A International Affairs – a revista mais prestigiado do mundo nas Relações Internacionais (RI) – colocou o seu livro Climate Change and Biodiversity: Governance in the Amazon em primeiro lugar nos livros recomendados no mês de setembro. O que trata o livro e por que é importante lê-lo?
O livro, basicamente, traz para o âmbito das ciências sociais o conhecimento que já foi sendo desenvolvido nas ciências naturais sobre a possibilidade de, durante este século, parte da floresta amazónica se tornar uma savana, adicionando-lhe uma análise política profunda. Aquilo que eu e o meu coautor, Eduardo Viola, fazemos no livro é uma análise da economia política da destruição da Amazónia no Brasil, no Peru, na Bolívia e na Colômbia cobrindo os últimos 15 anos. Traçamos a trajetória da destruição da Amazónia nesses países, procurando evidenciar os fatores políticos, económicos e sociais que conduziram a região ao atual ponto de degradação. A Amazónia é um bioma, um ecossistema de enorme importância para a estabilidade do sistema terrestre. É absolutamente essencial que sejamos capazes de compreender por que a sua destruição não é um problema puramente nacional ou regional. E para conseguirmos responder aos desafios que se colocam à sua preservação, temos de perceber as causas estruturais dessa mesma destruição.
Essas causas estruturais incluem, por exemplo, causas políticas, nomeadamente a administração Bolsonaro?
Sim. Aliás, um dos pontos que nós procuramos realçar no livro é precisamente a ideia de que a natureza não é externa à política. Acredita-se – erradamente – que a natureza se encontra separada da esfera política e da esfera social. A destruição da Amazónia prova-nos o contrário e a nossa análise abrangente das causas políticas da desflorestação mostra precisamente isso. E sim, o Governo Bolsonaro é um dos fatores que nos ajudam a perceber a destruição da Amazónia. Contudo, gostava de sublinhar que esta já estava a acontecer antes. Aquilo que podemos dizer é que o Governo Bolsonaro apoiou de forma profunda e explícita os objetivos do setor mais conservador do agronegócio brasileiro. Mas esse setor já estava a crescer politicamente na última década e esse crescimento foi favorecido pelo contexto económico, político e social tumultuoso do Brasil durante essa mesma década. Aquilo que aconteceu com Bolsonaro foi um aprofundar desse processo.
Identifica alguma data na história recente que represente o início da industrialização da exploração da Amazónia?
Os níveis de desflorestação na Amazónia brasileira eram altíssimos até 2004. A partir de 2005, sobretudo pela ação dos ministros do Ambiente do Governo Lula, primeiro Marina Silva e depois Carlos Minc – que são dois ambientalistas de renome no Brasil –, o governo tornou a questão do controle da desflorestação da Amazónia uma prioridade. Paralelamente, o período do Governo Lula foi marcado por estabilidade política, económica e social – que também favoreceu essa maior atenção política dada à questão amazónica. Os níveis de desflorestação foram diminuindo até 2012. Contudo, em 2011, já com Dilma Rousseff no poder, a bancada do agronegócio consegue impulsionar a aprovação de um novo código florestal que reduziu significativamente as proteções da Amazónia. Essa aprovação do novo código florestal é um ponto importante para se perceber o novo aumento da desflorestação que tem ocorrido nos últimos anos. O Governo de Dilma Rousseff era um governo muito focado em questões de curto prazo, sendo a questão ambiental uma questão não prioritária. A Ministra do Ambiente de Dilma não era uma ambientalista como os anteriores. Foi alguém que se acomodou a essa visão geral do Governo Dilma, ou seja, de não priorizar questões ambientais, de ter uma visão de curto prazo das políticas de desenvolvimento e tudo isso permitiu que o agronegócio também fosse ganhando espaço. Após o impeachment de Dilma – para o qual os votos da bancada do agronegócio foram decisivos –, Michel Temer também esteve muito subordinado aos interesses do agronegócio porque dependia dessa bancada para fazer passar a sua agenda. E aí houve uma série de medidas que afetaram a região amazónica. Com Bolsonaro, aquilo que temos é uma continuação deste processo, mas de uma forma muito mais profunda e muito mais explícita.
Voltando à primeira pergunta, como se sentiu com esta distinção da International Affairs?
Senti-me orgulhosa. Sobretudo porque as questões ambientais, na minha área, são marginalizadas. Ver que uma revista como a International Affairs pega num livro sobre questões ambientais e o coloca no topo de uma lista com outros autores de renome – como Barry Buzan – demonstra que há um reconhecimento da importância do trabalho que foi feito e da importância da Amazónia. O nosso objetivo, muito mais do que um reconhecimento pessoal e académico, é o reconhecimento de que, efetivamente, a Amazónia tem recebido pouca atenção por parte das Relações Internacionais e que isso deve ser mudado. Isto encoraja-nos a olhar para a Amazónia, pensar a Amazónia e, sobretudo, a procurarmos caminhos alternativos para o desenvolvimento socioeconómico da região – que é extremamente importante para proteger a floresta.
Pegando nesse desenvolvimento, qual é o equilíbrio possível entre o Mercado Livre, a exploração industrial de recursos e a sustentabilidade?
Há formas de utilizar o potencial da Amazónia, sobretudo o seu potencial relacionado com a biodiversidade, para o benefício das populações. Há, por exemplo, um projeto muito interessante do Professor Carlos Nobre – um académico brasileiro – que está a procurar desenvolver caminhos para unir as tecnologias da quarta revolução industrial com o conhecimento indígena sobre a região e, assim, criar serviços e produtos valiosos que não implicam a destruição da floresta. Pelo contrário, implicam precisamente manter a floresta saudável para que possamos retirar benefícios associados à biodiversidade.
É possível haver continuidade da exploração dos recursos da Amazónia e, ao mesmo tempo, algum tipo de sustentabilidade?
É possível utilizar os recursos da Amazónia de uma forma sustentável. Há uma ideia, que nas últimas décadas foi sendo desmentida pela evidência científica, de que a Amazônia é um bioma prístino e que nunca foi alterado pela atividade humana. E isso não é correto. Há muito tempo que as comunidades indígenas têm vindo a alterar e a utilizar o bioma amazónico, mas de uma forma que não é destrutiva, ou seja, que respeita a floresta. Daí a importância de recorrermos a esse conhecimento indígena para complementarmos soluções tecnológicas que permitam um desenvolvimento socioeconómico da região. Há outras formas de aproveitarmos o potencial da floresta sem a destruímos. Podemos tirar muito mais vantagens da floresta se a mantivermos saudável do que se a destruirmos.
Esta conversa está a ser tida entre dois privilegiados a quem não falta pão na mesa. Poder tê-la, assim como acesso a este nível de conhecimento, é um luxo. Como sabemos, a maior parte das vidas não são assim. Nesse sentido, sendo que a exploração destes recursos amazónicos é o único sustento de parte significativa da população daquela região, como é que convenceria esses trabalhadores a darem prioridade à sustentabilidade ambiental em detrimento da atividade que dia-a-dia lhes põe o pão na mesa?
Essa é uma questão complexa. Há, de facto, um conflito entre os direitos das comunidades nativas da Amazónia a terem um ambiente saudável (do qual dependem) e os direitos da restante população do país que depende de programas sociais que estão significativamente associados a recursos oriundos da exploração da Amazónia. Esse é um aspeto importante e que, no caso boliviano, é bastante visível. Dentro do Governo de Evo Morales tínhamos duas fações bastante distintas: uma fação mais ecologista, mais indigenista, e uma fação muito mais desenvolvimentista. Claramente, pelos resultados da investigação e pelos números da desflorestação, essa fação desenvolvimentista ganhou mais espaço e conseguiu vingar. Uma exploração destrutiva não garantirá, no futuro, o sustento que refere, portanto, pelo que ambas as questões têm de ser vistas de forma integrada.
Mas como é que os convenceria da importância das questões ambientais? Eles querem é pão na mesa, não querem teoria.
Exatamente. Aquilo que estamos aqui a discutir tem uma ligação muito forte com o que lhe expliquei no início. Repare que o período onde houve uma menor desflorestação no Brasil coincidiu com um maior desenvolvimento económico-social. Quando houve um controlo da desflorestação foi precisamente quando estávamos num contexto de desenvolvimento socioeconómico, ou seja, quando os níveis de satisfação da população eram maiores e, portanto, havia espaço para considerar as questões ambientais. Isso mostra-nos que a proteção da Amazónia também depende destes países resolverem uma série de problemas económico-sociais, que foram agora exacerbados com a pandemia.
Admite então que existe este problema em convencer a população e mostrar-lhes os benefícios a longo-prazo?
Sim, existe esse problema. Para as gerações atuais, é difícil compreender por que é necessário fazer mudanças no presente em benefício das populações futuras.
Imagino que isto se estenda para outros sítios do planeta…
Claro. Não é só no contexto dos países amazónicos. Acontece também noutros países em desenvolvimento, e não só. Os países amazónicos poderiam beneficiar bastante – e a proteção da Amazónia também, consequentemente – da promoção de projetos conjuntos na região. Se houvesse uma cooperação transnacional sólida que permitisse partilhar recursos – que são escassos –, implementar projetos conjuntos, aumentar e melhorar as atividades de fiscalização na região (as atividades ilícitas são uma das principais causas da desflorestação), os países poderiam ultrapassar alguns dos desafios que enfrentam. O problema é que no Brasil existe, há já várias décadas, um receio de que o país perca a soberania em relação à floresta. Nos anos 70, quando a questão ambiental se tornou uma questão internacional, foi levantada a possibilidade de internacionalização da região precisamente pela sua importância planetária. E desde aí existe receio e ansiedade relativamente à integridade territorial do país e à possibilidade de perder a soberania em relação à região. Esses receios e essas ansiedades – que se veem sobretudo no setor militar – foram agora reacendidos no contexto da pressão internacional que os fogos de 2019 provocaram, nomeadamente os comentários de Emmanuel Macron. Poder-se-ia pensar que essa pressão internacional ajudaria a proteger a Amazónia, forçando o país a tomar medidas para reverter essa situação e melhorar a sua imagem internacional. No entanto, essa pressão tem legitimado um processo de militarização da Amazónia. Um processo que enfraquece as agências fiscalizadoras e de proteção ambiental e no qual não há espaço para que académicos e a sociedade civil possam participar no debate sobre a gestão da floresta. Este setor militar é favorável a atividades de desenvolvimento económico – destrutivas – que continuam a agravar a situação da região.
Aqui podemos fazer uma ponte para o seu trabalho, nomeadamente na questão do Antropoceno e das Relações Internacionais (RI). Uma das críticas que faz às RI é maneira como os Estados, por norma, se interessam mais por si do que pelo planeta. Será isto do Brasil um caso prático disso?
Sim…
E como se poderá contornar isto?
É uma pergunta para um milhão de dólares. Realmente o sistema internacional está estruturado desta forma – em torno da soberania nacional e note-se que a estrutura territorial do sistema internacional não coincide com o mapa ecológico da Terra –, e é necessário que se crie a ideia de que o interesse nacional de cada Estado depende, também, de um planeta saudável. Porque nas condições perigosas e instáveis do Antropoceno, o Estado só poderá alcançar o seu interesse nacional e o bem-estar das suas populações se compreender que tudo isso é indissociável de um sistema terrestre estável e saudável. E isso – a dependência de seres não-humanos que criam as condições que permitem que exista vida na Terra – é muito negligenciado tanto na academia como na política. O nosso ar só é respirável, por exemplo, porque existem relações e interdependências complexas entre ecologias e comunidades não-humanas, que criam condições para a nossa própria existência. E nós estamos a destruir essas condições que permitem a vida na Terra. É, por isso, preciso perceber que o interesse nacional e o interesse individual está interligado com o interesse global e o interesse planetário.
Escreve num paper que devemos aceitar «o valor intrínseco de formas não-humanas de vida». Pergunto-lhe: a vida vegetal vale tanto como a humana?
E eu pergunto-lhe: o ar que respira vale mais do que a sua vida?
Não sei responder.
O seu bem-estar e a sua vida só são possíveis se a vida não-humana for respeitada e os ecossistemas continuarem a funcionar de forma saudável. Não é uma questão de nós, humanidade, versus a natureza. Chegamos a este ponto – estamos numa crise sócio ecológica profunda – porque ignoramos que a nossa vida depende precisamente desse bom funcionamento dos ecossistemas e da proteção dos seres não-humanos que criam as condições que nos permitem viver na Terra.
Ou seja, a vida vegetal vale tanto como a humana no sentido em que é necessária à humana?
Cria condições necessárias à vida humana. A humanidade e o planeta estão entrelaçados. Não é uma questão de dizer ‘nós somos mais importantes do que isto ou do que aquilo’: comece-se a olhar para a nossa existência reconhecendo que há um entrelaçamento da vida humana com a vida não humana.
Isso faz lembrar Espinoza e a ideia de que Deus é a natureza. Até que ponto concorda com a ideia de que a natureza é Deus e nós, por sermos natureza, também o somos?
A minha investigação não tem qualquer tipo de pressuposto religioso.
Certo. Mas não são campos fechados e também se podem entrelaçar.
No meu trabalho eu não abordo a questão religiosa, simplesmente trabalho com o conhecimento da ecologia, da biologia, da ciência climática. Estou a falar-lhe no campo científico.
E o que diria aos católicos que sobrepõem a vida humana às outras?
Eu diria o mesmo que lhe disse ainda há pouco: há que honrar este entrelaçamento entre a vida humana e a não humana, e perceber que nós também somos natureza. Se nós também somos natureza, todas as nossas ações estão intrinsecamente relacionadas com a parte não-humana do universo. Abandone-se esta dicotomia Homem versus Natureza porque é uma falácia.
Voltando ao Antropoceno, pergunto-lhe três coisas: se já estivemos pior, se está esperançosa que o Homem conseguirá ultrapassá-lo e, se sim, o que virá depois?
Isso depende da dimensão para onde estiver a olhar. Evidentemente que em termos socioeconómicos já estivemos pior, sendo que houve uma evolução do nível de vida nas últimas décadas sem precedentes. O problema é que essa evolução foi feita à custa da destruição ambiental. O Antropoceno vem mostrar que os destinos da humanidade e do planeta estão interligados e que se queremos garantir o nosso bem-estar e o nosso futuro temos de reconhecer esse facto. O nível de degradação ambiental, à partida, continuará a aumentar e, portanto, viveremos em condições mais perigosas, mais instáveis e mais complexas. Repare-se que a humanidade viveu uma época geológica – o Holoceno – de grande estabilidade que lhe permitiu prosperar. Agora está a entrar numa época cujas características são completamente opostas. Não acredito que nós possamos sair do Antropoceno ou que possamos reverter o Antropoceno. Acredito que teremos de nos adaptar ao Antropoceno, ou seja, às condições de um mundo mais instável, mais imprevisível, mais complexo. E isso implica uma reforma das instituições atuais e/ou a criação de novas instituições que permitam responder de forma mais eficaz às condições desta época geológica. Não acredito que possamos voltar para trás, acredito que teremos de procurar evitar um maior nível de degradação ambiental que torne o Antropoceno ainda mais perigoso.
Visto que defende que viveremos durante mais algum tempo no Antropoceno, e estando este intimamente ligado ao capitalismo, então não acredita que se dê, num futuro próximo, o fim do capitalismo.
Não, não acredito. Há precisamente autores que dizem que não devemos falar em Antropoceno, mas sim em Capitaloceno – para demonstrar a relação muito forte entre a crise ecológica e o capitalismo.
E o que virá depois do Antropoceno?
É muito difícil fazer essa essa previsão. Na literatura existem três grandes visões sobre o Antropoceno: uma pessimista, que defende uma abordagem top down de governança planetária que nos permita revertê-lo e, portanto, voltar ao nível de estabilidadedo Holoceno. Outra, na qual me incluo, que acredita que o Antropoceno não pode ser revertido e que devemos pensar em formas de nos adaptarmos e evitar um aprofundamento dos riscos a ele associados. Depois há uma terceira, a ecomodernista, que é muito otimista e que diz que o facto de a humanidade ser uma força geológica demonstra o nosso poder e, portanto, demonstra que se o usarmos, desta vez para o ‘bem’, sobretudo através do desenvolvimento de tecnologias revolucionárias, poderemos continuar a prosperar.
Este fim-de-semana começará a COP26, a maior conferência mundial sobre Alterações Climáticas. O que espera dela?
Infelizmente, as minhas perspetivas para a Conferência não são as melhores. Primeiro temos que ter em consideração que com os atuais compromissos e metas de neutralidade carbónica formalmente adotadas até ao momento (e mesmo que tudo isto fosse integralmente cumprido), o planeta aqueceria, no final do século, aproximadamente 2,4°C. Além disso, a maioria dos planos de neutralidade carbónica apresentados até ao momento são ainda muito vagos e insuficientes: mesmo o Reino Unido e a União Europeia – que apresentaram metas de redução de emissões bastante mais ambiciosas – não se comprometeram ainda com o nível de apoio financeiro necessário aos países em desenvolvimento. E este é um ponto extremamente importante: primeiro porque esses países dependem desses recursos para fazer a sua transição energética, e depois porque essa transferência de recursos financeiros é extremamente importante para reconquistar a confiança do mundo em desenvolvimento, que foi muito abalada pela Presidência de Donald Trump.
Não acha que muitas vezes, para os políticos, a questão da ecologia é mais uma bandeira do que outra coisa?
Sim, sem dúvida.
Por exemplo, Boris Johnson, esta semana, disse que os líderes deveriam ser corajosos e ambiciosos na COP26 para, passadas três horas, anunciar o corte de um imposto que tornará os voos domésticos mais baratos. Uma pessoa como Johnson – primeiro-ministro, conservador – está, sequer, educado sobre o assunto?
Não. Primeiro porque até há relativamente pouco tempo as questões ambientais eram sempre muito negligenciadas, mesmo nos programas curriculares. Depois, através das greves climáticas – que começaram com Greta Thunberg –, começámos a ouvir a palavra ‘sustentabilidade’, ‘crise climática’ por todo lado. As promessas e palavras dos políticos ainda são muito vazias, muito ocas. São mais uma tentativa de procurar agradar a uma franja da população (os jovens, que demonstram estar efetivamente preocupadas com o problema). Não há, na verdade, um plano consistente, sólido e real para responder a essas inquietações.
Pensa que António Costa se enquadra nessa descrição?
Penso que a maior parte dos líderes políticos ainda não consegue captar em profundidade aquilo que é a crise ecológica planetária que estamos a viver e que continuaremos a viver.
Nomeia algum primeiro-ministro ou Presidente mundial cuja luta pelo clima sinta ser verdadeira?
Com toda a responsabilidade histórica dos EUA, há que realçar os esforços de Joe Biden até ao momento, impulsionados pela vertente mais progressista dentro do seu partido. De facto, verificamos uma série de intenções importantes. Nos últimos dias saíram notícias que apontam para a impossibilidade de aprovar o plano climático mais importante da Administração Biden, que seria um programa para a produção de eletricidade limpa (extremamente importante para reduzir as emissões de gases de efeito estufa nos EUA). E, portanto, apesar dos esforços da Administração Biden e de toda a sua retórica pró-clima, há uma série de forças opositoras dentro dos EUA que tornarão a ação do país difícil, sendo que isso tem implicações na COP. Porquê? Porque para Joe Biden conseguir realmente tornar os EUA num líder climático e convencer as outras grandes potências climáticas a aumentar o seu nível de ambição, teria de liderar pelo exemplo. E se chega à Conferência sem nenhum exemplo concreto de ação doméstica vai ser muito difícil exercer liderança. Os Estados Unidos são o segundo maior emissor atual e são historicamente o maior emissor, portanto seria importante essa liderança.
Sendo que o primeiro é a China, cujo Presidente estará ausente. Que conclusões tira disto?
Tiro que a China não está disposta a ceder mais do que aquilo que já cedeu até ao momento.
E o que cedeu até ao momento?
A China anunciou um plano para alcançar a neutralidade carbónica até 2060 e há muito pouco tempo prometeu que iria deixar de financiar projetos de centrais a carvão fora do país. Contudo, o Climate Action Tracker – que faz uma avaliação dos compromissos apresentados pelos países até ao momento – classifica a ação climática da China como ‘altamente insuficiente’.
E como estão os restantes?
Quanto aos mais importantes, em ‘criticamente insuficiente’ temos a Rússia, a Arábia Saudita e a Turquia. Depois, ‘altamente insuficientes’ temos a China, a Índia, a Indonésia e a Austrália. Nos ‘insuficientes’ temos os EUA e a União Europeia. Em ‘quase suficiente’, está o Reino Unido. E por que o Reino Unido não está ainda compatível com os objetivos do Acordo de Paris? Porque os seus compromissos anunciados de financiamento para os países em desenvolvimento não são ainda compatíveis com o que seria necessário para cumprir os objetivos. O único país do mundo que o Climate Action Tracker coloca como compatível com o objetivo do Acordo de Paris (de limitar o aumento da temperatura global a 1,5ºC) é a Gâmbia.
Há pouco falávamos de os problemas climáticos serem a última das preocupações dos trabalhadores da Amazónia, porque eles querem é pão na mesa. Acha que as alterações climáticas são uma preocupação para o ‘português comum’?
Pela minha experiência de docência, as alterações climáticas são uma preocupação para as gerações mais novas. Para as restantes gerações, não sinto que seja.
E para o tal ‘português comum’? Alguém que não tenha esse conhecimento científico.
Apesar da temática estar cada vez mais presente no nosso quotidiano, não me parece que seja uma preocupação para a maior parte da população. Vejo, como disse, um entusiasmo, interesse e preocupação em relação ao tema por parte dos jovens. As novas gerações fazem-me ter esperança.