Por Felícia Cabrita e José Miguel Pires
Foi a falta de pagamento de uma comissão de apenas 5 mil euros – que fora prometida a um intérprete da ONU que servia de intermediário entre os Comandos portugueses e as redes de tráfico de diamantes na República Centro-Africana – que levou à denúncia de todo o esquema criminoso desvendado pela Operação Miríade, realizada há dois dias pela Polícia Judiciária.
O intérprete da ONU, natural da República Centro-Africana, servia de intermediário entre os Comandos portugueses envolvidos na rede e os fornecedores locais. Tudo corria bem, até os cúmplices militares terem falhado o compromisso. Em 2019, após a entrega de um saco com diamantes, o peão local ‘leva uma banhada’ e denuncia os cúmplices às Forças Armadas portuguesas. Dois anos depois, na Operação Miríade, a PJ executou uma centena de mandados de busca e deteve onze pessoas, entre elas um advogado, cérebro da rede de branqueamento de capitais, que criou 40 empresas que serviam para escoar e branquear os produtos traficados pela rede.
Segundo fonte da investigação, o intérprete em causa prestava serviço na MINUSCA (Missão Multidimensional Integrada das Nações Unidas para a Estabilização da República Centro-Africana), servindo de elo de ligação entre os suspeitos portugueses e as redes locais de tráfico. Cobrava uma comissão pelo serviço e, a certa altura, não gostou que os militares portugueses fugissem aos seus compromissos, não lhe pagando uma dessas comissões, de 5 mil euros. Denunciou-os, por isso, ao comandante da 6.ª Força Nacional Destacada (FND) no país, que, por sua vez, alertou os seus superiores.
A denúncia chegaria ao então CEMGFA, que mandou a Polícia Judiciária Militar (PJM) abrir um inquérito. Nessa altura, a PJM identificou seis suspeitos – cinco praças e um major. Mas, perante o tipo de crimes em causa, que extravasam a atividade militar, o caso passou para as mãos da PJ.
Conforme o i revelou na edição de ontem, a PJ reuniu desde então provas sólidas de contrabando de diamantes entre a RCA e Portugal, bem como tráfico de ouro e droga em Portugal, que é feito por membros de gangues infiltrados nesta missão desde 2017.
A rede envolve Comandos e ex-Comandos portugueses presentes na RCA, no âmbito das missões humanitárias das Nações Unidas. Segundo o i sabe, o contrabando de diamantes terá sido feito a partir do país, ao mesmo tempo que os alegados crimes de tráfico de ouro e droga terão já sido realizados em solo europeu. Os elementos envolvidos são indivíduos oriundos de gangues da zona de Lisboa, com conhecimentos nestes setores do crime organizado. Alguns já eram arguidos em vários processos mas, como no recrutamento apenas é exigido o registo criminal, onde apenas aparecem as condenações, facilmente se infiltraram nas Forças Armadas, ganhando acesso a determinados países em conflito, como a RCA, e aproveitam as situações ‘instáveis’ dos mesmos para criar redes internacionais de tráfico. O esquema envolve também suspeitas de branqueamento de capitais, com recurso a criptomoedas.
IDENTIFICAÇÃO EM CURSO A Operação Miríade continua a abalar o país, e ontem arrancou a fase de identificação dos arguidos no caso. Uma fase em que, para além dos 10 mandados de detenção executados inicialmente, acabou por ser detido mais um elemento. No total, foram detidas, até agora, 11 pessoas, entre elas militares, ex-militares e suspeitos de branqueamento de capitais. Segundo avançaram vários meios de comunicação, um dos arguidos já terá demonstrado vontade de prestar declarações perante o juiz de instrução. Suspeita-se que estejam envolvidas mais de 70 pessoas neste esquema, conforme avançou o Público. Numa conversa entre dois arguidos, apanhada numa escuta, citada pela TVI, fala-se também de valores astronómicos: 500 milhões de euros em volume de negócios.