Depois de um homem de 62 anos ter sido abatido a tiro por agentes da Guarda Nacional Republicana (GNR), por ter disparado contra os mesmos, no Pinhal Novo, no distrito de Setúbal, existe uma pergunta que se impõe: quantos elementos das forças e serviços de segurança e civis perderam a vida como consequência dos confrontos?
Segundo os dados veiculados nos Relatórios Anuais de Segurança Interna (RASI), do Ministério da Administração Interna (MAI), e nos Relatórios de Atividade da Inspeção-Geral da Administração Interna, nos últimos 10 anos, morreram, pelo menos, 15 civis e 12 polícias e militares.
De acordo com as contas feitas pelo i, em 2020, morreram, em serviço, dois elementos da GNR e um da Polícia de Segurança Pública (PSP), assim como três civis. Uma é atribuída à GNR, outra à PSP e uma ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), que deverá ser a de Ihor Homeniuk, cidadão ucraniano que morreu por asfixia lenta às mãos de inspetores do SEF no aeroporto de Lisboa, em março daquele ano.
Nos dois anos anteriores, não terão ocorrido quaisquer óbitos provocados por confrontos entre as forças de segurança e civis. Em 2017, um militar da GNR morreu e dois civis morreram em consequência da ação da PSP. Em 2016, morreram um militar da GNR e quatro civis: um às mãos da GNR e outro devido à ação direta da PSP. Há seis anos, foram registados os óbitos de um militar da GNR e dois polícias, sendo que não terão ocorrido óbitos. Porém, no RASI é frisado que somente foram comunicados os dados da PSP e da GNR.
Em 2014, não terá morrido ninguém, mas apenas a PSP deu a conhecer os números verificados. Em 2013, um elemento da GNR e outro da Polícia Marítima morreram, assim como dois cidadãos. Em 2012, um polícia e três civis e, há dez anos, um elemento da Polícia Judiciária (PJ) e um civil.
No entanto, estes números parecem não refletir a realidade. Na ótica de Pedro Carmo, presidente da Organização Sindical dos Polícias (OSP/PSP), “os números não são muito factuais”. “De quantas mortes injustificadas de civis ouvimos falar? Do caso do Ihor Homeniuk e pouco mais. A verdade é que os delinquentes atingem os membros das forças de segurança com o objetivo de eliminá-los. E, na maior parte das vezes, os elementos das mesmas, quando matam alguém, fazem-no em legítima defesa. De resto, são situações pontuais”, diz.
De seguida, lembra o caso específico de dois colegas que foram abatidos: Irineu Diniz, assassinado aos 33 anos, em 2005, na Cova da Moura, por um grupo de traficantes e, exatamente no mesmo ano, António Carlos Abrantes, de 30 anos, e Paulo Jorge Alves, de 23. Este último exercia funções há apenas seis meses.
“Não podemos trabalhar em liberdade e há falta de respeito. Adequamos as nossas intervenções àquilo que nos aparece à frente, é por isso que vamos escalando o nível de força se a pessoa não for colaborativa. E este tipo de polémicas faz com que cada vez mais se ponha em causa as forças de segurança e se deixe de as ver como quem protege, mas sim como quem agride”, avança, pedindo aos cidadãos que não desvalorizem o trabalho levado a cabo pelas autoridades “por um ou outro episódio que possam gerar dúvidas”.
“Somos punidos a nível dos tribunais e a nível interno. Temos um regulamento disciplinar próprio que nos pune pelos atos que e temos os tribunais. E, por sermos polícias, normalmente, as nossas penas são mais agravadas. É suposto fazermos as coisas de forma mais consciente. Basicamente, quase deixamos de ser humanos e não admitem que possam acontecer acidentes”, refere o dirigente. “Fiscalizamos o cumprimento da lei e fazemo-la cumprir, é simplesmente isso.
Esta cultura cívica portuguesa tem de começar a mudar. O próprio Governo não nos respeita, como é que os cidadãos podem fazê-lo? As pessoas ficam revoltadas e viram-se contra quem os deve fazer cumprir aquilo que está determinado”.
“As autoridades assumem um papel crucial na manutenção da tranquilidade e cumprimento da lei, ação cada vez mais complexa num Estado que vicia as pessoas em direitos e sentimento de desprezo pelos deveres de convívio social e mais gravoso, completo desprendimento pelo apreço de aspetos basilares como respeito pelo próximo, e até pelo progenitor”, começa por esclarecer António Barreira, coordenador da Região Sul da Associação dos Profissionais da GNR (APG/GNR), alinhando-se com Pedro Carmo ao salientar que “numa sociedade em que é crescente a violência entre familiares, é muito complexo ser guarda das pessoas, do território, das leis e de um Estado que não protege quem o mantém instituído”.
“A nossa jovem democracia tem-se construído numa perspetiva de que todos tenham acesso aos bens e serviços em igualdade, sem a exigência de que se saiba viver em sociedade. Também não me parece que alguns líderes do Estado sejam bons exemplos de respeito”, declara, recordando as recentes declarações do ex-ministro do MAI Eduardo Cabrita. “Declarações que foram noticiadas no âmbito do acidente com uma viatura utilizada pelo MAI e que teve como resultado uma vítima mortal”.
“Verificamos a banalização da agressão à autoridade, não esquecendo o desespero dos familiares, amigos e camaradas dos militares da GNR que tombam em serviço, cumprindo o seu juramento para com o país e com o povo português”, explica o coordenador da APG/GNR.
“Cada vez mais os operacionais estão órfãos de tutela, imperando o silêncio quer na recriminação a agressões, quer na conceção de medidas concretas de apoio aos militares ou polícias, designadamente endurecimento das punições ou obrigação de constituição de assistente por parte da instituição em que o agente de autoridade serve”.