Aung San Suu Kyi, a líder birmanesa deposta num golpe de Estado em fevereiro, deu por si condenada a quatro anos de prisão, por incentivo à rebelião e por quebrar as regras contra a covid-19, esta segunda-feira, num processo amplamente considerado como politicamente motivado. Já os generais das Forças Armadas birmanesas, ou Tatmadaw, que mantiveram a líder pró-democracia em prisão domiciliária entre 1995 e 2010, decidiram mostrar-se magnânimos, reduzindo a pena de quatro anos para metade. Mas Suu Kyi ainda enfrenta mais processos movidos pela junta militar.
O Presidente derrubado no golpe militar, Win Myint, também foi condenado a quatro anos de prisão no mesmo processo que Suu Kyi, sua companheira do partido Liga Nacional pela Democracia (LND, na sigla birmanesa). Entre os outros processos movidos pelos militares contra Suu Kyi, incluem-se alegações de corrupção, violação do segredo de Estado e posse de walkie talkies ilegais, num conjunto de acusações que pode resultar num total de mais até 120 anos de prisão.
Na prática, o que aconteceu esta segunda-feira na capital birmanesa, Rangum, foi um “julgamento-farsa”, acusou Michelle Bachelet. A ex-Presidente do Chile e responsável para os Direitos Humanos das Nações Unidas denunciou a perseguição de dissidentes pela junta militar e avisou que a condenação dos seus líderes só “aprofunda a rejeição do golpe”.
Não se trata de algo menor. Os militares e forças de segurança já mataram mais de 1300 pessoas nos protestos que se seguiram ao golpe de Estado, registou a Associação de Assistência para Prisioneiros Políticos, uma ONG birmanesa.
E cada vez mais jovens ativistas pró-democracia, apoiantes de Suu Kyi, fogem das cidades, indo para zonas rurais, para a selva ou para a montanha, receber treino militar dos vários grupos separatistas étnicos que combatem o Estado birmanês desde a independência.
O Tatmadaw nunca conseguiu manter pleno controlo das áreas fronteiriças onde vivem as minorias, seja os chin, no oeste, cachins, no norte, ou xãs, no leste. Mas agora arrisca ver a insurgência escalar em ambiente urbano, estando o movimento pró-democracia – sobretudo da etnia bamar, a maioritária no país – cada vez mais desesperado.
A questão é que Suu Kyi “mantém-se de longe a figura mais popular na política da política birmanesa”, salientou o historiador Thant Myint-U, à Reuters. “E pode ainda ser uma força poderosa no que está para vir”.´
É algo que ficou bem claro com o recente anúncio do Governo de Unidade Nacional, uma espécie de Governo no exílio, encabeçado pelo LND, que lançou os seus próprios títulos de dívida o mês passado, para financiar a “revolução”. Só no primeiro dia fizeram o equivalente a quase 5,6 milhões de euros, vindos sobretudo da diáspora.