Depois de a juíza do juízo cível de Setúbal ter considerado que «resultou provado que eram jovens que estavam no COPA [Comissão Oficial da Praxe Académica], na praxe de forma livre, consciente e dedicada e por iniciativa própria», Vítor Parente Ribeiro, advogado das famílias dos jovens, em declarações ao Nascer do SOL, questiona a idoneidade da magistrada e garante que lutará até ao fim para que seja feita justiça.
Contudo, a decisão do Tribunal em absolver o antigo dux João Gouveia e a Universidade Lusófona dos pedidos de indemnização no caso das mortes de Catarina, Carina, Joana, Andreia, Pedro e Tiago – universitários que perderam a vida numa praxe na praia do Meco, a 15 de dezembro de 2013 – não surpreendeu as famílias nem Parente Ribeiro que explica que este desfecho, de certo modo, estava anunciado.
«Esperávamos isto porque, desde a primeira hora, achámos que o tribunal era claramente parcial na análise que fazia das testemunhas e da prova», começa por explicar, acrescentando que este, «antes do julgamento, deu sinais de que havia alguma parcialidade».
«Até colocamos em causa que o processo não tenha sido atribuído diretamente a esta senhora juíza porque ela é da área do Direito do Trabalho. Era suposto ser outro magistrado e ele foi extinto. Logo aí achámos muito estranho porque o processo ia ser julgado. Foram situações atrás de situações», constata o especialista, adiantando que «aquilo que estava ali a ser preparado é isto que aconteceu. A senhora magistrada estava constantemente a agarrar-se aos elementos do processo-crime. Não queria alterar aquilo que os colegas tinham dito».
O Tribunal também considerou improcedente o pedido feito pela Lusófona, que também foi absolvida, e por João Gouveia – ex-estudante de Engenharia Informática, foi o único sobrevivente da tragédia – da condenação dos pais das vítimas mortais por litigância de má-fé. Num comunicado do Conselho Superior da Magistratura, lê-se que «declaram-se totalmente improcedentes os pedidos deduzidos nos autos pelos Autores, absolvendo-se os Réus», sendo que «declara-se improcedente o pedido de condenação dos Autores por litigância de má fé».
Esta trata-se de «um tipo especial de ilícito em que a parte, com dolo ou negligência, agiu processualmente de forma inequivocamente reprovável», como se lê no Diário da República eletrónico. «Esta questão nem merece qualquer comentário», remata Parente Ribeiro.
Em cada uma das petições iniciais foi pedida uma indemnização de cerca de 225 mil euros, o que perfaz um valor total que ronda um milhão e 350 mil euros.
«O João Gouveia sentiu uma segurança do sistema»
«Não tenho dúvida de que vamos ganhar este processo nem que seja no Supremo Tribunal de Justiça», assegura o advogado, lembrando que, em instâncias judiciais, não se pode esquecer de que «há uma limitação, de preparação, de muitos anos daquela vida. As pessoas já percorreram um caminho longo» e, apesar de só se conhecer uma versão da história, «os magistrados, com as presunções judiciais, podem tirar outras ilações», diz, começando por referir-se ao facto de que se sabe «que foram vários os atos de praxe e facilmente se pode constatar que o mesmo aconteceu naquela noite. Os telemóveis, levarem ovos para a praia, deixarem as coisas no local seco para que não se molhassem… Todos estes detalhes», menciona.
«Foi um acidente provocado. Se aquilo não era uma praxe não entendo porque é que a minha filha teve de levar uma dúzia de ovos para a praia. Ela já tinha acabado o curso. Disse que ia para um fim de semana académico preparar as praxes do ano seguinte», disse, a título de exemplo, Assunção Horta, mãe de Carina, em entrevista ao jornal i em março de 2015.
Naquilo que diz respeito ao facto de os telemóveis das vítimas – membros da Comissão Oficial das Praxes Académicas da Lusófona – terem ficado na casa de Alfarim, onde estavam hospedadas naquele fim de semana, é possível associar esta questão a outras duas que continuam a suscitar perguntas: o porquê de terem ido vestidos com o traje académico se alegadamente não teria sido levada a cabo qualquer atividade de praxe e o motivo pelo qual a casa foi limpa depois da tragédia.
Quando o julgamento arrancou volvidos oito anos, no passado mês de abril, o Tribunal anunciou que a primeira sessão da audiência de julgamento do processo decorreria dia 13 desse mesmo mês e, nessa data, João Gouveia negou mais uma vez que a ida à praia do Meco tenha estado relacionada com uma atividade de praxe, alegando ter sido um passeio sugerido por Tiago e Ana Catarina.
Ainda assim, Parente Ribeiro confrontou Gouveia com as mensagens de telemóvel que enviou a alguns colegas e, especificamente, com uma na qual perguntava se os jovens já teriam bebido um «penálti». Para os pais, esta mensagem demonstra que os jovens falecidos foram obrigados a executar as atividades ordenadas pelo então dux.
Contudo, o rapaz voltou a negar e afirmou que não incentivou os seis jovens a consumirem álcool e voltou a reforçar que a visita à praia não foi com o objetivo de fazer uma praxe, explicando de seguida que se conseguiu livrar da capa do traje académico quando foi puxado pelo mar. Garantiu que ainda conseguiu tocar na mão de Ana Catarina, porém não lhe terá sido possível puxá-la para fora de água, no mesmo momento em que ouviu um pedido de socorro de Joana.
Nessa altura, tal como agora, Parente Ribeiro reconheceu que «é muito difícil contraditar aquela que é a única versão» dos acontecimentos, mas assinalou alegadas contradições nas declarações que João Gouveia prestou ao procurador da República e o que disse no Tribunal de Setúbal.
A título de exemplo, «o réu disse ao procurador que a Ana Catarina pediu autorização para levar o telemóvel e ao tribunal disse que cada um levava o que queria. E que só levaram alguns telemóveis para a praia [por razões de segurança] porque eram os mais baratos».
Mas como é que o único sobrevivente ficou com o telemóvel seco e sobreviveu à força da água? «As pessoas que conhecem o mar sabem que se estivessem todos no mesmo patamar, não teria sobrevivido apenas uma pessoa. Ele teria de estar sempre num sítio totalmente distinto. Isto foi declarado por peritos. Houve um que disse que estavam abaixo do nível da areia e o João acima. Só isto demonstra que os outros foram arrastados. Não é por acaso que nenhum mergulhador entrou no mar. Eles sabiam que morreriam se o fizessem», conta Parente Ribeiro, acrescentando que, exatamente por este motivo, «as buscas tiveram de ser feitas a partir do mar para a areia».
Em fevereiro de 2015, João Ferreira dos Santos, especialista em afogamento do Instituto de Medicina Legal, ouvido no Tribunal de Setúbal, contrariou a versão de João Gouveia. Ferreira dos Santos, que realizou a autópsia de três dos jovens, alegou que os relatórios dos médicos nada indicavam que o dux tivesse estado dentro de água, avançando que ninguém seria capaz de estar mais de dois minutos dentro de água, naquelas condições, sem ficar com graves lesões.
Realçou também que não é necessário estar dentro de água para chegar a um estado de hipotermia e frisou que se o dux tivesse estado em perigo teria sido transportado de imediato para o hospital, sendo que tal não ocorreu.
«As famílias ainda queriam acreditar no sistema, que a verdade viria ao de cima e que a decisão seria favorável. Ficaram muito desiludidas apesar de as ter preparado para isto. Desde a primeira hora, disseram que enquanto fossem vivos, continuariam a lutar pela memória dos filhos», esclarece Parente Ribeiro, frisando que «não foi uma surpresa para o João Gouveia. Ele sentiu uma segurança do sistema que lhe permitiu encarar com tranquilidade este processo».
«Acredito muito que, com a prova produzida em julgamento, vamos reverter esta decisão nos tribunais superiores. E que será de facto muito bom para a sociedade que assim aconteça. No Ensino Superior, continuam a existir estas práticas», salienta, lembrando que ninguém sabe, exemplificando, «quais eram as regalias que as vítimas teriam se conseguissem chegar ao fim da praxe», indicando que podem ter sido aliciadas a cumprir as ordens em troca de algo como uma subida de lugar na hierarquia da praxe.
«Não estou a instigar ninguém para continuar com o processo. Perguntei-lhes várias vezes se não seria um sofrimento, mas pedem para não desistir nem deixar de os acompanhar. Não posso sequer pensar em desistir. Por deveres morais, não posso fazer isto e vou acompanhá-los enquanto quiserem que os represente».