Nuno Barahona Abreu, médico cirurgião de 42 anos, foi surfar na manhã de 29 de setembro. Telefonou a amigos e ninguém teve a oportunidade de se juntar a ele. Decidiu aventurar-se no mar como sempre fizera, mas uma onda atirou-o para o fundo do mar e, quando se apercebeu daquilo que estava a acontecer, não foi capaz de mexer os membros inferiores e superiores. “Mesmo com as ondas a caírem em cima dele, conseguiu vir à superfície por causa do fato, porque boia, e foi deixando as ondas passarem-lhe por cima”, começa por explicar a irmã Marta Barahona Abreu, em declarações ao i, recordando que, entretanto, vários amigos e conhecidos já haviam chegado à praia de Supertubos, em Peniche, reconheceram-no e resgataram-no.
Ele recuperou os sentidos, a Joana Cadete – que também é surfista – alcançou a minha cunhada Marisa via telefónica, o Nuno foi enviado para o Hospital de Santa Maria e ligou para um amigo em lágrimas a dizer que ia ser muito complicado e que tanto a mulher como os filhos iam ficar mal”, lembra, explicando que, antes de pensar em si, preocupa-se com aqueles que mais ama. Até nas horas de maior aflição. “Apanhei um susto de morte. Não tínhamos notícias de como ele estava e não sabíamos se corria perigo de vida. Eu e o meu irmão, em pequeninos, na Zambujeira do Mar, vimos muitos acidentes horríveis”. “Corremos todos para o hospital”, afirma, indicando que, quando o primo psiquiatra apareceu, dirigiu-se aos colegas e pediu-lhes para falar com Nuno. Quando regressou à sala de espera, “disse logo que ele não estava nada bem, que tínhamos de preparar-nos para o pior e que o cirurgião ia operá-lo”.
Por volta da meia-noite, o médico que levara a cabo a intervenção cirúrgica disse ao primo de Nuno que “aquele tipo de lesões, geralmente, levam a tetraplegia e incapacidade respiratória”. “Nessa noite, saímos com o coração nas mãos. Ele é aquela pessoa agregadora, sempre muito presente e carinhosa com os miúdos. Ficámos desesperados”, admite, adiantando que, quando se consciencializaram de que o profissional de saúde havia fraturado a cervical, lesionado a medula e ficado com a mobilidade muito afetada, não souberam como reagir. No dia seguinte, Marisa conversou com o médico e este disse-lhe “que o Nuno poderia ficar ligado a um ventilador. E que precisaríamos de toda a ajuda possível e teríamos de nos organizar rapidamente. Ela saiu desfeita do hospital e só às 20h é que viu o marido”. Àquela hora, apesar de todas as expectativas serem negativas, o homem levantou os braços e respirou sozinho.
Todavia, esteve internado 15 dias na Unidade de Cuidados Intensivos e mais de um mês na enfermaria de Ortopedia. “O coração ficou muito descompensado com o choque – o ritmo não estabilizava – e desmaiava muito. Também tinha um hematoma na zona do estômago. O prognóstico era extremamente negativo e não se sabia sequer se tinha os músculos da barriga a funcionar. Até achámos que não teria qualquer tipo de autonomia. E só com o passar do tempo começámos a ver que tinha sensibilidade até à última vértebra da coluna, mas não qualquer controlo”, afirma, salientando que, antes desta adversidade, o irmão já passara por outras. Enquanto exercia funções no Hospital de Setúbal, “chorava todos os dias” e sofreu um burnout. Esta fase coincidiu com o nascimento de Henrique, hoje com sete anos, e de Jacinto, de seis, e o médico entendeu que abandonar o Serviço Nacional de Saúde seria a opção mais acertada para que obtivesse a qualidade de vida que desejava. “O facto de ele ser médico freelancer, digamos assim, funcionou bem exceto neste caso. Agora, não ter nenhum vínculo laboral é tudo menos bom”.
No dia 4 de novembro, há exatamente um mês e duas semanas, foi transferido para o Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão. “Tem as mãos muito comprometidas ainda. E existe uma frustração dupla porque realmente existem algumas falhas ao nível da fisioterapia devido a questões como as greves e a falta de recursos humanos. O pessoal que lá está tem sido incansável, mas não chega a todo o lado. Notamos as melhorias, claro, mas não há a constância necessária porque, por exemplo, já chegou a ficar por duas ou três vezes sem fisioterapia durante uma semana inteira. Da última vez, não lhes trocavam as fraldas sequer. O Nuno também já fez as suas greves, não picava o ponto, mas tratava dos doentes”, constata, garantindo que o também competidor aficionado de remo, pesca submarina, bicicleta, corrida, entre outros, tem um novo desafio pela frente: ter uma casa adaptada às suas necessidades. Depois de uma irmã de Nuno e Marta, que é arquiteta, ter estado em contacto com colegas “para entender como é que se poderia colocar um elevador” na habitação e torná-la mais funcional de outras formas, decidiu falar com uma vereadora da Câmara Municipal de Oeiras “para ver se seria possível fazer um acesso à casa, mas dá para uma via pública e não poderiam comparticipar. Só isso custaria 20 mil euros”.
Como tanto Marta como os restantes familiares e amigos do homem sabem que sair de Algés não seria a melhor opção porque a família tem a sua vida organizada naquela freguesia e têm consciência de que Henrique e Jacinto sentir-se-ão mais confortáveis se não passarem por mais mudanças drásticas, criaram uma campanha de angariação de fundos – crowdfunding – na PPL, plataforma de financiamento colaborativo, almejando chegar aos 190 mil euros em donativos. De acordo com informação disponível no espaço dedicado à história de Nuno, deste montante, 30 mil euros estão destinados a “obras necessárias para adaptar a casa da família a pessoas de mobilidade reduzida, nomeadamente uma nova casa de banho, restruturação da cozinha, abrir vãos de portas, acesso por plataforma elevatória”, 20 mil serão gastos na construção da rampa exterior de acesso à casa, 7 mil serão utilizados para adquirir uma cadeira de rodas, 4 mil e 500 para uma cadeira de rodas, 3 mil e 500 para uma cadeira giratória para o automóvel e 5 mil para “equipamentos para instalar dentro de casa (rampas, cadeira de banho, acessórios da casa banho, colchão, etc)”.
“Todo o restante valor angariado além dos 70.000 euros descritos nos itens anteriores será canalizado para a cirurgia ortopédica no estrangeiro”, lê-se, pois esta é uma meta que Marta acredita que não poderá ficar apenas delineada no papel. “A questão da cirurgia foi-se logo colocando porque tanto o meu primo como os amigos são da área da saúde. E este ensaio clínico do bypass medular estimulou bastante o meu irmão. É preciso fazer uma candidatura a partir de outubro do próximo ano. Ele sai de Alcoitão por volta de fevereiro, por isso, temos tempo para conseguir resolver tudo”, partilha, apontando que “também há um centro clínico em Barcelona que se dedica à recuperação da função da mão e o tratamento custa por volta de 100 mil euros”.
Contudo, tendo em conta que “este crowdfunding permite abrir muitas janelas de oportunidade”, Marta não descarta nenhuma possibilidade. “O Nuno quer ir aos Estados Unidos da América, para ser submetido a uma cirurgia ortopédica inovadora de Regeneração e Bypass Medular, com recurso a nanotecnologia. O Nuno precisa da nossa ajuda. O Nuno sabe que o caminho que o espera vai ser longo, mas com a ajuda de todos torna-se mais fácil de percorrer. O Nuno agradece. A sua família também” é um dos excertos do texto publicado na página de Facebook “Pérolas da Urgência” por um médico que, na manhã deste sábado, apelou à solidariedade dos portugueses à semelhança do site oficial do MEO Beachcam ou da Associação de Bodyboard e Surf da Costa de Sintra. “É tudo bastante dispendioso. A ideia é que ele possa ficar o mais autónomo possível para que não precise de depender de ninguém”.
“A esperança média de vida de uma pessoa com este tipo de problemas reduz-se drasticamente, mas queremos focar-nos nos pontos positivos. O Nuno passou pela fase do luto, mas o crowdfunding animou-o imenso” numa época em que somente conta com duas visitas semanais que têm de ser agendadas através de uma assistente social. “Agora, os miúdos nem sequer podem vê-lo. Isto é muito triste. Têm de aceitar que o pai está na cadeira de rodas e ainda nem sequer podem estar com ele. Vi o meu irmão pela última vez há mais de duas semanas”, lamenta, narrando que um dos filhos de Nuno viu um dos doentes do Centro a andar com muletas ortopédicas e observou “Pai, quando saíres daqui, vais assim para casa”. Porém, quando lhe foi dito que “a situação daquele senhor é diferente” e que a recuperação não é tão linear quanto isso e depende de cada caso, “desmanchou-se em lágrimas”.
“Já falámos do Natal porque sempre passámos a data juntos. Os tios, os primos, toda a gente” A covid-19 já nos tinha tirado isso e, no ano passado, passámos o Natal no Magoito – na casa do pai da minha cunhada – porque há jardim e é um sítio mais arejado. E já foi bom porque, pelo menos, estava um núcleo pequeno unido. Agora, nem sequer conseguimos dizer aos miúdos como será o Natal”, mas Marta tem uma certeza: se o irmão não receber o aval da equipa médica para ir a casa ou os familiares não puderem celebrar esta quadra com ele dentro da instituição hospitalar, terão de recorrer à imaginação. E essa, tal como a vontade de que o cirurgião recupere a 100%, não falta: “montamos uma mesa do lado de fora da janela. É que nem sequer se coloca a questão de estarmos sem ele. Uma amiga ofereceu-me um gazebo [uma pequena construção geralmente erguida em jardins ou parques] e já pensei em levá-lo para lá. Ele não vai ficar sozinho e, pelo menos, conseguiremos estar com ele mesmo que separados por uma janela”.
Até às 20h de sábado, foram angariados 135 mil euros, ou seja, aproximadamente 70% do valor inicialmente estipulado. A calendarização da angariação de fundos é composta por cinco fases e a última terá início no dia 17 de janeiro quando a campanha terminar, mas não oficialmente, pois qualquer pessoa poderá contribuir para que a vida de Nuno seja o mais confortável possível. Pode contribuir para esta causa aqui.
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