A Câmara Municipal de Lisboa (CML) adquiriu “serviços de estudo de consultadoria sobre assédio moral e sexual aos trabalhadores do município” ao Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP) da Universidade de Lisboa. De acordo com informação veiculada no portal BASE – que disponibiliza informação sobre os contratos públicos celebrados em Portugal continental e regiões autónomas –, o contrato foi celebrado no passado dia 20 de agosto, anunciado a 18 de novembro, e o preço contratual é de 50 mil euros.
Através da análise dos detalhes do contrato, é possível entender que o prazo de execução estipulado do mesmo é de 365 dias. No site oficial do Centro Interdisciplinar de Estudos de Género (CIEG), verifica-se que este estudo integra a lista de “projetos em curso”, sendo que o i contactou a instituição de ensino em que esta unidade financiada por fundos nacionais, por meio da Fundação para a Ciência e Tecnologia, se encontra integrada. No entanto, até à hora de fecho desta edição, não obteve qualquer resposta.
Naquilo que diz respeito ao pedido de informação feito à CML, a mesma esteve em contacto com o i e esclareceu que a informação será revelada nos próximos dias, tendo em conta que a demora no envio desta se deve à transição entre o mandato de Fernando Medina e o de Carlos Moedas, sendo que este tomou posse como presidente somente no passado dia 18 de outubro.
O objetivo de “Eliminar e punir” situações de assédio No “Código de Boa Conduta para a Prevenção e Combate ao Assédio no Trabalho”, aprovado a 6 de dezembro de 2018 e veiculado pelos Serviços Sociais da CML, lê-se que “o assédio sexual e a intimidação são contrários à política dos Serviços Sociais da Câmara Municipal de Lisboa e contra a promoção de condições dignas de trabalho, nesse sentido o presente Código de Conduta para Prevenção e Combate ao Assédio no Trabalho visa estabelecer um conjunto de princípios que devem ser cumpridos no desempenho das atividades desenvolvidas pelos SSCML, sendo a expressão de uma política ativa por forma a dar a conhecer, evitar, identificar, eliminar e punir situações e comportamentos suscetíveis de consubstanciar assédio no trabalho”.
Este quadro legislativo aplica-se a todos os trabalhadores, colaboradores e titulares de cargos dirigentes dos Serviços Sociais da CML, as pessoas que “mantenham relações profissionais, comerciais ou outras” com estes, “mesmo que temporárias”, “a todas as relações no âmbito da atividade dos Serviços Sociais da Câmara Municipal de Lisboa, quer esta se desenvolva no horário de trabalho normal ou fora dele, na Sede, Refeitórios Municipais, Unidades de Educação ou em viagens de trabalho” e às relações decorrentes da “atividade dos Serviços Sociais da Câmara Municipal de Lisboa quer se realizem presencialmente ou através de tecnologias de informação e comunicação”.
No Artigo 4.º do capítulo I, denominado como “Disposições introdutórias”, é explicitado que se entende “por assédio a prática de um comportamento indesejado com o objetivo ou o efeito de afetar a dignidade da pessoa ou criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador”. É ainda especificado que o assédio moral se baseia “em ataques verbais de conteúdo ofensivo ou humilhante, e físicos, podendo abranger a violência física e/ou psicológica”. Segundo este “código de conduta” é clarificado que o assédio sexual ocorre quando existe “um comportamento indesejado de caráter sexual ou outros comportamentos em razão do sexo ou com conotação sexual que afetem a dignidade de qualquer pessoa, independentemente do sexo, podendo incluir quaisquer outros comportamentos indese jados sob a forma verbal, não verbal ou física”.
Naquilo que diz respeito ao primeiro caso, importa recordar o caso de Glória Novais, a funcionária pública de 59 anos, da Junta de Freguesia de Benfica, que esteve em greve de fome por desejar ser ouvida acerca do alegado assédio laboral e moral, assim como do racismo, de que terá sido vítima durante três mandatos: o de Domingos Alves Pires, o de Inês Drummond e o de Ricardo Marques. “Não temos conhecimento de quaisquer comportamentos discriminatórios por parte deste Executivo, visando a funcionária Glória Novais”, declarou aquele órgão, em resposta ao i, no passado dia 13 de outubro.
Relativamente ao segundo caso, a título de exemplo, António Cardoso, presidente da Junta de Freguesia de São Domingos de Benfica, foi acusado de assédio sexual, tendo sido esta queixa arquivada, mas também de assédio moral. Uma jovem então com 20 anos, de nome fictício Marta, alegou que o autarca que tomou posse, no ano de 2013, terá tido comportamentos e conversas impróprias para com ela, tendo até chegado a tentar agarrá-la e beijá-la. Ao jornal Público, a jovem relatou que o dirigente terá admitido que vira fotografias suas em biquíni, na rede social Facebook, e que terá gostado das mesmas. “Depois começou a perguntar se eu tinha namorado, se vivia com ele, se tinha sexo”, contou, avançando que quando a via, António Cardoso supostamente dizia que não a queria ver “tão tapada”, promovendo igualmente “conversas porcas”.
Se analisarmos os resultados do estudo “As mulheres em Portugal, hoje: quem são, o que pensam e o que sentem”, coordenado por Laura Sagnier e Alex Morell, para a Fundação Francisco Manuel dos Santos, divulgado em 2019, que compilou informação recolhida junto de 2,7 milhões de mulheres, entre os 18 e os 64 anos, concluímos que, à época, 16% responderam já ter sofrido assédio sexual no local de trabalho e mais de um terço (35%) confessou ter experienciado alguma das três situações consideradas de assédio moral no trabalho.
Naquilo que concerne o assédio moral no trabalho, este foi, acima de tudo, praticado por um superior hierárquico no qual a proporção de mulheres (43%) ultrapassava a dos homens (39%), sendo que o panorama é distinto no assédio sexual, pois este era maioritariamente praticado por um superior hierárquico (56%) ou colega (36%).
Notícia corrigida às 14h do dia 2 de dezembro: António Cardoso foi presidente da Junta de Freguesia de São Domingos de Benfica e não da de Benfica