Urgências só por “convite”

Nelson Pereira, diretor da Unidade de Gestão da Urgência e Medicina Intensiva do S. João, defende regulação do acesso à urgência. Recomendação foi feita em 2019 por grupo de trabalho.

Com as urgências a registar uma procura em níveis pré-pandemia, em alguns casos até já superior a 2019, Nelson Pereira, responsável pela unidade de gestão da Urgência e Medicina Intensiva do Hospital de São João, defende a necessidade de regular o acesso, para retirar dos serviços de urgência doentes que diariamente os procuram sem terem critérios de gravidade «porque podem», resume.

Numa entrevista ao i, o médico defendeu que a ida às urgências «tem de ser só por convite», ou seja, para casos encaminhados pelo INEM, Saúde 24 e Centros de Saúde. No São João, são 150 a 200 casos por dia, diz o médico, considerando que a procura sem critério prejudica a resposta a doentes mais graves.

O médico recorda que, no ano passado, o encaminhamento de doentes triados com pulseiras verdes e azuis para os cuidados primários surgia no plano outono/inverno, mas nunca foi regulado. E que esta necessidade foi apontada várias vezes, a última das quais por um grupo de trabalho nomeado na última legislatura para analisar a reforma das urgências e que apresentou conclusões em 2019: propuseram que os hospitais tivessem uma consulta aberta para casos que não fossem considerados verdadeiras urgências e que o SNS24 pudesse agendar consultas nos centros de saúde em 24 horas, medidas que não avançaram.

«A ida à urgência não pode ser sempre a primeira tentação», defende o Nelson Pereira, que considera que a pedagogia já mostrou não ter efeito e que mesmo no Norte, onde quase 100% dos utentes tem médico de família, o acesso continua desregulado.

Defende ainda a criação da especialidade de Medicina de Urgência para qualificar as equipas que trabalham nestes serviços, denunciando que atualmente a maioria dos doentes são observado por médicos tarefeiros, alguns sem especialidade. E critica a proposta da Ordem dos Médicos de dotações mínimas para as equipas das urgências, que considera «impraticável por exigir recursos inverosímeis». 

Na mesma entrevista, o médico diz que a regulação do acesso poderia ser gradual, com um período de transição. O plano de outono/inverno deste ano nada prevê sobre esta matéria. O Nascer do SOL procurou perceber junto do Ministério da Saúde se está prevista alguma medida, não tendo tido resposta.

Lisboa pior

Na região de Lisboa, onde as urgências têm dado maiores sinais de sobrecarga, fontes hospitalares relatam no entanto um padrão novo, em que as urgências estão a receber mais doentes graves e não doentes sem critério, o que Nelson Pereira diz não se estar a verificar no São João.

A chegada do tempo frio e chuvoso aumenta o risco de infeções e descompensação de doença crónica, numa altura em que a covid-19 parece ter um aumento ligeiro. A ministra da Saúde admitiu que o país poderá chegar aos 1300 novos casos na próxima semana.

Nos hospitais, esta não é no entanto a doença que mais pesa atualmente quer nas urgências quer nos internamentos, com 331 doentes internados com covid-19, num total de 21 mil camas disponíveis no SNS – no ano, o Governo apontou que 17 700 camas poderiam ser alocadas à covid-19, mas tal implica parar atividade normal. Por esta altura, estavam internados em 2020 no SNS 1794 doentes com covid-19. Chegaram a perto de 7 mil no início de fevereiro.