A RTP2 emitiu, no início de setembro, um esplêndido documentário em duas partes que, julgo, ainda pode ser visto online na RTP Play. Chama-se As Últimas Horas de Pompeia e permite-nos acompanhar o progresso dos mais recentes trabalhos no local. Trata-se de algo ainda mais especial do que parece: ao contrário do que poderia pensar-se, há cerca de 70 anos que a antiga cidade do Vesúvio não era importunada por novas escavações.
Se olhar para as lamparinas, ânforas, amuletos, pinturas a fresco, mosaicos ou pavimentos das ruas é o suficiente para nos deixar fascinados, vê-los a emergir intactos das escavações, depois de um longo sono de dois mil anos, assemelha-se quase a presenciar um milagre. O documentário mostra-nos todo o processo, desde a retirada das camadas de pedra-pomes com máquinas ao trabalho minucioso de limpeza dos vestígios e sua inventariação. Ficou-me gravada a imagem de uma esponja molhada a passar na parede de uma casa e a avivar as cores de um medalhão com o retrato da proprietária. Parece impossível: é como se o retrato tivesse acabado de ser pintado.
Há muito que defendo que não existe melhor ‘ferramenta de aprendizagem’ do que este tipo de documentário. Mas a sua natureza efémera, fugidia, pode ser um problema. Por isso, assim que terminou, pensei complementá-lo com algo mais permanente, encomendando um livro sobre o assunto. Vira-o há uns anos numa livraria e desde então soube que mais cedo ou mais tarde haveria de o ter. Chegou há uma semana.
Trata-se do catálogo de uma exposição realizada em 2013 pelo Museu Britânico, Life and Death in Pompeii and Herculaneum. O conceito é engenhoso: depois de um enquadramento geral, o autor, Paul Roberts, leva-nos numa visita por uma casa senhorial romana, divisão a divisão, explicando pelo caminho o que continha cada dependência e o que nela acontecia: o atrium, o jardim, a sala de estar, a sala de refeições (triclinium), a cozinha, o cubiculum nocturnum e as casas de banho.
Devido às circunstâncias da própria destruição, Pompeia e Herculano conservaram-se de maneiras diferentes. «Uma das mais notáveis características de Herculano foi a forma como os materiais orgânicos (outrora materiais vivos como o papiro e a madeira) ficaram preservados», explica Paul Roberts. Assim, chegaram até nós testemunhos tão inesperados como pães achatados, cestos, nozes e figos carbonizados.
É impressionante o quanto sabemos hoje sobre a vida nas cidades do Vesúvio. Mas uma parte substancial de Pompeia continua soterrada sob uma camada de pedra-pomes (lapilli), cinza e vegetação. A erupção mergulhou tudo numa «escuridão mais profunda que na noite mais escura», descreveu Plínio, o Moço. E, desde então, cerca de 30% da área de Pompeia continua a aguardar, intocada, o momento em que voltará a ver a luz do dia. Quem sabe as surpresas que ainda nos reserva.
P.S. O latinista Frederico Lourenço defende que o italiano ‘Pompeii’ deve ser traduzido por ‘Pompeios’. Embora a sua argumentação seja categórica, optei pela designação consagrada pelo uso.