Se há uma pessoa neste mundo cuja vida dava um filme (e já deu, pelo menos dois), é a de Manny Pacquiao, o recém-retirado pugilista, de 42 anos, que saiu da miséria nas ruas de Manila para o Mundo. Fez riqueza, tornou-se um dos mais mediáticos pugilistas da história do desporto, ainda passou pelo basquetebol, pela música, pelo mundo do entretenimento e está na alta classe política das Filipinas há mais de 10 anos, enfrentando, agora, o maior desafio da sua vida de fato e gravata: é candidato nas eleições presidenciais do país no Sudeste Asiático, que se realizam em maio do próximo ano.
É o culminar de um conto de fadas marcado por glória e vitórias, tanto dentro do ringue como fora, mas que levou Pacquiao – considerado um dos melhores pugilistas de sempre, dono de vários recordes e títulos mundiais – a pendurar as luvas em setembro deste ano.
Das ruas de Manila para o mundo
Para conhecer a história de Manny Pacquiao o melhor é começar desde os tenros anos da sua vida. O antigo pugilista nasceu em Kibawe, na região de Bukidnon, nas Filipinas, mas acabou por passar os primeiros anos da sua vida na cidade de General Santos.
Após uma infância atribulada, quarto de um total de seis irmãos, e o divórcio dos pais, agricultores, fruto de um caso de infidelidade, Pacquiao acabou por fazer-se à vida, sozinho, aos 14 anos, e rumar à capital do país.
Em Manila, e enquanto vivia nas ruas, o antigo pugilista fez o que pôde para sobreviver, trabalhando maioritariamente na construção civil, e continuando a enviar algum do dinheiro que ia acumulando para a sua mãe. Foi então que o jovem Pacquiao continuou os treinos e os primeiros passos naquela que seria uma das carreiras mais imponentes de pugilismo da história, e que tinha já começado em General Santos, pela mão do seu tio, Sardo Mejia.
Aliás, o próprio Pacquiao revelou, na sua autobiografia, que foi junto do seu tio Mejia que viu Mike Tyson derrotar James ‘Buster’ Douglas, em 1990, num momento que «mudou a sua vida para sempre». E o dom, talento e dedicação pareciam já estar bem sedimentados em si, alcançando a equipa nacional de boxe amador ainda na adolescência, o que lhe valeu um abrigo assegurado pelo Governo filipino. Rezam as estatísticas, aliás, que já naquela altura Pacquiao mostrava grandes dotes no pugilismo, mantendo um histórico amador de 60 vitórias contra apenas 4 derrotas.
Larry Holmes, Joe Frazier e George Foreman preenchiam os dias do jovem aspirante a pugilista, que acabou por profissionalizar-se com apenas 16 anos de idade, conquistando o seu primeiro grande título dois anos depois, ao vencer o tailandês Chokchai Chockvivat e, consequentemente, passar a deter o título da Federação Oriental e Pacífica de Boxe, na categoria peso-mosca.
Mas seria já a poucos dias de cumprir 20 anos de vida que Pacquiao venceria o seu primeiro título mundial, após bater o tailandês Chatchai Sasakul, também na categoria peso-mosca, do campeonato mundial do World Boxing Council.
A partir daí, a história é conhecida: Pacquiao tornou-se uma figura inconfundível do pugilismo e fez fortuna e fama na sua carreira, fazendo jus à promessa e à dedicação que dizia ter nos primeiros anos em Manila. «Muitos conhecem-me como um pugilista lendário e estou orgulhoso disso. No entanto, essa jornada nem sempre foi fácil.
Quando era mais novo, tornei-me pugilista porque tinha que sobreviver. Eu não tinha nada. Não tinha ninguém, dependia de mim mesmo. Percebi que o boxe era algo em que eu era bom e treinei muito para manter-me e manter a minha família vivos», declarou Pacquiao em tempos.
E que bem que Pacquiao se deu com este dom. Entre 2008 e 2009, segundo a Forbes, arrecadou um total de 40 milhões de dólares, colocando-o lado a lado com figuras como LeBron James. Um feito que repetiu no ano seguinte, quando arrecadou 42 milhões de dólares, e que ajudam a explicar que, em 2015, a mesma revista o tenha considerado a segunda celebridade mais bem paga do mundo.
Lutas dentro e fora do ringue
Manny Pacquiao marcou também a sua vida pelo envolvimento político, decidindo realizar os seus combates, dessa forma, dentro e fora do ringue, mais especificamente no Senado filipino. Corria o ano de 2007 quando o então pugilista decidiu pôr mãos à obra e aceitar os conselhos dados pelos seus conterrâneos de General Santos. Sob a bandeira do partido liberal, Pacquiao anunciava uma candidatura à Câmara de Representantes das Filipinas, acabando por fazê-lo com as cores do Kabalikat ng Malayang Pilipino (KAMPI), partido entretanto desaparecido do mapa político filipino.
Pacquiao saiu derrotado das suas primeiras eleições, numa altura em que a incumbente Darlene Antonino-Custodio fez uma breve e sintética análise da derrota: «Acima de tudo, acho que as pessoas não estavam preparadas para perdê-lo como um ícone do boxe», disse, citada pela imprensa depois das eleições.
Mas o pugilista não pôs de lado os sonhos políticos, acabando por conquistar a eleição para a Câmara de Representantes em 2010. Em 2013, fez parte do 16.º Congresso do país, onde também a sua mulher, Jinkee, pareceu adotar uma veia política, sendo eleita vice-governadora da província de Sarangani. Até um dos seus cinco irmãos acabou por se envolver na política, mas com menos sorte.
Degrau a degrau, Pacquiao foi subindo na escada política do país, e, em 2016, apontou miras bem alto. O Senado do país estava à disposição de quem quisesse tentar lá chegar, e o pugilista travou mais uma intensa batalha na sua vida. 16 milhões de votos depois, foi o sétimo dos 12 novos senadores filipinos eleitos nesse ano.
A sua vida política acabou por aliar-se ao atual presidente do país, Rodrigo Duterte, e, pelo meio, Pacquiao envolveu-se intensamente nas críticas à oposição, nomeadamente nos supostos esquemas ilegais que envolvem outras figuras políticas do país, como Leila de Lima.
Pacquiao era, por esta altura, um dos mais bem pagos atletas do mundo e um pugilista de primeira classe, ao mesmo tempo que marcava presença no Senado filipino, mas o dia só tem 24 horas, e equilibrar estas duas profissões é um delicado jogo. O resultado? O senador-pugilista acabou por ser considerado um dos mais ‘ausentes’, acumulando, em 2019, o maior número de faltas no 17.º Congresso do país.
Afinal de contas, o pugilismo não abrandava, e, aos 40 anos, Pacquiao fazia ainda manchetes, tornando-se o mais velho de sempre a sagrar-se campeão mundial em peso meio-médio.
As faltas no Senado, e o curto espaço temporal disponível, no entanto, não o impediu de manter-se firme no seu derradeiro objetivo: a presidência do país. As relações com o Governo de Duterte começaram a azedar, e Pacquiao começou a dar sinais das suas ambições presidenciais. E assim foi: a 19 de setembro deste ano, pouco antes de ter oficialmente pendurado as luvas, Pacquiao anunciou a sua candidatura à presidência das Filipinas, que irá a votos em maio de 2022.
Homem multifacetado
Manny Pacquiao, candidato presidencial e antigo pugilista reconhecido internacionalmente, é um estilo de homem ‘faz-tudo’. Não só equilibra estas duas profissões destoantes, como ainda teve uma passagem pelo basquetebol e é o autor de três álbuns diferentes de música, incluindo as bandas sonoras das suas entradas no ringue, para além de ter sido ainda um entertainer, surgindo várias vezes em televisão nacional como anfitrião de vários programas. Foi ainda protagonista nos filmes Lisensyadong Kamao (Punho Licenciado), Anak nf Kumander (Filho de um Comandante) e Wapakman.
Este é verdadeiramente um candidato eclético, que não passa sem alguma polémica. Em 2016, por exemplo, Pacquiao surgiu num vídeo publicado pela cadeia televisiva TV5 a comentar o tema do casamento homossexual. «Para mim, o homem é para a mulher, e a mulher para o homem», começou por defender, deixando clara a sua posição sobre o tema.
A crítica tornou-se mais controversa quando afirmou acreditar que os homossexuais são «piores que os animais», argumentando que não existem relações homossexuais entre animais. «Mas não estou a condená-los», ressalvou no fim do vídeo.