Reunião do Infarmed. Pico na próxima semana mas menor gravidade permite reduzir restrições, recomendam peritos

Pico de infeções poderá ser atingido na próxima semana. Perante menor gravidade da infeção, equipa de Raquel Duarte defende que medidas podem ser menos restritivas do que as atuais e só devem apertar se ocupação em UCI subir 

Terminada a reunião do Infarmed, reunimos algumas das ideias dos especialistas ouvidos pelo Governo sobre a atual fase da pandemia, com mais infeções mas menos doentes internados e menos mortes do que há um ano. O Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge estima que o pico de infeções poderá ser atingido na próxima semana, mas com uma margem de incerteza sobre qual poderá ser o seu impacto em termos de infeções e internamentos.

Com os internamentos a aumentar em enfermaria mas estáveis em cuidados intensivos, a equipa de Raquel Duarte, que tem apresentado ao Governo as propostas de desconfinamento, considera que há condições para reduzir as atuais medidas restritivas, recomendando que passe a ser utilizado como indicador de agravamento da situação a evolução dos internamentos e que as medidas sejam apertadas caso se ultrapasse 70% da ocupação definida como linha de alerta em UCI, ou seja se o país voltar a registar 179 doentes com covid-19 internados em cuidados intensivos. Na situação atual, consideram que se devem manter medidas gerais de proteção como uso de máscaras (cirúrgicas e não de pano) mas também o uso de certificados de vacinação para aceder a espaços públicos. Já os diferentes setores podem operar em cumprimento das regras e o teletrabalho deve aplicar-se apenas na situação de agravamento do número de doentes internados em UCI, o que não é a situação atual, disse Raquel Duarte.

Peritos propõem redução de medidas restritivas e que regras só devem apertar se ocupação em UCI passar 70%, inclusive teletrabalho

A proposta da equipa de Raquel Duarte é que haja uma redução de medidas restritivas mantendo medidas gerais de proteção e introduzindo-se um novo sinal de alerta em que pode ser necessário apertar medidas, se a ocupação de UCI chegar a 70% do nível de alerta (179 camas ocupadas em UCI ao longo de cinco dias) e o RT se mantiver acima de 1.

Na situação atual, estando-se abaixo desse nível de ocupação de UCI e que por isso consideram de "não alerta", recomendam que se mantenham medidas gerais:

Reforço de vacinação
Continuar a usar certificado digital e testes negativos por rotina nos espaços públicos
Garantir arejamento e higiene frequente de superficies
Evitar consumo de bebidas alcoólicas na via pública

Nos setores, das escolas à hotelaria, recomendam que se mantenham estas medidas gerais. Nos lares, testagem regular de profissionais e visitas e medidas de controlo e infeção. Nas atividades desportivas e eventos em espaços limitados, promoção das medidas atuais, preferir eventos em espaços abertos e com circuitos de delimitação elevados. "Só devem ser possíveis os eventos em que é possível cumprir as regras", disse Raquel Duarte.

Centros comerciais e celebrações mantêm as atuais regras e viagens devem ter em conta o estado da saúde da pessoa e se vai para uma zona de risco, recomenda a médica.

Caso seja ultrapassada a ocupação de 70% em UCI:

Manter medidas transversais mas em alguns setores apertar regras.
Na atividade laboral, se houver um agravamento, passar-se a teletrabalho
Redução da lotação permitida
Testagem de profissionais que não possam trabalhar remotamente
Redução de lotação na restauração e priorizar uso de esplanadas
Redução da lotação em eventos para 75% e do número de pessoas que convivem em reuniões sociais e familiares para 10 pessoas com testagem prévia

Raquel Duarte sublinhou importância da autogestão de risco por parte da poulação com comunicação clara das autoridades, evitando assim a sobrecarga da medicina geral e familiar e saúde pública.

No caso da máscara, recomenda que sejam usadas máscaras cirúrgicas ou FP2 e não máscaras de tecido.

Pico entre 40 mil a 130 mil infeções diárias e até 12% da população isolada

Baltazar Nunes apresentou os cenários para a evolução da pandemia, apontando para um pico de casos na próxima semana, e salientando que as projeções não são previsões mas modelações feitas com base em premissas e que dão uma indicação do que pode acontecer.

O máximo de casos poderá ir de 42 mil casos a 130 mil, consoante a proteção das vacinas for menor ou maior contra infeção. O número de pessoas em isolamento poderá variar entre 4% a 12% da população, o que se pode verificar já esta semana ou na próxima. O número de camas ocupadas em enfermaria poderá ir de 1300 a 3700 no final de janeiro e o país poderá ter 184 pessoas em UCI ou 453 no pior cenário, o dobro da ocupação atual mas o que continuará a ser menos do que no inverno passado. "Esperamos um impacto muito elevado nos serviços de saúde de segunda linha, provado elevado impacto no absentismo escolar e laboral mas um impacto mais moderado nas hospitalizações gerais e UCI", disse o investigador.

Estas foram as premissas pelo INSA para fazer estas projeções: o instituto parte do pressuposto de que houve um aumento de contactos de 25% no Natal e aumento de 15% no Ano Novo, assumindo que algumas medidas implementadas pelo Governo fizeram efeito no Ano Novo; que as medidas agora em vigor reduzem os contactos em 30% mas que agora se voltavam às regras de antes do Natal e, no campo das vacinas, que a proteção diminui mas que 90% dos maiores de 60 anos recebem o reforço até ao final de janeiro e a faixa etária dos 50 anos até meio de janeiro. Para pesar o impacto da vacina, assumem três cenários de proteção conferida pelas vacinas, de proteger mais ou menos contra infeção, o que tem vindo a ser demonstrado, mas também que a Omicron é menos severa, representando 40% do risco de internamento da Delta.

"Grupo entre 50 e 59 anos que ainda não fez reforço deve ter cuidados acrescidos"

Apresentando dados sobre o último inquérito serológico, Ana Paula Rodrigues sublinha a elevada proteção na população portuguesa fruto da adesão à vacina, com mais de 86% da população com anticorpos específicos para a covid-19. Cruzando eficácia e decaimento da imunidade, salientou que os mais velhos que já fizeram o reforço estão mais protegidos de internamento, recomendando cuidados acrescidos ao grupo entre os 50 e 59 anos que ainda não fez o reforço da vacina. "Grupo entre 50 e 59 anos que ainda não fez reforço deve ter cuidados acrescidos nas medidas de proteção individual".

Em resumo, a epidemiologista afirmou que se espera maior carga de infeção mas com menos severidade. "Não quer dizer que vamos passar a ter uma doença ligeira, é é mais benigna do que a tínhamos. O que implica manutenção das medidas de proteção e reforço da vacina", concluiu.

"Omicron tem mais afinidade com as nossas células": é mais transmissível mas menos severa

João Paulo Gomes, responsável pelo estudo da diversidade genética do SARS-Cov-2 no INSA, faz um resumo sobre o que se sabe sobre a variante Omicron:

– Tem mais mutações que a Delta

E as mutações afetam uma região genética do vírus que afeta a forma como liga às células e anticorpos. "Tem mais afinidade com as nossas células", diz, o que explica maior contagiosidade.

– Afeta mais as vias respiratórias superiores e menos os pulmões

Em causa um estudo inicial da Universidade de Hong Kong de que a Omicron afeta 70 vezes mais as células das vias respiratórias superiores e 10 vezes menos as células dos pulmões, algo confirmado experimentalmente também na Universidade de Cambridge. "Isto justifica menor severidade, se o pulmão é menos afetado, à partida a severidade será menor", diz o investigador do INSA.

– Carga viral não é maior

A maior transmissibilidade não parece estar ligada com quantidade de vírus expelido, ou seja as pessoas infetadas terem mais carga viral, mas à rapidez com que o vírus infeta as células, diz também João Paulo Gomes.

– Infeções menos severas e com menos sequelas em estudo em hamsters

Outro estudo apresentado por João Paulo Gomes foi o ensaio em hamsters feito por um consórcio do Japão e EUA, que utilizando hamsters como modelos da doença concluiu que as infeções com Omicron produzem doença menos severa e com menor consequência nos pulmões.

O responsável explicou ainda que a Omicron se espalhou-se mais cedo em Lisboa e representa 90% dos casos no país. A região mais díspar é o Algarve: continua a ter Delta com cadeias de transmissão ativas, salientou João Paulo Gomes.

Epidemia com tendência fortemente crescente mas numa fase diferente

Pedro Pinto Leite, da Direção Geral da Saúde, faz a primeira apresentação, descrevendo uma situação epidemiológica diferente de há um ano, com um incidência 131% à que se vivia na altura, acima dos 2000 casos por 100 mil habitantes. A tendência de aumento de infeções é "fortemente crescente", descreveu, salientando que é transversal a todo o país e grupos etários, tendo começado pelos jovens.

O técnico salientou a elevada cobertura vacinal, com 86% dos maiores de 65 anos já com reforço da vacina. "Não obstante a proteção conferida pelas vacinas, temos sempre de observar este aumento número de casos com cautela, pelo efeito no aumento dos internamentos e no setor económico e social."

O número de doentes internados aumentou 28% na última semana, mantendo-se os número de doentes em UCI estável, representando atualmente 58% da ocupação definida como nível de alerta. Pedro Pinto Leite destacou o aumento de internamentos nas pessoas com 80 ou mais anos.

Pinto Leite destacou ainda o aumento de internamentos na região de Lisboa, que como o Nascer do SOL noticiou no último fim de semana começou mais cedo a verificar uma subida nos internamentos, tendo sido de 50% na última semana, o que se associa a ter sido a primeira região onde os casos começaram a aumentar mais rapidamente após a introdução da variante Omicron.

Número de óbitos encontra-se muito abaixo de outras fases da pandemia. "Encontramo-nos com uma mortalidade moderada", disse.

Carga real de infeção pode ser a mesma de há um ano, admite Henrique Barros

"É brutal a distância entre o número de casos há um ano e agora mas também é brutal o menor número de internamentos e mortes", sublinhou o epidemiologista Henrique Barros. O presidente do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto defendeu que devem ser tidos em conta mais dois elementos na análise da situação atual. Por um lado, estarem a ser feitos cinco vezes mais testes do que há um ano com menor positividade, afirma Henrique Barros. Por outro lado, diz que dados de monitorização do SARS-COV-2 em águas residuais, estratégia que não foi adoptada pelo Governo mas é seguida pelo ISPUP, sugerem que a presença de SARS-Cov-2 já estava a aumentar antes da Omicron e que atualmente é idêntica ao que se verificava nas amostras de há um ano, o que o levou a admitir que a carga real de infeção pode ser a mesma de há um ano apesar de número diferentes. Outra explicação, admitiu, é a variante Omicron ser menos detetável.

"Não faz sentido continuar a raciocinar em número de casos", afirma, considerando que a próxima variante será menos grave em termos de doença que provoca mas tenderá a espalhar-se mais rapidamente. "É inequívoco que a vacina mudou a resposta à infeção e à nossa vida, aprendemos a ter novos tratamentos e estratégias para dar tratamentos úteis. É possível controlar infeção. Não vale a pena continuarmos com cenários de erradicação iniciais como se fez com o SARS e MERS. O essencial é garantir que controlamos, antecipamos e estamos preparados para responder. Incertezas também as vivemos. Não sabemos qual é o risco em não vacinados ou em pessoas em que a vacina não induziu resposta. Esquecemos muito a long covid e esperamos que variantes menos patogénicas induzam menos doença a longo prazo, mas ainda não sabemos isso. Por isso deixar a doença espalhar-se poderá ser um erro e uma decisão que pagaremos, mas precisamos de uma estratégia mais eficiente de isolamento e quarentena que garanta um impacto minimizado na nossa vida ativa, social e económica", conclui Henrique Barros, com uma palavra direta para as escolas, onde diz que não faz sentido colocar tanta gente em casa.