É um vício nacional, de cada vez que se abre a caixinha da sorte com o nome dos adversários das equipas portuguesas na fase de grupos da Liga dos Campeões, prestar mais atenção aos nomes do que à realidade das equipas que nos calham. Veja-se o que aconteceu com Benfica e FC Porto, mas sobretudo com este último, que actuou ontem.
Levantaram-se os fantasmas de Liverpool, Atlético de Madrid e Milan, mas ignorou-se o facto de os madrilenos serem, por natureza, uma equipa que gasta mais os neurónios do seu treinador a procurar esquemas defensivos continuados em contra-ataques dependentes do talento dos seus avançados (ou, se quiserem, numa explicação mais popularucha – não darem cinco a ninguém), e de os milaneses viverem uma fase tão pouco entusiasmante da sua história que, na época passada, só num bambúrrio final de dezassete grandes penalidades de desempate, terem conseguido eliminar o Rio Ave. Não vem isto a propósito de tirar mérito à vitória portista sobre o velho clube de Milão (1-0 nas Antas), nem o empate de ontem em San Siro (1-1), tal como não se menospreza os 3-0 com que o Benfica foi capaz de bater um Barcelona de cartão canelado. Trata-se apenas de colocar as coisas no seu devido lugar e vê-las com os olhos da objectividade.
Tomáramos nós que todos os anos aparecessem por cá antigos fidalgos europeus nas ruas da amargura para dourar a pílula das habituais e anuais cabazadas que levamos daqueles que são hoje a nova elite do continente e que, a despeito do que se possa discutir sobre a matéria, deviam jogar entre eles para decidir o campeão da Europa em vez de perderem tempo a esmigalhar os pobres diabos que lhes põem na frente nesta espécie de fase de aquecimento para o futebol a sério.
Os cinco! Depois de FC Porto (Liverpool) e Sporting (Ajax) terem levado a sua dose de cinco, agora foi o Benfica a sofrer cinco golos em Munique, no jogo de terça-feira (2-5). Uma equipa que se arrasta fronteiras dentro – derrota em casa com Portimonense, vitória de aflitos em Vizela e empate no Estoril, para o campeonato, e mais um empate em Guimarães, para a Taça da Liga – não podia certamente aspirar a mais do que perder frente ao Bayern pela menor diferença possível. Recordou Jorge Jesus, com todo o direito, entenda-se, que em tempos levou o Belenenses a sair de Munique com um resultado simpático (0-1). Entre as facetas que definem a qualidade de um treinador, uma delas é, certamente, quando comandam uma equipa mais fraca perante um opositor poderoso, aplanar as distâncias e conseguir criar problemas bicudos ao seu adversário. Nestas três horas de pavor que a águia teve de sofrer (na Luz e na Arena), apenas os primeiros quarenta e cinco minutos terão encaixado nessa equação. A repetida e estafada ideia de que o Benfica precisa de voltar a ver o seu nome respeitado na Europa continua adiada ano após ano e estes dois jogos com os bávaros (a despeito de serem, na opinião de quem escreve, a melhor equipa do mundo) foram demonstrativos dessa crua e dolorosa realidade. Se Jesus já conseguiu, ao longo da sua carreira, fazer com que equipas suas disfarçassem as fragilidades, terça-feira não foi um desses dias. O Bayern pôs e dispôs do jogo, tratou de triturar os portugueses de cada vez que estes tentaram reagir (com os golos de Morato e Darwin, por exemplo), e demonstrou a abissal distância que separa o terceiro classificado do nosso campeonatozinho de meia-tijela do habitual campeão alemão. E não vale a pena andarmos por aí a pôr paninhos quentes sobre a verdade que se escancara aos nossos olhos: se faltava ao Benfica levar cinco para se juntar às habituais misérias lusitanas, eis que os três da vida airada desta Liga dos Campeões já andam de mãos dadas. Sobram as endeusadas vitórias à Pirro sobre adversários menores ou tão distantes das glórias continentais como esta incompreensivelmente incompetente águia de Jorge Jesus. Que, também numa opinião pessoal, tem bem melhor plantel que os dois outros que só são Grandes contra os pequenos.
E assim, atirando para debaixo do tapete a cada vez maior inferioridade dos nossos na verdadeira prova que define a estaleca dos clubes, aplaudindo freneticamente as caídas na Liga Europa, que este ano fiará bem mais fino, lá vamos cantando e rindo. Mas não felizes. Só tontos.