Os jogos entre Benfica e Bayern de Munique para as competições europeias têm sido, para os portugueses, um bocado abracadabrantes. Em oito confrontoss, nem uma vitória, três empates e sete derrotas, algumas pesadas, como os 1-5 de 1976 e 2018, ou os 1-4 de 1982 e 1996. Por lazer ou por trabalho, vi todos os Benfica-Bayern que se disputaram no Estádio da Luz, desde o de 1976, ainda garoto – com uma malta dos Olivais Sul que, liderada pelo Facadas, assentava arraiais no 1.º anel, ainda sem o conforto das cadeiras e os fundilhos das calças a arrefecerem o rabo do contacto com os degraus de cimento armado –, até ao último, na fase de grupos da Liga dos Campeões de 2018-19. Lá se safaram os três empates, o primeiro contra um Bayern que era a melhor equipa da Europa, com os seus Beckenbauer, Müller, Hoeness e Maier (0-0), o último numa partida que teve alguns momentos de emoção, sobretudo no fantástico golo de Jiménez que, fazendo o 1-0, ainda deixou os adeptos a sonhar na possibilidade de reverter a derrota de Munique (0-1). Não o permitiram os bávaros, e a eliminação do costume veio em seguida.
Agora o Bayern é, outra vez, pelo menos na opinião de quem escreve, a melhor equipa da Europa e promete para a próxima quarta-feira, na Luz, dar cabo do juízo aos benfiquistas e, sobretudo, ao seu treinador, Jorge Jesus, agora obrigado a matar a cabeça para descobrir a maneira de dominar uma linha ofensiva que parece ter como música de fundo a Cavalgada das Valquírias.
Curiosamente, e apesar de nunca ter batido o alemães em jogos oficiais, a primeira vez que Benfica e Bayern se encontraram, a vitória foi benfiquista e assente, segundo rezam as crónicas, numa exibição impecável e senhorial que não deixou pairar dúvidas sobre a justiça desse triunfo.
Paris, abril de 1972
Corria o ano de 1972, dia 3 de abril. Paris tinha anualmente um torneio internacional, jogado a quatro, que juntava clubes de grande prestígio da Europa e da América do Sul. Teve início em 1956, com a vitória do Vasco da Gama frente ao Real Madrid (4-3) e desapareceu em 1993, com duas tentativas posteriores de reanimação, ambas falhadas. O Benfica foi o único clube português a vencê-lo, no ano de 1979. Em 1972, o torneio não se disputou. Mas nem por isso, os adeptos parisienses deixaram de poder ver futebol da mais alta qualidade. Benfica e Bayern foram assim convidados (e bem pagos) para se mostrarem na Cidade Luz. E, nessa noite, havia muitas estrelas em Colombes: Eusébio, Vítor Martins, Humberto Coelho, Jordão, Nené, Artur Jorge, Jaime Graça, Vítor Baptista, Maier, Beckenbauer, Schwarzenbeck, Roth e Müller. Niguém poderia ter razão de queixas. Nem teve.
«Logo aos dois minutos, Adolfo correu como uma flecha pelo lado direito, deixando os adversários para trás, e foi oferecer o golo a Nené», escrevia um dos cronistas enviados especiais. O público saltou nas bancadas, maioritariamente composto por emigrantes portugueses. «Depois foi Jordão (14m), em jogada extraordinária, visando o poste da baliza de Maier para Vítor Baptista surgir na recarga. Nem o golo de Roth (40m) tirou brilho à exibição dos lisboetas».
2-1 – tomara o Benfica repeti-lo na quarta-feira que vem. Os tempos eram outros. A equipa de Jimmy Hagan dominava em Portugal a seu bel-prazer e só uma renhida batalha com o Ajax a afastou de mais uma final da Taça dos Campeões Europeus.
O jornal francês Le Miroir abria a sua primeira página do dia seguinte com uma enorme foto de Rui Jordão. «Le gamin», chamavam-lhe. O garoto. E Eusébio II. «Jordão encheu o campo e deixou em todo a ideia da sua enorme categoria. O jovem benfiquista conquista rapidamente a fama. Eusébio, que jogou como lhe apeteceu, apercebeu-se que o seu delfim é gente. E, de tabelinha em tabelinha, de finta em finta, ele terá dado, com Jordão um dos maiores shows de futebol que Paris jamais viu». Palavra de francês.
Endeusava-se Beckenbauer e a sua categoria e as armas apontavam a Gerd Müller: «Apático, nervoso, jogando com pouca convicção, o melhor marcador da Bundesliga teve nos pés três ou quatro oportunidades de golo feito que um jogador da sua categoria não pode falhar». «Nunca falhei golos como aqueles», defendia-se o avançado como podia, «mas hoje, confesso, joguei muito cansado e até desinteressado. São jogos a mais».
Cada um sabia de si, mas Müller não quis ir embora sem dar um ar da sua simpatia: «Jordão é muito bom! E todo o setor esquerdo do Benfica tem grande categoria. Eusébio continua a ser perigoso, mas parece-me que já não corre muito». Pudera! Aos 30 anos, a Pantera Negra já tinha sido operado por seis vezes ao joelho esquerdo. O final da sua carreira foi um calvário. Ainda assim, no ano seguinte, talvez como resposta ao avançado bávaro, recentemente desaparecido, Eusébio marcou 40 golos no campeonato, conquistando a Bota de Ouro da Europa contra os 39 de Gerd Müller.
«O numeroso público de Colombes, que se apertava nas bancadas, teve o ensejo de assistir a uma primeira parte sensacional! Tudo ao primeiro toque, sem preciosismos, antes com a preocupação do golo e o avanço no terreno adverso», continuava o cronista. Um aplauso ensurdecedor e um grito uníssono de «Benfica!» ergueu-se das gargantas portuguesas. Udo Lattek, o treinador bávaro, lamentou-se: «Não queríamos ter jogado este jogo». Percebe-se. A derrota fora categórica o suficiente para fazer doer a alma.