Este é provavelmente o melhor programa da televisão portuguesa. Faz-me lembrar os programas do meu tio José Hermano Saraiva, mas não é por isso que o aprecio. Até porque entre eles também há diferenças essenciais.
Embora o meu tio convidasse por vezes pessoas para os seus programas, depois não as deixava falar. Algumas entravam e saíam de cena sem abrir a boca.
Na Visita Guiada de Paula Moura Pinheiro, pelo contrário, são os convidados que fazem o programa. Ela funciona como ‘catalisador’. Faz umas perguntas, dá umas achegas, por vezes faz uma observação pertinente, mas são eles os grandes protagonistas.
Outra diferença importante é que, enquanto o foco dos programas do meu tio era quase sempre a História, o de Paula Moura Pinheiro é a arquitetura. Na Visita Guiada, os edifícios ganham muitas vezes o primeiro plano. Percebe-se que a arquitetura interessa à autora. Ainda recentemente fez um excelente programa sobre Cottinelli Telmo, com um ótimo convidado: o arquiteto João Paulo Martins.
Paula Moura Pinheiro fala de igrejas, de conventos, de edifícios mais antigos ou mais modernos (lembro-me de um programa sobre o Hotel Ritz), enquadra-os na época, faz brevemente a sua história, fala de quem lá viveu, mas o que emerge no fim é o edifício – a obra. Nos programas do meu tio, os monumentos eram geralmente um pretexto para falar de episódios da História de Portugal. Na Visita Guiada, os edifícios não são um pretexto mas o fim.
O meu tio José Hermano tinha especiais dotes de comunicação – o que não quer dizer que fosse um ‘comunicador’, como alguns o definiam para o diminuir. Era verdadeiramente um historiador, um homem com uma enorme erudição que narrava a história com um talento impar – transmitindo à narrativa um cunho pessoal, que fazia a sua originalidade.
Paula Moura Pinheiro fala menos, mas não é por falta de dotes oratórios. Foi jornalista do Expresso quando eu era diretor, e uma vez, em conversa no meu gabinete, disse-lhe:
– Você fala invulgarmente bem!
Era raro em conversa banal ouvir uma pessoa falar tão bem. E era ainda muito jovem: na altura teria 23 ou 24 anos. Falava com fluência, com propriedade, escolhendo sem esforço as palavras certas. Mesmo expressões menos usuais na linguagem oral, mas apropriadas no contexto em que falava, ocorriam-lhe com surpreendente naturalidade.
As circunstâncias em que se tornou jornalista são muito curiosas. Fazia parte de um grupo que merecia ser estudado: um conjunto de revisores de texto do semanário Expresso, que começou por trabalhar na tipografia Mirandela e depois na tipografia CEIG, no Dafundo (entre Algés e a Cruz Quebrada). Era aqui que funcionava quando entrei para a direção do jornal.
Hoje os jornais são totalmente automatizados, e saem das redações para a rotativa prontos a imprimir. Mas na altura tudo era diferente. Das redações saíam folhas escritas em máquinas de escrever (a que chamávamos ‘linguados’), que estafetas iam levando para a tipografia – onde os textos eram escritos de novo (dizia-se ‘compostos’), revistos e paginados, segundo desenhos executados à mão pelo gráfico, que trabalhava na redação junto dos jornalistas.
O Expresso era um jornal muito grande, pelo que o grupo de revisores de texto era extenso. E incluía pessoas já maduras, que ali iam na perspetiva de ganhar algum dinheiro extra, ou gente no princípio da vida, como estudantes de comunicação social, que procuravam a sua independência financeira. E quase todas eram pessoas conhecidas ou viriam a sê-lo.
Esse magnífico lote incluía nomes como José Mário Costa (futuro fundador do Ciberdúvidas), José António Lima (futuro diretor adjunto do Expresso e do SOL), Torcato Sepúlveda (futuro coordenador da Cultura do Público), Conceição Lino (atual jornalista da SIC), Fátima Maldonado (poetisa) e a irmã Cristina Maldonado (pintora), João Pedrosa, Luzia Guerreiro, António Loja Neves, Paula Moura Pinheiro e mais alguns.
Quando se deu a modernização de processos de trabalho, com a digitalização das redações, os revisores passaram a trabalhar junto dos jornalistas e tiveram um upgrade de estatuto: foram designados copy desks, deixando de ser simples revisores, caça-gralhas, e começando a ter mais intervenção nos textos, suprindo erros ou deficiências dos jornalistas e colaboradores.
E alguns destes copy desks começaram a escrever – e a pouco e pouco foram promovidos a jornalistas. Foi o caso de Paula Moura Pinheiro. Que se tornou redatora de A Revista, na altura coordenada por Joaquim Vieira. Foi aí que tive algum contacto com ela. E impressionou-me a sua fluência oratória, a facilidade com que as frases naturalmente lhe saíam. Podia dizer-se que era ‘eloquente’.
Assim, se no seu programa Paula Moura Pinheiro fala pouco, não é por falta de talento – é por opção. Ela dá o palco aos convidados, que em geral são bastante bem escolhidos. Sendo especialistas nos assuntos de que falam, conseguem em geral ser claros, diretos e sabendo ir ao essencial (aqui a montagem terá um importante papel).
Em resumo: os temas são bem escolhidos, os convidados são bem escolhidos, a apresentadora faz talentosamente o seu trabalho, a montagem é simples e eficaz. Aqui está um programa cultural que não é chato nem pomposo nem pretensioso.
Exposta de um modo atraente, a cultura pode interessar a qualquer pessoa. O meu tio José Hermano Saraiva já o tinha provado. Paula Moura Pinheiro confirma-o.