A semana começou com alertas importantes à economia portuguesa e o Banco de Portugal não tem dúvidas: inflação, juros, risco de crédito e endividamento podem estar em causa a médio-prazo devido à incerteza criada pela evolução da pandemia. Tudo isto está espelhado no Relatório de Estabilidade Financeira (REF) ao afirmar que «os efeitos da pandemia não estão ultrapassados, nem integralmente materializados, sendo ainda incerta a sua extensão total».
Para Eduardo Silva, diretor-geral da XTB Portugal, todos estes alertas «estão interligados, pois são indicadores que andam de mão dada». E acrescenta: «A realidade para já é a acumulação de mais dívida, que nunca é um fator positivo. Os restantes fatores podem evoluir de forma positiva ou negativa consoante a pandemia, nomeadamente a boa gestão dos fundos europeus que vão começar a chegar».
O analista diz mesmo que «não é por acaso que vemos divergências entre a utilização de dinheiro público com resultados diferentes em países distintos». E dá como exemplo, os casos da TAP e da Lufthansa, «ambos estão num cenário de plena pandemia sem fim à vista, mas uma companhia parece que vai precisar de financiamento eterno para tapar um buraco negro maior que alguma vez se esperava encontrar, enquanto a outra fez questão de pagar o dinheiro que pediu emprestado já este ano». Por isso, não tem dúvidas: «Existe falta de sentido de Estado em Portugal».
Os ‘recados’ não ficam por aqui. O relatório do Banco de Portugal diz que a pandemia pode causar riscos de médio prazo à estabilidade financeira, alertando para a inflação, juros, risco de crédito e endividamento. Sobre estes alertas, Eduardo Silva aponta que «existe o outro lado da balança» e que «as medidas de apoio da União Europeia não têm precedente e uma economia forte com consumo interno pujante, com alguma força nas exportações e com uma boa gestão poderá encontrar espaço para crescer nos próximos anos».
‘A covid é justificação mas tem costas largas’
O banco liderado por Mário Centeno diz também que as medidas de mitigação que foram criadas devido à pandemia provocaram um aumento da dívida tanto pública como privada. Mas o Governo poderia ter feito isto de outra forma? Eduardo Silva é claro: «Medidas como acerto directo e abdicar de concursos públicos e comprar equipamento a preços inflacionados foi um risco assumido, obviamente existiram situações de abuso e obviamente eram medidas necessárias para combater a pandemia, logo, claro que todos gostaríamos que fosse tudo mais transparente e bem gerido mas estamos a falar de uma situação de pandemia onde o mais importante acaba por ser a vida humana». E defende ainda que «fica na consciência de cada um quem se aproveitou».
Sobre a dívida pública, Eduardo Silva não poupa em palavras e garante: «As gerações futuras ficam com uma fatura demasiado pesada para pagar, é uma preocupação». E mais uma vez aponta o dedo: «A covid é justificação, mas também tem costas largas e existe aproveitamento. Infelizmente é difícil controlar demasiado sob risco de tornar o combate lento, burocrático e pouco eficaz».
Mas fala também no verso da medalha que é «acesso rápido a fundos que infelizmente gera sempre aproveitamento. Muito se falará no futuro do dinheiro mal gasto» mas diz que «é difícil criticar nesta fase».
O Banco de Portugal dá também destaque ao aumento da inflação. O diretor-geral da XTB explica que «o consumo interno é um dos pilares do crescimento mas com os preços a dispararem e as famílias a ter de fazer contas existe o risco de uma reversão para o essencial, fator que obviamente não favorece o crescimento».
E as moratórias?
O BdP diz também que os riscos de incumprimento relativamente às moratórias estão «mais controlados» mas ainda se assistem a «sinais de deterioração». Questionado sobre se esta situação pode piorar, Eduardo Silva diz que «pode sempre piorar». No entanto, defende que, «os indicadores positivos mostram que temos conseguido manter alguma tranquilidade económica relativa no curto prazo, o que é sempre um bom sinal. É melhor crescer do que não estar a crescer».