Big Brother: um líder de audiências que veio para ficar?

Quase dois milhões de pessoas viram a estreia do Big Brother Famosos mas essa audiência não foi o recorde do formato: aconteceu em dezembro de 2000, quando 3,8 milhões assistiram ao programa.

Cerca de 1,8 milhões de pessoas viram, no passado domingo, a estreia do Big Brother Famosos. Algo que, à partida, não causa grande admiração. A TVI fez grande destaque à estreia e prometia nomes de peso. Mas se o número de pessoas em frente ao ecrã a ver o programa pode surpreender, saiba que não foi um recorde.

O pico máximo de audiência de todos os programas Big Brother já transmitidos pela TVI – sete no total, oito se contarmos com o que está atualmente no ar – foi atingido a 26 de dezembro de 2000, quando 3,84 milhões de pessoas assistiram ao programa. Número que ultrapassou até a estreia do formato a 3 de setembro de 2000: nessa altura assistiam à estreia de um programa inédito do panorama nacional 1,385 milhões de pessoas, um share de 42,2%.

Um dos momentos mais polémicos aconteceu a 19 de outubro desse ano: a agressão do concorrente Marco à concorrente Sónia que valeu a sua expulsão. Segundo dados da TVI, nesse dia, o compacto da noite fez uma audiência média de 2,3 milhões de espetadores com um share de 60.2% entre as 22h e as 23h. O jornal nesse dia abriu com a notícia e fez 2,1 milhões de espetadores com 54,1% de quota.

E como é que o programa consegue audiências tão elevadas? Felisbela Lopes, investigadora no campo dos estudos televisivos, não tem dúvidas que existem, pelo menos, quatro razões. E explica-as ao Nascer do SOL. A primeira é a «falta de alternativa», diz. «Há uma engenharia de programação que, nestes últimos 20 anos, sobretudo nos canais privados tem sido muito igual, não tem sido alvo de renovação». Assim, como não há alternativa, «as pessoas ficam ali, estão habituadas». 

A segunda explicação prende-se com o facto de ser um formato com mais de duas décadas, a que se junta o facto de, neste caso em específico, contar com «os ditos famosos ou com aqueles que a TVI considera que são famosos e isto suscita sempre um interesse adicional do público».

Em terceiro lugar existe o facto de a TVI ter «audiências capitalizadas» que «estão no canal, que ficam e que se constituem como uma âncora para todos os programas. Logo permanecem e são fiéis ao canal».

E, por fim, a nova apresentadora que, no entender de Felisbela Lopes, «não é uma apresentadora qualquer e que reúne, de facto, também uma atração grande do público». E acrescenta: «E também, se calhar, porque as pessoas estão cansadas de um quotidiano excessivamente preso por uma pandemia que não nos larga e este é um entretenimento de fácil consumo, não requer assim uma grande atenção, não requer que se faça qualquer raciocínio mais elaborado. Acho que é por aí que se explicam estes números».

Apesar de as audiências serem estrondosas, não serão iguais à estreia. Felisbela Lopes explica que agora «já não é novidade» como foi há duas décadas. «Os canais generalistas há 20 anos também tinham outra audiência, agora é uma audiência fragmentada», explica a especialista ao Nascer do SOL explicando que, apesar de terem estado quase dois milhões de portugueses a ver a estreia do Big Brother, é importante relembrar que mais de metade da população portuguesa não o fez.

Vários espaços na grelha

Ao longo da semana, os programas diários do Big Brother têm sido, muitas vezes, líderes de audiências. Questionada sobre o porquê de se apostar em tantos programas extra diários, a investigadora começa por lembrar que «sempre foi assim».

Foi em 1999 que Piet-Hein Bakker, responsável pela Endemol em Portugal, tentou vender o Big Brother à SIC, que não o quis. Já a TVI não hesitou em ficar com o programa mas, nessa altura, explica a investigadora, o canal de Queluz condicionou a compra à possibilidade da produtora holandesa em deixar multiplicar o formato pela grelha, o que não fazia parte do original.

«Então, desde o início, o Big Brother constituiu-se como uma espécie de mini grelha dentro da grelha», avança Felisbela Lopes, explicando que tal aconteceu por duas razões: «Porque ocupava tempo de antena com um programa que já estava comprado, não havia muitos custos extra e era um formato que reunia audiências. E, ao mesmo tempo, quanto mais tempo estivesse no ar, mais audiências capitalizava». 

E a guerra de audiências?

Na noite de domingo, a SIC também estreou mais uma temporada do Hell’s Kitchen Portugal com Ljubomir Stanisic. O programa acabou por ficar em segundo lugar nas audiências desse horário, com cerca de 1. 264. 300 telespetadores.

A TVI continua, assim, a somar e a guerra de audiências está ao rubro. «Sempre foi assim», reforça Felisbela Lopes, lembrando que a SIC não quis comprar o formato Big Brother mas que «passado pouquíssimo tempo, vergou-se com réplicas que foram sendo mal sucedidas e sempre em contra programação». E faz um breve resumo dos últimos anos:

«Obviamente que depois a TVI conseguiu, não só pelo Big Brother mas por uma reformatação da grelha, que passou também pela informação e pela ficção nacional, conseguiu passar à liderança de audiências e, a partir daí, a guerra entre os dois canais generalistas privados nunca mais parou». 

Então o formato Big Brother será para continuar? A investigadora defende que sim, «enquanto ainda ninguém ousar a encontrar uma alternativa». E lembra que uma pessoa com menos de 30 anos «não se lembra de outra programação que não esta, a televisão em horário nobre, nos últimos 20 anos, passou sempre pelo Big Brother» ou programas idênticos. 

Entretenimento vs. debates

Mas enquanto no passado domingo, milhões de pessoas viram a estreia do novo formato da casa mais vigiada do país, apenas 192 mil viram o debate entre André Ventura e Catarina Martins, por exemplo. 

Felisbela Lopes não tem dúvidas: «não são comparáveis essas realidades» porque se trata de informação e de entretenimento e porque, uma deu em canal aberto e outra no cabo. E defende que este não era um debate «mata-mata». 

Já Francisco Rui Cádima, investigador do Instituto de Comunicação da Nova (ICNova) diz que esta tendência é como se fosse uma «infeção». «As pessoas estão um pouco infetadas pelo vírus televisivo e cria uma certa corruptela, um certo disfuncionamento na cidadania», diz ao Nascer do SOL, acrescentando que é «uma pandemia comunicacional em que as pessoas são atraídas por uma espécie de vírus eletrónico que carrega aspetos disfuncionais, negativos, doentios».

Para o investigador, «aquilo que importa é as pessoas terem um conhecimento, um saber e uma intervenção cívica» mas, para isso, «tinham que estar a ver os debates por muito maus que fossem». E lamenta: «Infelizmente esta é a norma dos últimos 20 anos».