O novo aeroporto de Lisboa é um processo que se arrasta há décadas. Quando acontecerá e onde será construído são as duas principais questões em cima da mesa. Para a primeira, a resposta mais consensual é que não deverá ser decidido antes de 2023, mas a baliza temporal para uma nova infraestrutura aeroportuária operacional pode ir até 2035/2040, tal como já tinha referido o presidente do conselho de administração da ANA — Aeroportos de Portugal. Quanto à segunda incógnita, o mais certo é que passe por uma solução no Montijo. Isto porque no passado dia 8 de novembro, a declaração de impacte ambiental favorável ao aeroporto de Alcochete foi declarada «caducada» pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria.
De acordo com o despacho judicial a que o Nascer do SOL teve acesso, a ADASE – Associação para a Defesa Ambiental de Santo Estêvão, deu entrada de uma petição naquele tribunal, a 3 de março de 2011, contra o Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território e a empresa proponente do projeto, entretanto extinta, a NAER – Novo Aeroporto S. A., em que requeria «a declaração de nulidade ou anulação da declaração de impacte ambiental emitida pelo secretário de Estado do Ambiente», no âmbito do projeto designado por Novo Aeroporto de Lisboa.
Esta declaração de impacte ambiental do projeto pensado para o Campo de Tiro de Alcochete foi emitida a 9 de dezembro de 2010, por Humberto Delgado Rosa, secretário de Estado do Ambiente do Governo de José Sócrates.
Contudo, e segundo o tribunal considerou agora provado, a sua validade caducou a 8 de dezembro de 2020, tal como comprovou a APA – Agência Portuguesa do Ambiente, junto da Justiça. Motivo esse que levou a ADASE a peticionar a nulidade da declaração e ao qual o Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria deu razão.
Em 2020, um grupo de cidadãos ligados à margem Sul, entre eles sete presidentes de câmara eleitos pelo PCP na Área da Grande Lisboa, ainda escreveu uma carta aos ministros das Infraestruturas e do Ambiente e Ação Climática a tentar travar a caducidade da declaração de impacte ambiental. Mas o pedido de extensão de validade foi negado pela APA, porque os termos da lei não permitiam fazer nova prorrogação, uma vez que o prazo já tinha sido estendido por duas vezes em dez anos.
Tendo em conta que agora a declaração foi mesmo dada como caducada, isto significa que um eventual aeroporto em Alcochete teria de ser repensado desde a estaca zero, envolvendo novos e avultados investimentos em estudos de impacte ambiental. Por essa razão, dificilmente a nova solução aeroportuária de Lisboa deixará de ser equacionada para o Montijo, cuja declaração de impacte ambiental favorável, apesar de condicionada, caduca apenas em 2024. E é expectável que a avaliação ambiental estratégica, que será entregue ao Governo em 2023, consiga ultrapassar as dúvidas de legalidade levantadas numa decisão do Tribunal Fiscal de Almada sobre este projeto na base aérea do Montijo.
Anos de avanços e recuos A necessidade de criar um novo aeroporto ganhou maior revelo no Governo socialista de José Sócrates. A Ota foi apontada como a primeira alternativa pelo ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, Mário Lino que, na altura, considerou que se o projeto fosse bem conduzido levaria 12 anos a implementar. «É um grande projeto de investimento», referiu na altura.
A ideia acabou por ser abandonada e foram gastos em média 2,7 milhões de euros anuais só em estudos. Seguiram-se outras alternativas após estudos realizados por vários associações. Por um lado, surgiu a alternativa do Campo de Tiro de Alcochete. Uma ideia avançada pela Confederação da Indústria Portuguesa (CIP), entidade que promoveu a realização do estudo que apresentou esta localização como alternativa à Ota.
Uma solução que não agradou a Mário Lino e acabou por ficar famoso com a sua expressão do «jamais».
Depois de muito impasse, a solução considerada para avançar foi Alcochete e acabou por ser anunciada pelo próprio José Sócrates, mas também não avançou.
Já no Governo de Passos Coelho a necessidade de alargar trouxe a opção Montijo, uma localização mantida pelo Governo de António Costa.
Depois de muitos avanços e recuos, foi então a 8 de janeiro de 2019 que o Governo assinou com a ANA um acordo tendo em vista a expansão da capacidade aeroportuária de Lisboa, com o objetivo de aumentar o atual aeroporto da Portela e transformar a base aérea do Montijo num novo aeroporto, naquilo que será um investimento estimado de 1,15 mil milhões de euros, a ser concretizado até 2028.
Desde então até aqui, muito se discutiu sobre esta localização, os benefícios e os riscos. Em março desse ano, a associação ambiental Zero interpôs uma ação judicial contra a APA, para que seja efetuada uma Avaliação Ambiental Estratégica ao novo aeroporto do Montijo.
No mesmo ano, as câmaras da Moita e do Seixal mostraram-se contra a construção do aeroporto naquela localização, opinião partilhada por 11 cientistas universitários.
Entre avanços e recuos, o Governo não conseguiu convencer estas autarquias – algo que pode mudar agora uma vez que a Câmara da Moita mudou para o partido do Governo nas últimas eleições – e, mais tarde, já em março deste ano, surge mais uma machadada: A Autoridade Nacional da Aviação Civil (ANAC) anunciou não fazer apreciação prévia de viabilidade para efeitos de construção do Aeroporto Complementar no Montijo, solicitada pela ANA – Aeroportos de Portugal. Isto porque não existia parecer favorável de todos os concelhos afetados.
Nessa altura, o Governo reagiu e, perante a decisão da ANAC, decidiu avançar com um processo de Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) que mantém Montijo como opção, mas volta a colocar em cima da mesa o aeroporto em Alcochete. Estão então em cima da mesa três possibilidades: Portela como aeroporto principal e Montijo como complementar; Montijo como principal e Portela como complementar; novo e único aeroporto em Alcochete. E o Governo já apontou a entrega do documento apenas para 2023, o que significa que não existirá um novo aeroporto antes disso.
Mas os problemas ainda continuam. Ainda esta semana, o CEO da ANA garantiu que se a opção Montijo chumbar, não há plano B. Thierry Ligonnière explicou que, caso esta opção não avance, «é preciso fazer um novo projeto de aeroporto e um novo estudo de impacte ambiental. Um novo projeto são dois anos».
A ANA defende a opção Montijo mas lembra que a decisão final não está nas suas mãos. «É a solução mais rápida e mais barata e a que tem menor impacto ambiental», disse, acrescentando que «o que vai estar em cima da mesa será o que o Governo decidir. Nós somos uma concessionária e não decidimos».
No entanto, Thierry Ligonnière lembrou que «tempo é dinheiro», até porque «no caso do Montijo já temos o projeto. Se, efetivamente, depois da AAE, outra opção for seguida, obviamente que isto vai demorar mais tempo».
E deixou outro alerta: «Nós temos vontade de investir, temos o projeto pronto. Obviamente que uma solução mais cara vai ser mais difícil encontrar soluções de financiamento».