Henrique Gouveia e Melo, nome incontornável do esforço português por conter e mitigar a pandemia da covid-19 no país, torna-se hoje, oficialmente, chefe do Estado-Maior da Armada (CEMA). A tomada de posse é o culminar de um polémico processo, que teve um falso arranque em setembro, quando São Bento e Belém pareciam desentendidos na nomeação de Gouveia e Melo para o cargo. Isto apesar de estar tudo combinado desde o momento que foi estendido o mandado do ex-CEMA, o Almirante Mendes Calado, que aceitou ficar ‘ao leme da Armada’ enquanto o colega punha no eixo o plano de vacinação nacional contra a pandemia. O processo, no entanto, foi interrompido por uma ‘teima’ temporária de Marcelo Rebelo de Sousa, acabando por gerar esta polémica. Assim, Gouveia e Melo assumirá a liderança desta força numa cerimónia onde não estará presente, no entanto, António Costa que se encontra de férias.
POLÍTICA NÃO Recentemente, quando questionado sobre eventuais ambições políticas, Gouveia e Melo nem confirmou nem desmentiu, garantindo que o “futuro a Deus pertence”, mas acrescentou que “não se deve dizer que dessa água não beberei”. Em junho, no entanto, o então vice-almirante tinha já deixado clara a natureza da sua relação com a política. Quando se falou – em entrevista ao Nascer do SOL – sobre a possibilidade de vir a ser o novo chefe do Estado-Maior General da Armada, ou mesmo candidato à Presidência da República, não gaguejou: “Lá está, não sou ambicioso como alguns dizem. O poder só serve para fazer coisas. As pessoas não percebem que eu posso estar tão contente a fazer um pequeno drone, como a ter um grande desafio. Em termos intelectuais, preenche-me perfeitamente”.
Quando questionado sobre se estava ‘preparado para a fanfarra política e camarária’, Gouveia e Melo não deu corda ao assunto. Apenas garantiu: “Vou dormir mais cedo e profundamente. E acordo no outro dia muito mais tarde”.
DE VOLTA AO MAR “Faço o que tiver de fazer e sou impiedoso com os malandros.” Estas foram as palavras de Gouveia e Melo, em junho deste ano, na primeira entrevista que o então vice-almirante deu sobre a sua vida privada, ao Nascer do SOL. Homem ligado ao mar, militar na mentalidade e um estratega nato, Gouveia e Melo prepara-se para tomar as rédeas do Estado-Maior da Armada e ‘revolucionar’ esta força militar, depois de ter passado pelo ‘submarino’ que foi a liderança da task force de vacinação. Descansar? Nem pensar. “Para fazer um retiro espiritual, tinha de ter duas coisas: uma corda e uma árvore para me enforcar.”
Diz ter “coração em África e o cérebro em Portugal”, o que tem uma explicação. A família rumou muito cedo para Moçambique, onde o avô era diretor da Companhia Colonial de Navegação, e ali cresceu em liberdade e em contacto com o mar, onde parece ter travado essa forte relação. Rotulado como ‘retornado’, Gouveia e Melo desvaloriza essa categorização e o caráter pejorativo por vezes a ela associado. “Eu vivo bem com o processo histórico. Nós estávamos no sítio errado e no contexto errado. Sou dos últimos portugueses do Império, mas os impérios acabaram. Tenho é saudades do espaço, dos cheiros, do tempo, porque lá havia tempo para tudo”, revelou na referida entrevista.
MODERNIZAR À procura da ‘revolução’, Gouveia e Melo toma hoje posse como chefe do Estado-Maior da Armada, e tem um objetivo em mente: modernizar. O agora chefe do Estado-Maior da Armada está prestes a protagonizar uma autêntica ‘revolução’ nessa força, procurando novas e modernas ferramentas para este ramo, e essa vontade não é nova. “Na Marinha, por exemplo, eu sempre quis fazer as coisas mais esquisitas, mais difíceis, porque achava que eram as mais interessantes. Mas sentia o receio nos meus colegas, que não arriscavam com o medo de poderem ser prejudicados na carreira”, revelava Gouveia e Melo em entrevista ao Nascer do SOL, dando conta do seu espírito curioso e motivado em procurar as tais coisas ‘mais difíceis’. E a paixão pelo mar não ficou de fora: “O mar é o novo El Dourado. Anda o homem a explorar a Lua quando ainda não explorou um quinto do mar. O nosso mar tem uma importância geopolítica fantástica, as pessoas nem têm noção.”
AUTOCONTROLO Gouveia e Melo descreve-se como um homem disciplinado, e atribui essa característica a outras fases da sua vida, para além da Marinha. “Fui um estudante preocupado, muito focado nos objetivos que tinha para cumprir. E fazia os sacrifícios necessários para os atingir. Por isso, as Forças Armadas deram-me apenas nuances de disciplina, não a disciplina que já viajava comigo”, revelava, confessando ser um grande adepto do ‘autocontrolo’: “Lembro-me que, quando tinha 12 anos e a minha mãe me levava a sair com as amigas, eu, para me distrair, fixava o olhar num ponto e ficava a olhar para ele durante 20 minutos com a preocupação de não me desconcentrar.”
Um autocontrolo, aliás, indispensável para quem, como Gouveia e Melo, envergou pela vida de submarinista, deitando-se muitas vezes “na cama transpirada de outro camarada […] com metade do corpo de fora”.