O que o levou a candidatar-se à liderança da Associação Mutualista? Estou nesta missão há 22 meses. Com a redução da equipa, os meus colegas indicaram-me para assumir a liderança e 2020 foi um ano extremamente exigente, marcado por situações extremas, desde logo, pela pandemia, mas também devido a um quadro de instabilidade que se vivia internamente, que se refletia externamente. E além do questionamento do próprio mutualismo também houve a necessidade de dar cumprimento ao código das associações mutualistas com a preparação de uma Assembleia de Representantes. Era preciso também aprovar os estatutos que não estavam registados e preparar o regulamento eleitoral. Tudo isto foi preciso fazer num prazo muito curto decorrente da lei, em que foi necessário dar resposta à informação que a supervisão exigia neste período transitório, o que nos obrigou a dar muita informação não só sobre a associação, mas também sobre o grupo, em particular, em que foi necessário apresentar um plano de convergência e um de atividades a 10 anos. Além disso, havia ainda a necessidade de ajustar o regulamento benefícios porque havia um conjunto de aspetos que tinham sido preparados, primeiro por causa do código, depois por causa dos estatutos e do regulamento eleitoral. Tudo isso tinha de ser feito, procurando ao mesmo tempo dar a estabilidade não só no seio do próprio grupo, mas também externamente. Isto mostra que houve um conjunto de aspetos estruturantes e eu, que sou quadro do grupo há 44 anos – e estive envolvido em todas as entidades do grupo –, senti o dever, se for essa a vontade dos associados, de lhes dar continuidade. Foram estas as razões que me levaram a pensar que desafios temos pela frente, como é que os podemos superar, com quem e que papel posso ter nisso. E neste contexto decidi avançar.
O último ano esteve muito relacionado com a alteração e com a aplicação destas novas regras…. Sim, mas estas alterações na lei e este enquadramento visando a supervisão plena no fim do período de transição contou com este conjunto de exigências, que coincidiu com um ano de pandemia. A nossa atividade está centrada nas pessoas. Somos uma associação de pessoas e não de capitais, onde a relação é muito importante e, mesmo neste contexto, foi possível por força da marca e do trabalho da equipa de gestão do grupo conseguir um crescimento da margem associativa. Isto é, as poupanças dos associados cresceram em termos líquidos: 70 milhões no ano de 2020 e, este ano, até outubro atingiu os 100 milhões de euros. Também crescemos em número de associados: no último trimestre do ano passado começámos a ter um crescimento significativo e que se manteve este ano, em que já somos 602.800. Portanto houve um crescimento associativo e um crescimento da margem. Isto revela um quadro de resiliência e de confiança que os associados depositam na sua associação. Os resultados, que no caso da associação são excedentes – quando temos resultados zero estamos equilibrados –, são depois distribuídos sob a forma de melhorias que vão também contribuir para o crescimento dos fundos próprios que são necessários para equilibrar em termos de solvência o grupo complexo que somos: bancos, três seguradoras, várias sociedades financeiras, residências para estudantes e para a terceira idade. É um grupo que por tudo isso, em termos de modelo de solvência, tem que ter fundos próprios ajustados e tem de convergir para um nível de solvência adequado à complexidade do grupo. Foram estes os desafios do ano, mas neste contexto exigente julgo que o crescimento associativo, o crescimento em termos de número de associados, o aumento de margem e de resultados, a estabilidade que se conseguiu em termos internos e naturalmente com imediato reflexo externo e o facto de se ter dado cumprimento ao registo efetivo dos estatutos, do regulamento eleitoral, da revisão do regulamento benefícios representam medidas estruturantes para o futuro e que permitem que se realize este ato eleitoral na data regular de fim de mandato. Sem dúvida que estes foram os grandes desafios decorrentes das alterações legislativas e após a instabilidade que vivíamos no grupo diria que hoje essa nebulosidade, essas nuvens desapareceram.
Na apresentação da lista disse que ‘este é um momento crucial da vida coletiva, que não permite aventureirismos ou novas experiências’. Que aventureirismos podem ser esses? O momento vivido pela instituição exige, face aos desafios que se identificam, uma robustez na resposta. Em termos de competência, de experiência, de provas dadas e foi em função do que se pretende atingir que as pessoas foram escolhidas. É preciso haver continuidade com renovação, mas sem ruturas. E no quadro do mutualismo, em que há uma inter-ajuda, uma solidariedade, uma ação recíproca entre as pessoas estes valores têm que ter continuidade. Alterações ou ruturas que se pudessem eventualmente observar são perturbadoras, são geradores de instabilidade. Essa instabilidade observou-se no passado e não é da gestão de A ou de B. Foram as circunstâncias que levaram a essa instabilidade que não ajuda nem a atividade, nem os associados. Daí esta necessidade de continuidade. E isto é um trabalho de muita gente, da gestão da associação, da gestão das pessoas do grupo, de tanta gente que trabalha no dia-a-dia que neste contexto deu esta resposta. Ter aqui ruturas ou atitudes centradas em si mesmo não faz sentido, têm de estar centradas nos outros. É a nossa natureza.
Essa renovação passa pela renovação de equipas ou de estratégia? A estratégia tem que se ir ajustando continuamente em função da evolução e do enquadramento da atividade em termos setoriais, em termos da economia no seu todo, mas em particular em termos da evolução da necessidade dos associados e dos clientes. É em função deste diagnóstico que temos de ajustar continuamente a estratégia e, portanto, é fundamental ter linhas rumo bem definidas, saber para onde queremos ir e depois ver como e com quem podemos lá chegar. E é aí que surge a necessidade de continuidade em relação ao que está bem e apostar na renovação em termos de procura do perfil da gestão ou dos novos candidatos às missões que se identificam como necessários. E foram esses os critérios de escolha, em função do que queremos fazer, quem o pode fazer melhor dentro da nossa comunidade associativa.
Acha que os portugueses compreendem melhor este conceito de mutualismo? Julgo que os períodos de crise trazem sempre ao de cima a importância do mutualismo. E há um crescimento extraordinário na adesão a esta conceção de organização para que os cidadãos possam resolver os seus problemas. O Montepio foi na sua origem muito inovador para responder a necessidades que não existiam, que não eram satisfeitas por entidade nenhuma e, por isso, os cidadãos organizaram-se. Em regra, e historicamente, nos períodos de crise o mutualismo cresce, por vezes, depois passada a crise, a ideia vai reduzindo. Agora temos assistido a um crescimento extraordinário e a adesão associativa mostra isso, mesmo neste contexto de crise, as pessoas identificam-se com as respostas que o mutualismo dá e isso explica a expansão que estamos a ter.
O facto de os produtos mutualistas não beneficiarem do fundo de garantia de depósitos é um problema que está ultrapassado? Ou a entrada da ASF [Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões] veio dar mais confiança? A presença da Autoridade de Supervisão de Seguros é muito desejada porque é mais um escrutinador independente que vem validar a gestão. Temos os mecanismos de controlo interno, de validação que democraticamente estão presentes nas assembleias-gerais, a par dos dos auditores internos, externos, do conselho fiscal, ou seja, temos diferentes mecanismos de validação, mas a existência de um supervisor independente que nos escrutine é também um fator de confiança que muito desejamos. Nos nossos 181 anos nunca houve incumprimento algum face às expectativas criadas pelos associados no momento da adesão. Mesmo no ano passado, em que 2020 foi atípico, distribuímos melhorias aos associados. As melhorias são os tais excedentes, os tais resultados além da expectativa que o associado tem no momento da sua adesão. A melhor garantia é a solidez do grupo, um grupo que dê resultados, que globalmente tenha uma boa gestão, uma boa articulação com a Associação e em conjunto gera resultados positivos. Neste momento, com os resultados de todos, o grupo tem no final de outubro resultados positivos. A Associação tem 17 milhões, o banco no ultimo trimestre teve resultados positivos de 19 milhões e todas as restantes entidades do grupo estão a dar resultados positivos.
Ao contrário do que se verificou em 2020, em que apresentou um prejuízo consolidado de 86 milhões… Consolidado, fruto dos resultados que o banco teve nesse exercício. E onde pontuaram custos extraordinários não recorrentes, como a provisão para os efeitos das moratórias no valor de 70 milhões e 24 milhões para custos de reestruturação. O banco neste momento está a cumprir os seus planos que foram aprovados pela acionista, pela supervisão. Globalmente o grupo está, em termos consolidados, a ter resultados positivos.
Os custos de reestruturação estão relacionados com o fecho de balcões e com a saída de trabalhadores? São custos de ajustamento decorrentes do encerramento de alguns balcões e este encerramento atingiu o ponto ótimo, não está previsto o encerramento de mais balcões. E houve numa base voluntária – outra coisa não seria de se esperar num grupo dirigido às pessoas, onde os trabalhadores também são associados – uma adesão a mecanismos de reforma antecipada e de rescisão por mútuo acordo que naturalmente envolvem custos na saída. A própria desmobilização dos espaços físicos tem custos e foram esses custos de 24 milhões de ajustamento não recorrentes. Saíram do grupo até este momento cerca de 450 pessoas e não tem havido nenhum ruído por isso.
Essa também tendo sido a tendência dos outros bancos… Justamente, na medida que o relacionamento com os clientes vai também sendo feito muito à distância, as pessoas vão menos aos espaços físicos e temos migrado trabalhadores dos espaços físicos para essas áreas onde há um maior crescimento ao nível da digitalização e dos canais à distância. Curiosamente nestes canais à distância, não havendo presença física, exige-se uma maior proximidade e essa proximidade e essa comunicação requer também pessoas. Mas é a evolução natural do mercado e do sistema em Portugal e no mundo. Esse acompanhamento vai sendo feito pela gestão do banco no sentido de responder às necessidades dos seus clientes consoante a forma com que eles nos procuram. Mas continua a haver a necessidade de uma presença física e de uma proximidade porque o banco também é o distribuidor do conjunto de produtos das entidades do grupo, em particular, da associação. Com a separação, e bem, em 2015 – vivemos até aí com estruturas únicas – tivemos de replicar muitas estruturas, mas a rede de distribuição manteve-se, portanto o banco é um prestador de serviços à associação nesta distribuição. E os nossos 600 mil associados são uma componente fundamental dos clientes do banco: mais fidelizados porque são as suas poupanças que estão no capital do banco. E são 2.400 milhões com esta autonomia que tem de existir, mas naturalmente há uma proximidade e parcimónia na utilização dos meios, procurando sinergias no grupo que nos permite operar com menos custos. Se no momento da cisão tivemos que replicar estruturas, hoje estamos a tentar responder, reunindo as áreas com as mesmas familiaridades das diferentes entidades para uma empresa especializada, para darmos resposta a todas as necessidades do grupo, com muito menos custos porque reunimos tudo numa entidade única.
Está prevista a saída de mais trabalhadores? Mais fechos de balcões não. Já houve um ajustamento ao nível das redes de distribuição. Em termos de transformação de processos há uma digitalização em curso que pode ela própria conduzir a mais algum ajustamento e, como tal, poderá continuar, mas sempre nessa base voluntária de reciprocidade de interesses.
Disse, no ano passado, que o banco tinha a dimensão estratégia para o grupo e que não estava à venda. Mantém-se essa ideia? Absolutamente. O banco e a associação são um todo e o banco é estratégico. O banco nasceu conceptualmente no mesmo momento da associação, mas para reunir capital para a abertura do banco foram necessários quatro anos. E quatro anos depois, em 1844, abriu o banco. Temos vivido sempre juntos e há uma relação profunda entre as duas entidades: sem prejuízo de autonomia que é necessária, mas com proximidade e com articulação que é precisa. E, neste sentido, o banco é absolutamente estratégico e fundamental para a associação. Não está à venda. Temos que ser sempre a entidade titular. Qualquer parceiro, mesmo da economia social, que já antes do crescimento destas imparidades foi uma solução que se procurou. Era talvez a única entidade da economia social que poderia ter músculo para essa situação, mas pelas razões conhecidas, não teve seguimento. Mas com as imparidades atualmente constituídas temos o dever de recuperar estas imparidades porque elas traduziram-se em prejuízos no banco neste período de crise e foi suportado por aumentos de capitais que foram poupanças dos associados. No entanto, como as imparidades são reversíveis, basta que o banco cumpra os seus planos de negócios para podermos recuperar essas imparidades. E, portanto, qualquer parceria neste momento, implicaria que a recuperação dessas imparidades fosse partilhada por uma entidade da economia social que estivesse connosco.
A Santa Casa chegou a entrar mas acabou por ficar com uma posição muito pequena… Exatamente. Temos no capital do banco 30 e tal entidades da economia social, mas a Associação Mutualista tem 99,99% do capital total do banco. Agora, recuperadas essas imparidades, poderemos voltar a ter parcerias. Mas esta recuperação não é instantânea, leva seguramente alguns anos e só, a partir daí, e que poderemos fazer parcerias com entidades da economia social e à escala europeia. Existem entidades com este perfil que poderão ser parceiros, mas sempre com o domínio da associação mutualista no capital. Fazemos parte da Associação Internacional das Mutualidades, onde conhecemos todas as mutualidades europeias e poderá haver aí caminho, mas isso é matéria que a seu tempo se verá. Neste momento não. É preciso recuperar as imparidades.
O reforço da Santa Casa poderá estar fora de questão? Pelas razões que levaram às dificuldades na tomada de uma posição mais robusta no momento inicial, esses condicionalismos mantêm-se e portanto não é de esperar por aí uma evolução relevante.
No programa que apresentou na semana fala em captar aumentar associados. Tem alguma meta? Vamos estabelecendo metas de crescimento sempre nos nossos planos trienais, em particular, no primeiro ano desse triénio. Os planos eram de três anos porque estavam associados ao período de cada mandato e de cada equipa de gestão. O período passa agora para quatro anos e se a escolha dos associados recair na candidatura que propomos naturalmente os planos serão ajustados a este período de quatro anos, de uma forma deslizante, em que cada ano se vai ajustando em função da evolução e do cumprimento. E queremos crescer. Há um espaço de crescimento extraordinário em termos associativos, desde logo há por parte da comunidade um potencial de adesão extraordinário que se está a observar, mesmo neste contexto de crise. Há uma parcela de clientes do grupo que ainda não são associados e cada cliente que se transforma num associado passa a beneficiar enquanto associado de resultados que ajuda a gerar enquanto cliente. Isto é uma diferença única. Todos se querem diferenciar e nós que temos esta diferença única temos de a fazer valer. Isto poderá trazer mais associados, mas a própria associação tem um potencial de atração de novos associados, em particular em domínios como a economia social. A economia social é o terceiro empregador no país, há muita gente que partilha destes valores e poderemos junto das entidades da economia social, com quem temos uma relação longa e boa, mas onde há ainda um trabalho extraordinário em termos estratégicos para atrair novos associados nestas famílias da economia social. E com isto não é apenas crescimento associativo porque o associado pode transformar-se num cliente do grupo. Se quiser: cada cliente um associado e cada associado um cliente do grupo, entrando pelas duas vias e trabalhando articuladamente em benefício comum. E à medida que vamos detetando necessidades da comunidade devemos evoluir a nossa oferta para as satisfazer, em particular, no domínio da saúde, da habitação, no apoio à velhice e à juventude. Já temos nesta área residências para seniores e para jovens com muita procura. Hoje servimos nas residências para seniores cerca de mil utentes. E criámos emprego para 800 pessoas com este projeto de residências nos últimos anos. Deveremos orientar o crescimento e o desenvolvimento de residências em função da procura consoante sintamos existir essa necessidade por parte dos associados, criando modalidades em que as pessoas se inscrevam. São áreas novas que queremos desenvolver e que têm um grande potencial de crescimento e de adesão.
Lançaram um cartão de saúde. É um cartão de saúde que oferecemos gratuitamente aos 600 mil associados e oferece descontos nas entidades de referência do setor em todo o país. Temos parcerias com mais de mil entidades no país em setores diversos com descontos substancias. Em cima disso, criámos um seguro de saúde com ligação à nossa seguradora de ramos reais, a Lusitania, que tem uma resposta adequada às necessidades de cada um, mais ou menos completo. É um produto que foi recentemente lançado e que está em expansão. Mas no domínio da saúde há mais para fazer. É preciso pensar em mecanismos de saúde que tenham uma componente preventiva, que pode ser de grande utilidade social para os associados, minimizando a sinistralidade. E nessa medida também permite reduzir custos.
Uma das listas concorrentes aponta o dedo aos preços que são cobrados nas residências, considerando que não acessíveis a todos os associados… As exigências numa residência são extremamente rigorosas para que possa cumprir todos os requisitos. Observámos que muita da procura estava concentrada em zonas urbanas, onde o próprio custo dos terrenos e da construção é mais elevado. E começámos por responder a esses mercados. Abrimos duas residências em período de pandemia, onde não foi possível imediatamente pelas circunstâncias preencher esses espaços, aliás foram utilizados e cedidos para apoio às entidades de saúde, no sentido de acolher pessoas que saíam dos hospitais para libertar espaços para doentes covid. Aumentámos também os cuidados continuidades e isso é negociado a preços muito interessantes. Mas nestas áreas, com estas exigências de serviços e com estes custos pensamos que para o serviço que é oferecido, os preços são muito bons e competitivos. Podemos evoluir para zonas onde o custo dos terrenos e da edificação é menor e nessa medida conseguiremos certamente soluções mais competitividade para associados que tenham esta necessidade e que não tenham a capacidade de se servirem das residências que, sendo competitivas e sendo a um preço justo, não estão ao alcance do rendimento disponível de todos associados. No entanto, este alargamento para zonas mais baratas terá de ser feito em função da procura para percebermos onde é que temos de abrir residências no futuro. Mas isso sempre em função da adesão associativa e da sua origem geográfica. Com essa disseminação por zonas mais baratas podemos ter uma oferta mais ajustada a outros níveis do rendimento disponível das famílias e isso está no nosso horizonte.
As residências para estudantes são uma apostas mais recente… Sim. O projeto começou a ser concebido e a ser implementado há cerca de três ou quatro anos. Hoje já temos residências nas principais cidades e com desconto especial para associados. Temos tido uma procura extraordinária. Temos as residências ocupadas, exceto neste período de pandemia, logo no momento de abertura. E isto também é para servir as famílias dos associados, que vêm de zonas geográficas das mais diversas e acorrem aos grandes centros onde estas residências estão. Têm tido uma procura superior à oferta. É algo que devemos prosseguir.
E como pode ser dada a resposta à habitação? O Montepio chegou a ser, a par da Santa Casa, um dos maiores proprietários… Tivemos no passado um forte investimento em habitação e no arrendamento dessa habitação aos associados. Depois, com os mecanismo de apoio bonificado à compra de habitação, o banco, como instituição de crédito especializada na construção de habitação, foi a par da Caixa Geral de Depósitos e do Crédito Predial Português uma das três entidades dedicadas ao apoio à construção e habitação, o que explicou um grande crescimento da própria atividade bancária nesse período. Hoje em dia sentimos que há franjas e necessidades que não são satisfeitas no domínio da habitação e, com mecanismos ajustados que estão em conceção, pensamos que, como no passado já o fizemos, teremos condições para dar esse o apoio à habitação de forma a que no final do período a casa seja do associado e que possamos desenvolver essa oferta, ligando isso às modalidades mutualistas nas zonas onde sintamos uma maior necessidade de apoio à habitação. E essas necessidades existem.
Como pode funcionar? Através do pagamento de uma renda e depois ao final de x anos passa a casa para o associado? Ainda está em conceção. Será um mecanismo de poupança, ou seja, no fim permite a constituição de uma poupança para a aquisição final, mas até lá vai cumprindo o pagamento dessa renda. Mas será um fundo que irá permitir a propriedade plena no final.
Mas com edifícios que já existem ou novos? Ambas as situações. Podemos, como já no passado, construir em alguma situações e poderemos noutras fazer a ligação à nossa atividade, nomeadamente bancária. Hoje temos numa das nossas entidades 300 habitações arrendadas, na periferia das grandes cidades com rendas muito acessíveis. Isso não é conhecido, mas os associados beneficiam desses preços especiais. E aqui houve uma ligação à atividade do banco, no sentido que determinado tipo e determinadas habitações que decorrem da atividade normal do banco vieram para a nossa participada que vendeu alguns ativos e outros arrendou. Temos já um número significativo de habitações e no fundo é o desenvolvimento desta política, mas ligando a isto a uma modalidade associativa e não à renda pura.
Acha que a ideia de instabilidade não só do banco, mas também do grupo já foi ultrapassada? Havia uma instabilidade e pairavam algumas nuvens sobre o Montepio, mas essa instabilidade foi superada. Foi um processo exigente, que deu muito trabalho, que envolveu muita gente de todas as entidades e, em particular, de quem está em contacto com os associados e com os clientes. Mas essa instabilidade – que era interna, mas que depois passava para o exterior – colocava dúvidas num grupo, em que historicamente somos conhecidos pela credibilidade, pela confiança, pela reputação muito forte. Decorridos este 22 meses penso que conseguimos uma estabilidade que importa manter e desenvolver.
A mudança de imagem esteve relacionada com esse processo? A mudança de imagem está relacionada com ajustamentos que ao longo da nossa história se vão fazendo nas diferentes entidades em função da evolução destes domínios. Também houve a necessidade dessa separação: o que é banco é banco, o que é associação é associação, apesar de grande parte dos clientes do banco serem associados e vice-versa. E naturalmente a imagem tem de acompanhar essa diferenciação efetiva.
E como vê as comparações entre o Montepio e o BES? Acho que essa comparação sempre foi desajustada porque quem apoia o banco e as empresas do grupo e quem sempre apoiou nestes períodos de crise foi a casa mãe e não o contrário. Não é o banco a servir o grupo. É a base do grupo, a associação a servir o banco e as outras empresas. Isto é uma diferença substancial e sem ajudas públicas, mesmo quando elas foram aplicadas a todos os bancos, o Montepio não teve necessidade disso, foram os associados que responderam. Em períodos de crise, a associação sempre acorreu ao banco. Em períodos de normalidade é o banco que dá o retorno aos associados, mas isto tem de ser visto em períodos mais longos e não tão instantâneos. E historicamente, o retorno do banco à associação não se compara a nenhuma aplicação alternativa. É extraordinária, claro que em períodos de necessidade do banco são os associados que ajudam a sua entidade. Mas devemos naturalmente ter uma gestão criteriosa, onde o nível de concentração se vai ajustando progressivamente. Em períodos de crise houve necessidade de acorrer, agora em períodos de normalização naturalmente os ativos da associação crescerão e o peso relativo destas entidades diminui, passando a haver menor concentração. É este o crescimento que prevemos para ganhar um peso maior.
Está previsto um novo reforço de aumento de capital? Essa é uma matéria sobre a qual naturalmente teremos uma grande atenção. Cumpre ao acionista e aos órgãos que representam os associados junto das suas participadas levar a cabo os planos aprovados e não se demitirá dessa função e depois com proximidade fazer o seu controlo. Para cumprir essa estratégia tem de nomear os órgãos adequados e não nos demitiremos disso. Isso é fundamental para a articulação do grupo, mas com autonomia de funcionamento. Naturalmente com essa proximidade e com esta atitude de exercício dos direitos do acionista acompanhamos as necessidades das nossas diferentes entidades em termos de futuro e em termos de capital, o que é uma matéria fundamental. Os planos demonstram é que as entidades têm capacidade de geração endógena de capital que permitirá responder às suas necessidades. Claro que poderá haver sempre um evento extremo.
Como aconteceu com a pandemia… Mesmo com a pandemia, o banco não teve necessidade de capital acrescido. No princípio de 2020 fizemos, não em termos de capital mas de quase capital, um empréstimo subordinado de 50 milhões. Mas os planos aprovados pelo acionista, isto é, pela associação mutualista e também pelos reguladores estão a ser cumpridos e permitem-nos esperar que no horizonte previsível a três anos, e em mais anos em algumas situações, não se antevê necessidades de capital nas suas entidades. Por exemplo, em relação ao banco que é a entidade mais relevante neste contexto há um conjunto de ativos que poderão – por incumprimento ou por acumulação de imóveis – ser libertados, sem prejuízo para a sua conta de resultados, dado o nível de imparidades já constituído e ao saírem do banco libertarão muito capital. Há aqui uma recapitalização implícita. E esse é um trabalho que naturalmente está a ser preparado pelo banco, em articulação com o acionista e que poderá por si só ter uma libertação significativa. Parece-nos francamente viável e significará um mecanismo de recapitalização implícita muito relevante. É muito capital que está associado a estes ativos e que aplicado gera um potencial de libertação de capital muito significativo, além de reduzir as fragilidades que a detenção destes ativos determinam e que impactam depois nos rácios de capital, em que estes podem ser melhorados em função da redução destas ditas fragilidades.
Na aprovação de contas, o auditor deixou alertas e níveis de risco… As questões principais colocadas pelos auditores e a reserva por desacordo estão relacionados com os ativos por impostos diferidos e depois também com a continuidade. Nos ativos por impostos diferidos são originados por diferenças temporárias que decorrem do facto de sermos uma entidade da economia social, onde tudo o que entra é receita e só é despesa quando há reembolso por parte dos associados. Mas pelos bons princípios de gestão, sempre que alguma poupança entra, constituímos a provisão inerente que é considerado custo nos seguros e em todas as outras entidades. dada a nossa matriz mutualista. A Autoridade Tributária não aceita como custo estas provisões, pelo que quando apuramos o resultado temos que somar essas provisões aos resultados e sobre isso pagamos IRC. Mas temos direito à sua recuperação no reembolso. São diferenças temporárias. O auditor vem dizer que, como estamos a recuperar com a mesma atividade há aqui uma permanência, isso é uma interpretação que discordamos. Os anteriores auditores tinham um entendimento diferente. Procurámos o parecer de um terceiro auditor e que não está de acordo com a PwC, criámos um grupo de trabalho com os melhores especialistas, fiscalistas, revisores oficiais de contas e com representantes do conselho geral e fiscal da associação que concluiu que a PwC não tem uma posição correta. A PwC foi ouvida no âmbito deste grupo de trabalho, assim como os outros dois auditores que deram um parecer discordante do da PwC e a conclusão foi que a PwC não tem razão. Além disso, pedimos o parecer a dois especialistas – professores Pires Caiado e Azevedo Rodrigues – e também vieram dizer que a PwC não tem razão. Apesar da evidência destes factos, a PwC tem mantido essa posição e isso gerou ruído, mas estamos seguros com todas estas opiniões de especialistas que a nossa posição é a correta, como aliás a realidade confirma. Entregamos à AT IRC, somos contribuintes, mas recuperamos à frente. Temos é o custo do tempo: 5, 8 ou 30 anos depois. Por isso é que contestámos o relatório. A outra situação que colocam é a continuidade e quanto à continuidade julgo que não pode haver uma situação mais extrema do que a que se verificou em 2020. E apesar disso, nesse ano, crescemos na poupança dos associados e isso demonstra que, mesmo em situações de stress máximo, não está em causa essa continuidade.
O facto de ter assumido funções como presidente com a saída de Tomás Correia poderá prejudicá-lo nos resultados? Era vogal e passei a presidente pela escolha dos meus colegas. Relativamente a Tomás Correia coincidimos na gestão do grupo Montepio, mas não coincidimos em diferentes visões sobre as questões do grupo Montepio. Naturalmente convergimos noutras. Neste contexto é previsível e é natural a sua não ligação a esta lista, aliás já publicamente referiu que não apoia a lista institucional que temos a obrigação de apresentar. Estará ligado a outra lista, mas não comento outras listas. Nestes 22 meses trabalhámos na resolução dos problemas com que nos deparámos, mas alguns nuvens que pairavam – usando a imagem de há pouco – sobre o Montepio e sobre o mutualismo creio que se dissiparam e que hoje temos uma estabilidade.
Este ano as eleições conta com uma novidade que é o voto eletrónico… Dentro dos 600 mil associados há 500 mil que podem votar porque é preciso alguma antiguidade associativa e um conjunto de requisitos. Pensamos que deve haver um sufrágio forte, efetivo e a ideia do código e da revisão estatutária em conformidade com essa alteração legislativa através do código das associações mutualistas é criar uma maior facilidade de votação para comunidades tão alargadas. O voto eletrónico procura isso mesmo, mas tem exigências de validação e de fiabilidade. O voto por correspondência também foi admitido para poder servir quem dele tenha necessidade. E foi perguntado a cada associado se queria votar por correspondência e aos que responderam positivamente ser-lhe-á enviado um kit. Temos também o voto presencial porque há um conjunto de associados que poderá não ter aderido aos outros sistemas e a comissão eleitoral decidiu alargar os pontos de votação presencial a um conjunto alargado de locais no país, onde a densidade associativa é maior.
A maioria dos associados pediu para votar por correspondência? Não, foi uma pequena parte. A votação eletrónica e a votação presencial vão ser muito importantes.