Por Manuel Boto, economista
1. Um destes dias, a SIC transmitiu um programa da autoria de Conceição Lino (Essencial) que, incidindo sobre as velocidades a que circulam os carros dos ministros, se torna mesmo essencial de ser visto – por constituir autêntico ‘serviço público’. Não se pode dizer que ficámos estupefactos porque tanto se tem falado sobre o assunto que apenas corroborou o que afinal todos sabíamos: a arrogância de quem se acha superior ao cidadão comum e a impunidade com que o tema é geralmente tratado.
Vamos lá ultrapassar (linguagem apropriada) a infelicidade do ministro Cabrita, involuntariamente envolvido num acidente mortal de um cidadão. Mas não vamos esquecer que passaram mais de quatro meses e continua sem se saber a velocidade da viatura. Mais: parece que a GNR andará a fazer perícias sobre o que o infeliz falecido estaria a fazer no separador central. Depois de se ver este programa ficamos surpreendidos?
A prática habitual é essa, quaisquer que sejam os atores – as viaturas dos elementos do Governo andam a velocidades excessivas, como se os governantes fossem cidadãos acima da lei. O que custa a todos aqueles que somos diariamente multados por excessos de velocidade é que constatamos que realmente o são: além de privilegiados, literalmente ‘acima da lei’. Quando se deslocam, é sempre com caráter de urgência, nem que seja para terem tempo para almoçar. Quando confrontados, ficam incomodados, por vezes até prometendo não mais repetir – até à próxima viagem!
Eu só pergunto: quando não nos damos ao respeito, como querem que sejamos respeitados? São estes os exemplos que os cidadãos recebem dos seus governantes em situações do dia-a-dia? Admira que as pessoas generalizem essa falta de respeito e manifestem uma indiferença cada vez maior pela política nacional? Que tal um ato de contrição e um pedido público de desculpas? E já agora: quando se pagará a indemnização devida aos familiares da vítima na A6?
2.Muito interessante um artigo no Público da autoria de Manuel Soares, presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses. Não quero (nem devo) transcrever o seu artigo cuja leitura considero essencial, mas não posso deixar de mencionar alguns temas que aborda, com conhecimento de causa e que são graves problemas da justiça portuguesa.
Sobre temáticas legislativas, considero absolutamente pertinente a necessidade da legislação anticorrupção e da que incida sobre a criminalização efetiva da ocultação da riqueza adquirida em cargos públicos. Sobre questões genéricas, saliento (i) o custo do acesso à justiça, (ii) a ineficiência processual resultante da escassez de quadros de juízes e legislação (normas processuais expeditas) que agilize a resolução de pequenos casos (ou que já tenham sido objeto de resolução anterior) e (iii) a necessidade de publicitação de diversas atividades das decisões dos tribunais arbitrais que incidem sobre dinheiros públicos.
A justiça deveria ser um dos pilares da democracia. Mas basta perguntar aos cidadãos e às empresas o que se pensa sobre a mesma, sobretudo depois de sermos confrontados com tantas decisões incompreensíveis sobre certos crimes (sobretudo de colarinho branco). Claro que somos leigos, claro que os advogados e juízes são quem conhecem as leis – mas o senso comum diz-nos que há demasiados alçapões legais que deixam escapar os culpados, não por estarem isentos de culpa, mas porque os crimes prescreveram ou porque há detalhes processuais incumpridos.
Que tal ouvir quem sabe e legislar-se no sentido da sua eficácia, em nome do bem comum? Ou a construção de castelos inexpugnáveis é um desiderato dos legisladores para que tudo continue na mesma?
3. As eleições serão a 30 de janeiro de 2022. Nestes últimos dias, sucederam-se declarações de todos os quadrantes sobre o tema, uns referindo que nem sequer haveria necessidade de irmos a eleições porque se poderia apresentar um novo OE 2022 (sobretudo PCP e Bloco, já a pensarem no buraco em que se meteram), outros bem mais afoitos e ousando até antecipar datas, exclusivamente em função de interesses de fação.
Foi uma tristeza este período que ora termina com a marcação da data por Marcelo. Houve de tudo um pouco. Declarações confrangedoras a demonstrar como alguns dos que as proferiram não têm sentido de Estado, artigos de certos responsáveis partidários, até insultuosos para a pessoa do Presidente, foi um fartote que, no fundo, todos temos de lamentar, porque são retratos de quem nos dirige ou pretende dirigir.
Não podendo agradar a gregos e troianos, Marcelo fez um dos seus melhores discursos de sempre e marcou as eleições de acordo com aquilo que entende ser o interesse nacional, ou seja, proporcionando igualdade de oportunidades para todos os partidos. Compete agora a estes resolver os seus problemas internos, sobretudo PSD e CDS, mas também PS, PCP e Bloco.
Sobre PSD e CDS, existem calendários estatutários internos de disputa de liderança que se deveriam cumprir, sobretudo para os partidos se darem ao respeito perante os seus eleitores. O PS tem hoje um líder incontestável no curto prazo (Costa), mas em que já se nota o problema da sua sucessão, dado que duvido muito que os seus militantes, mas sobretudo os seus eleitores, se revejam em Pedro Nuno Santos. Finalmente, no PCP e Bloco, é nítido que as suas lideranças, manifestamente ultrapassadas, se esgotaram.
Em conclusão, não deixa de ser curioso ver como umas eleições, de todo inesperadas e cujos resultados serão uma incógnita, poderão ser essenciais para clarificar a vida interna dos partidos num futuro próximo.