corrente compara com os 4,5% previstos pelo Governo no Programa de Estabilidade, em abril. O Governo entregou na segunda-feira à noite, na Assembleia da República, a proposta de Orçamento do Estado para 2022, que prevê que a economia portuguesa deverá crescer 4,8% em 2021 e 5,5% em 2022, enquanto a dívida pública deverá atingir os 122,8% do PIB em 2022, face à estimativa de 126,9% para este ano.
Quanto às injeções habituais às empresas em dificuldades garante que não está prevista qualquer transferência para o Novo Banco, como empréstimo. Uma questão que, no ano passado, provocou uma guerra aberta com os partidos. E lembra que, em 2021, só o Orçamento suplementar comportou um empréstimo para o banco. Já em relação à TAP, o governante explica que o plano de reestruturação da companhia aérea está nas mãos do Ministério das Infraestruturas e a ser discutido com a Comissão Europeia, mas há “perceção de que não há nenhuma razão para que não possa ser aprovado até ao final do ano”.
Para a CP, o ministro explica que está prevista a aquisição de automotores, num investimento “muito importante e o maior das últimas décadas”. No entanto, diz que caberá a Pedro Nuno Santos a “oportunidade de explicar melhor o que está previsto para a CP”, recordando que a dotação de mais de 1,8 mil milhões de euros tem uma dimensão importante que procura reduzir o endividamento da empresa e dar margem para concretizar as grandes opções de investimento da CP que deve avançar com a maior renovação da frota. É certo que, com este valor, Leão cede a Pedro Nuno Santos e “limpa” praticamente a dívida da empresa.