A elaboração das listas de candidatos a deputados obedeceu, desde sempre, a um complexo tricô partidário, um ritual cuja orientação tem quase tudo a ver com a vontade dos diretórios políticos e quase nada com a defesa e a representação das populações, que se limitam a votar de cruz no ‘clube’ em que pontualmente se reconhecem.
Em legislativas antecipadas, esse tricô ganha contornos ainda mais delicados, com forte incidência na lealdade ao ‘chefe da tribo’. Ao contrário da memória coletiva, que é curta, a memória dos partidos é funda e tecida de muitas conspirações, ao sabor de arranjos e de equilíbrios de ocasião.
Em relação às próximas eleições, os elencos de candidatos já conhecidos confirmam o acerto de um título publicado no Observador – A lista negra de Rio e a lista velha de Costa.
O título não errou. De facto, prevaleceu no PSD o apeamento sumário de quem esteve do lado de Paulo Rangel nas diretas, segundo a bitola do ‘ajuste de contas’ promovido por Rui Rio. O espírito de unidade evaporou-se. Ficaram ‘de castigo’.
Rio quis privilegiar os seus fiéis nas listas, hostilizando quase metade dos eleitores social-democratas. Os diretórios renderam-se às escolhas e os acólitos festejaram. Como a ‘lista negra’ foi ditada pela vontade soberana do líder, a bancada parlamentar há de recompensar o critério, seja o PSD governo ou oposição.
Já António Costa apostou em candidatar meio Governo ao Parlamento, movimentando a seu bel-prazer os peões disponíveis, num xadrez que só ele domina.
Para quem achasse que este Governo precisava há muito de ser ‘recauchutado’, perante o evidente desgaste de vários ministros, Costa repetiu o método usado com os devotos do Sócrates, recuperando-os um a um. E deu-se até ao luxo de investir em alguns como ‘cabeças de cartaz’. Moral da história: ou o PS se debate com uma grave crise de quadros, ou Costa tem horror à renovação do seu ‘séquito’.
Contas feitas pelo Expresso, Costa apostou em 31 governantes como candidatos, dos quais 12 são ministros.
Se o PS ganhar as eleições, é óbvio que haverá deputados que mal se sentam no hemiciclo, em trânsito para o executivo seguinte. É a ‘porta giratória’ a funcionar entre São Bento e a Gomes Teixeira.
Quanto ao PSD, a purga ‘prescrita’ por Rio garante-lhe, à partida, uma bancada obediente, predisposta a votar, disciplinadamente, à esquerda ou à direita, consoante o líder quiser. Suspeita-se que o pensamento próprio irá ‘recolher a quartéis’…
Dir-se-á que sempre foi assim e que os eleitores não escolhem pessoas, mas partidos. O certo é que se desvaloriza cada vez mais a qualidade dos deputados ou a sua proximidade às populações.
Quem proceder a uma análise objetiva do Parlamento, concluirá, sem dificuldade, que baixou a qualidade média dos deputados, por comparação com o hemiciclo do pós 25 de Abril.
A mediocridade tem vindo ganhar terreno, enquanto as esquerdas aproveitam para por na ‘ordem do dia’ alguns temas que lhes são caros, como é caso da regionalização, uma das suas fixações.
As esquerdas são especialistas em montar enredos mediáticos, sejam questões de género, de racismo, de negacionismo ou da morte assistida. E agora é a vez da regionalização, vetada em referendo em 1998, depois de uma ativa campanha em que se empenhou o PSD, então liderado por Marcelo Rebelo de Sousa.
A regionalização é um sonho antigo de Carlos Costa, que ambiciona «dar voz ao povo» em 2024, conforme defendeu, novamente, no congresso da Associação Nacional de Municípios, apesar da descentralização marcar passo.
Claro que nesta matéria, Costa sabe que conta com o apoio de Rio, para escoar boys e girls, ansiosos por uma sinecura no aparelho de Estado, se um novo referendo conseguir reverter o resultado anterior. E poderá ainda ‘ressuscitar’ o relatório final, de 2019, da chamada Comissão Independente para a Descentralização (que de independente tinha pouco…), presidida por João Cravinho, favorável à regionalização,
As esquerdas usam essa tática antiga, que consiste em repetir uma proposta ‘chumbada’ até ser aprovada, nem que seja por cansaço. Os plenários durante o PREC seguiam a mesma cartilha.
Note-se que a ideia desdobrar o país em regiões já animou o congresso dos autarcas em 2019, onde Marcelo Rebelo de Sousa se manifestou contra um projeto hard. Porém, na resolução final, os congressistas exararam em ata a «criação e instituição de regiões administrativas em Portugal».
Ou seja, o Governo e os autarcas não desarmam e querem fazer ‘tábua rasa’ do referendo em que uma expressiva maioria de 63,52% votou contra a regionalização.
O estado socialista deseja perpetuar-se. Com juntas e assembleias regionais a administração pública ficará ainda mais inchada. Mas que importa o ‘monstro’ se o poder não mudar de mãos?