Na última reunião do Infarmed ainda não se falava da Omicron. O alerta soaria dias depois e passados menos de dois meses a variante tornou-se dominante, com os contágios em níveis sem precedentes nos países onde alastrou em pleno inverno (a incidência de novos casos em Portugal passa os 2200 casos por 100 mil habitantes a 14 dias quando a 19 de novembro estava calculada em 203 casos). Os internamentos estão de novo a aumentar, mantendo-se num nível inferior ao último inverno mas a crescer 30% na última semana, mais em Lisboa. Hoje o Governo ouve de novo os peritos no Infarmed antes de fechar medidas para janeiro mas já deu a indicação de que as escolas são para reabrir no dia 10. Entre os médicos ouvidos pelo i, há pontos consensuais como a necessidade de clarificar as regras de isolamento e cuidados a seguir pela população perante a incapacidade da saúde saúde pública e cuidados primários para seguir todos os casos de covid-19 – e espera-se que fique claro quando entra em vigor a redução do período de isolamento e em que moldes, depois de ter sido anunciada na semana passada pela Direção Geral da Saúde mas ainda não estar implementada na prática. Também a ideia de que o isolamento de contactos de alto risco poderá aplicar-se apenas a quem ainda não fez o reforço da vacina ou completou a vacinação há mais tempo se faz ouvir. Quanto a que medidas manter ou aliviar, há diferentes visões, com um pano de fundo: o pico da atual vaga de infeções não foi atingido.
Reabrir bares e discotecas? Dada como adquirida a reabertura das escolas, um dos temas em cima da mesa é a reabertura de bares e discotecas e a continuidade do teletrabalho. É esperada a recomendação do grupo de trabalho ouvido pelo Governo, que em dezembro tinha recomendado que se encontrassem soluções para que os espaços com maior concentração de pessoas pudessem ser frequentados em segurança e teletrabalho quando possível.
Um grupo de trabalho da Ordem dos Médicos e do Instituto Superior Técnico, que publicou esta semana no Expresso um conjunto de recomendações para o início do ano e projeta que o pico da atual vaga de infeções venha a ser atingido entre 20 e 24 de janeiro podendo chegar aos 100 mil casos diários, considera que as escolas devem abrir mas com condições de segurança e uma aceleração da vacinação das crianças de 5 a 11 anos, encurtando para três a quatro semanas o intervalo para a segunda dose, que atualmente só está prevista para fevereiro nas crianças que iniciaram a vacina em dezembro.
Os médicos desaconselham por outro lado a abertura de bares e discotecas até haver um maior controlo da situação epidemiológica. “Neste momento estamos num crescendo de casos. Não faz sentido aliviar medidas quando vemos que os internamentos estão a aumentar e ainda não atingimos um pico”, disse ao i o pneumologista Filipe Froes, coordenador do gabinete de crise para a covid-19 da Ordem dos Médicos e um dos autores das propostas descritas numa carta aberta, que apela ainda ao reforço da vacinação dos mais vulneráveis, desde logo maiores de 65 anos, 15% dos quais se estima ainda sem a terceira dose, mas também pessoas mais novas imunodeprimidas ou obesas.
Recomendam igualmente distâncias de segurança superiores a dois metros e o uso do certificado digital de vacinação para ir a restaurantes ou hotéis e ainda um teste recente para espetáculos culturais ou desportivos. Aqui há outro repto: reduzir a validade dos testes, que “devem passar a ser feitos o mais próximo dos eventos”.
Quarentena em função do estado vacinal O grupo de trabalho subscreve a redução do período de isolamento de infetados assintomáticos para sete dias, estejam ou não vacinados, mas defende que o estado vacinal deve pesar na revisão das regras de isolamento para contactos de alto risco: só teria de fazer “quarentena” quem não está vacinado, ainda não fez o reforço ou tem duas doses de há mais de cinco meses.
O presidente do Colégio de Medicina Intensiva, José Artur Paiva, concorda: “Precisamos de uma definição das regras e clareza na sua apresentação e talvez fosse o momento de o estado vacinal ter influência na política de isolamento”, diz ao i. O médico do hospital de S. João, sublinha que nesta altura a pressão se sente sobretudo sobre os cuidados primários e urgências, com o número de doentes em UCI estável e, nessa frente, maior pressão até dos doentes não covid. “Neste momento temos a pressão da covid-19 mais a pressão dos outros invernos”, diz, sublinhando que existe capacidade de resposta nas unidades de cuidados intensivos..
José Artur Paiva defende que a atual vaga deve ser gerida com os conhecimentos adquiridos ao longo de quase dois anos de pandemia e que se deve procurar manter a proteção com a “menor perturbação possível” na vida económica e social. “Creio que há a obrigação e a possibilidade de manter a escola aberta e segura”, diz, considerando que nos restantes setores as regras devem ser adaptadas, por exemplo para eventos e locais de maior proximidade sem máscara ser exigido além do certificado um teste.
Mais cauteloso com o levantamento de restrições mostra-se Fernando Maltez. O diretor do serviço de Infecciologia do Hospital Curry Cabral, em Lisboa, considera que seria preferível esperar mais uns dias para perceber o impacto das atuais semanas de contenção, mesmo no que toca às escolas. “Esperaria para ver os resultados da implementação das medidas restritivas que foram impostas, deixando passar 14 dias. Enquanto houver parte da população nacional, europeia ou global por vacinar, a possibilidade de novas variantes é permanente, seja mais transmissíveis seja com consequências clínicas mais graves”. E a menos de 24 horas da reunião do Infarmed, surgiram ontem alertas para uma nova variante em França.
Para Fernando Maltez, a lógica de apertar medidas quando os casos aumentam e aliviar quando diminuem deve manter-se: “Há projeções de epidemiologistas de que podemos ir para números que se aproximam dos 100 mil casos diários e por isso eu aguardava para ver a tendência nas próximas semanas. Penso que haveria condições para abrir as escolas se a prevalência da infeção nos mais novos não aumentar e se a vacinação puder prosseguir. Aumentando a transmissibilidade nas escolas, aumenta a transmissibilidade aos trabalhadores, que por sua vez transmitem aos seus agregados familiares, de onde podem partir infeções para outros locais de trabalho”, diz.
No Curry Cabral, como na maioria dos hospitais, sente-se a pressão de mais doentes com necessidade de internamento. Depois da confusão esta semana com as estimativas avançadas pelo Secretário de Estado da Saúde sobre doentes vacinados nos hospitais, numa altura em que não existe um levantamento a nível nacional, Fernando Maltez relata que no seu serviço 30% a 40% dos doentes internados não estão vacinados. Os vacinados são a maioria mas em geral trata-se de pessoas que já tinham fatores de risco prévio como obesidade ou idade, ao passo que entre os não vacinados há mais pessoas sem fatores de risco prévio.