Depois de o Reino Unido ter anunciado esta quinta-feira a aprovação do primeiro antiviral para tratamento da covid-19, a Agência Europeia do Medicamento, que tinha começado a fazer a avaliação do molnupiravir em outubro, garantiu que vai “tentar acelerar” a análise em curso e, até lá, está preparada para aconselhar os países a avançar com utilizações de emergência.
Descrito pelo ministro da Saúde inglês como uma “mudança no jogo” para os mais vulneráveis, o medicamento desenvolvido pela farmacêutica Merck e pela Ridgeback Biotherapeutics demonstrou nos ensaios potencial para reduzir para metade o risco de hospitalização em doentes sintomáticos. No Reino Unido, a viver um aumento acelerado de infeções e pressão no hospitais, a opção anunciada pelo Governo após a luz verde do regulador passa por começar a dar a medicação a doentes idosos e com condições de saúde mais frágeis, em moldes ainda a definir e com uma monitorização a cargo das autoridades de saúde britânicas, incluindo para já nesta terapêutica pessoas que tenham covid-19 mesmo estando vacinadas e quem não fez a vacina. É um medicamento em comprimido, de duas tomas diárias e que pode ser administrado em casa ou nos lares.
O i tentou perceber junto da Direção Geral da Saúde e do Infarmed o que estava planeado para o momento de aprovação do medicamento, não tendo tido resposta até à hora de fecho desta edição. O i sabe no entanto que a decisão da EMA não era esperada a curto trecho e ontem passou a estar na ordem do dia com a aprovação em Inglaterra, que com o Brexit deixou de estar dependente da Agência Europeia do Medicamento, e as declarações feitas por Marco Cavaleri, da Agência Europeia do Medicamento, que deixou em aberto o início da utilização a nível europeu e consoante também a pressão em cada país.
Até aqui, a compra do medicamento estava a ser tratada centralmente pela União Europeia, o mesmo modelo de negociação seguido com a compra de vacinas pelos estados-membros, mas não tinham sido anunciadas quaisquer quantidades. O agravamento da situação epidemiológica no centro da Europa pode vir a pressionar decisões mais rápidas, ao mesmo tempo que parece desenhar-se uma nova corrida: a farmacêutica já anunciou que só terá capacidade para fornecer 10 milhões de tratamenos este ano, quantidade que duplica em 2022. E que, além do mercado europeu, também a agência norte-americana do medicamento está a avaliar o molnupiravir. O Reino Unido anunciou para já ter fechado a compra de 450 mil tratamentos e, com as quantidades deixadas em cima da mesa, dificilmente poderá ser uma medicação de uso generalizado nos próximos meses.
“Vem complementar a vacinação” Para Filipe Froes, pneumologista e coordenador do gabinete de crise da Ordem dos Médicos para a covid-19, o molnupiravir pode vir de facto a significar uma mudança de jogo, sendo a primeira medicação específica para a covid-19, como na pandemia de gripe A foi usado o tamiflu. “Sem dúvida que é um game-changer. Vem complementar a vacinação. A mais-valia é ser um medicamento que reduz a carga viral e reduz em 50% a gravidade da doença. Ao fim de dois, três dias, a pessoa já não é transmissora, o que diminui a capacidade de circulação do vírus”, salienta, considerando que pode haver também pessoas não vacinadas a querer ter acesso a esta medicação, o que nos países com menor cobertura vacinal pode ajudar a enfrentar os próximos meses.
Filipe Froes admite que a Agência Europeia do Medicamento venha a seguir a decisão do regulador britânico e explica que o medicamento pode vir a ter mais indicações no futuro. “É um medicamento que estava a ser desenvolvido desde 2013 na Universidade de Emory, é um antivírico de espetro alargado que poderá eventualmente ser usado no vírus influenza e no vírus sincicial respiratório. Foi testado na covid-19 e demonstrou eficácia, em teoria poderá ser usado noutros vírus”, diz.
Maioria dos reforços por dar Para já, no entanto, Filipe Froes defende que a prioridade deve ser acelerar a vacinação, quer o reforço da vacina da covid-19 quer a vacinação da gripe. Recuperando os números do ano passado é possível concluir que em 2020, por esta altura, já havia 800 mil idosos com a vacina da gripe. Este ano são cerca de 694 mil, de 2,2 milhões de idosos e doentes crónicos elegíveis para a vacinação gratuita pelo SNS. O médico considera que a diferença na metodologia seguida este ano, de administrar a vacina da gripe e o reforço da covid-19 em simultâneo aos mais idosos, não permite comparações nesta fase do processo. Neste momento, considera que o foco deve ser acelerar e que se não houver uma das vacinas disponíveis, que seja dada pelo menos uma.
O reforço do uso de máscaras em espaços fechados é outro apelo, numa altura em que o gabinete de crise da Ordem dos Médicos defende também que o reforço da vacina aos profissionais de saúde avance o mais depressa possível. “É uma maneira de prevenir maiores índices de absentismo nas próximas semanas, quando sabemos que os serviços de saúde vão ter períodos de maior pressão”, diz.
Portugal passou esta semana a barreira dos mil novos casos diários mas mantém-se entre os países com a epidemia mais controlada a nível europeu. Nos hospitais portugueses, a pressão a esta altura não se verifica tanto nas unidades de cuidados intensivos mas nos serviços de urgência, com o aumento de outras infeções respiratórias e mais doentes descompensados. Apesar de o tempo frio só agora estar a começar, as urgências de hospitais de Lisboa como o Santa Maria ou o Beatriz Ângelo estão há duas semanas com tempos de espera excessivos para doentes urgentes, para lá dos 60 minutos recomendados pela triagem de Manchester. “É algo que não podemos normalizar. Temos um longo inverno pela frente”, sublinha Filipe Froes.