Uma loja da Zara – que pertence à gigante espanhola Inditex – em Fortaleza, no Brasil, utilizava o código “Zara zerou” através dos altifalantes do estabelecimento para alertar os funcionários da existência de clientes que deviam ser considerados como “potenciais suspeitos”. O gerente da loja é português e está indiciado no artigo 5.º da Lei de Crimes Raciais, por recusar, impedir acesso a estabelecimento comercial, negando-se a servir, atender ou receber cliente ou comprador.
Segundo o delegado-geral da Polícia Civil do Ceará, Sérgio Pereira dos Santos, citado pela imprensa brasileira, os “potenciais suspeitos” eram na maioria pessoas “negras” e que “usavam vestimentas simples”.
A investigação começou quando, a 14 de setembro, a delegada Ana Paula Barroso, diretora-adjunta do Departamento de Proteção aos Grupos Vulneráveis, foi proibida de entrar na Zara do Shopping Iguatemi, em Fortaleza.
A delegada pensou que havia sido proibida de entrar na loja por estar a comer um gelado, algo que violaria os protocolos de segurança contra a covid-19. No entanto, uma outra pessoa entrara minutos antes na mesma loja sem utilizar a máscara de proteção contra a covid-19 e fora atendida de forma correta, inclusive pelo mesmo funcionário que proibiu a delegada negra de entrar.
"As imagens analisadas pela Perícia Forense do Estado do Ceará e pelo Departamento de Inteligência Policial demonstram a atitude discriminatória do suspeito", assegurou a Polícia Civil.
"O material visual obtido por meio do circuito interno da loja revela o tratamento diferenciado dado pelo funcionário da loja à vítima. Nas imagens, é possível ver quando a vítima é expulsa do local, quando minutos antes, o mesmo funcionário atendeu uma cliente que, mesmo não consumindo nenhum alimento, não fazia o uso correto da máscara", detalhou a corporação em comunicado.
A Polícia Civil revela ainda que conseguiu identificar uma ex-funcionária da loja, que explicou como decorria o procedimento. “A loja, quando identificava que uma pessoa estava fora do padrão de cliente e estava ingressando naquele estabelecimento, era dito no sistema de som a frase ‘Zara zerou’”, contou.
“Isso era um comando que era dado pra que todos os funcionários da loja ou pelo menos alguns a partir de então começassem a observar aquela pessoa não mais como consumidor, mas como suspeito em potencial que precisava ser mantido sob vigilância da loja”, acrescentou o delegado-geral. "Quem eram essas pessoas? Eram pessoas que estavam com vestimentas mais simples e pessoas de pele escura", explicou.
A autoridade brasileira confirmou à agência Lusa que o gerente da loja é português. Bruno Filipe Simões António, de 32 anos, foi indiciado no artigo 5.º da Lei de Crimes Raciais, por recusar, impedir acesso a estabelecimento comercial, negando-se a servir, atender ou receber cliente ou comprador.
Em comunicado, na terça-feira divulgado, a Zara Brasil refere que “não teve acesso ao relatório da autoridade policial até sua divulgação nos meios de comunicação”, mas “quer manifestar que colaborará com as autoridades para esclarecer que a atuação da loja durante a pandemia Covid-19 se fundamenta na aplicação dos protocolos de proteção à saúde, já que o decreto governamental em vigor estabelece a obrigatoriedade do uso de máscaras em ambientes públicos”.
“Qualquer outra interpretação não somente se afasta da realidade como também não reflete a política da empresa. A Zara Brasil conta com mais de 1800 pessoas de diversas raças e etnias, identidades de gênero, orientação sexual, religião e cultura. Zara é uma empresa que não tolera nenhum tipo de discriminação e para a qual a diversidade, a multiculturalidade e o respeito são valores inerentes e inseparáveis da cultura corporativa. A Zara rechaça qualquer forma de racismo, que deve ser combatido com a máxima seriedade em todos os aspectos”, sublinha.