MP investiga RTP por tráfico de influência

O caso não é novo mas ganha novos contornos agora que o Ministério Público o investiga: Eduardo Pestana terá ganho milhares de euros com horas extraordinárias com o aval de Hugo Gilberto, da direção de informação da RTP. 

O Ministério Público (MP) está a investigar denúncias de corrupção e favorecimento na RTP. Em causa estão horas extraordinárias desempenhadas pelo jornalista Eduardo Pestana da redação do Porto, com o aval Hugo Gilberto, da direção de informação da RTP Porto.

A queixa, à qual o Nascer do SOL teve acesso, foi entregue ao Ministério Público a 26 de março de 2021 e fala em «favorecimento e abuso na atribuição e pagamento de trabalho extraordinário a um trabalhador». 

O objetivo é «denunciar e tentar demonstrar a existência de indícios de corrupção, associação criminosa, favorecimento, tráfico de influências, abuso de confiança e abuso de poder» que ligam o jornalista da RTP Eduardo Pestana aos seus superiores hierárquicos: diretor-adjunto Hugo Gilberto e coordenador da editoria de desporto da RTP Porto, Manuel Fernandes Silva. 

Os factos ocorreram entre o segundo semestre de 2017 e o início de 2020. A queixa diz que «fazendo uso aqui alegado por abusivo e criminoso do exercício das funções de que esteve incumbido na coordenação da redação de Desporto da RTP Porto», Manuel Fernandes Silva «distribuiu de forma sistemática, planeada e articulada com o superior hierárquico de ambos, o diretor-adjunto Hugo Gilberto, ao jornalista Eduardo Pestana, substantivo trabalho suplementar que lhe foi depois informaticamente validado pelo próprio diretor-adjunto, determinando-se assim o processamento salarial de quantias avultadas nos meses subsequentes, em flagrante conflito com as mais elementares normas de tratamento equitativo de uma equipa de trabalhadores em idênticas circunstâncias laborais e funcionais, estabelecendo-se uma ignóbil desigualdade fruto de um incontestável favorecimento».

O documento refere que a situação foi «repetida, reiterada e prolongada no tempo», acrescentando que «daqui resultante, incorreu, não apenas, na prática reiterada de uma ilegalidade, prevista na legislação do Trabalho e demais regulamentação aplicável, que não poderia ser estranha a quem desempenha funções que obrigam ao conhecimento dos preceitos jurídico-legais que as enquadram, como originou a acumulação, em anos consecutivos, de retribuições mensais extraordinárias para o jornalista Eduardo Pestana, injustificadas à face dos normais procedimentos de distribuição de trabalho, e inequivocamente desproporcionais face às auferidas, no mesmo período, pelos restantes jornalistas da editoria de Desporto da RTP no Porto, seus colegas de trabalho».

Decisão que, dizem, não só lesou «os interesses orçamentais da RTP», como prejudicou «patrimonialmente os colegas de trabalho de Eduardo Pestana».

Na queixa ao MP foram apresentadas várias provas que mostram que «de forma intencional, reiterada» foi atribuído ao jornalista trabalho suplementar, aprovado pelo diretor-adjunto Hugo Gilberto.

A denúncia destes factos foi, aliás, denunciada pela Comissão de Trabalhadores (CT) da estação pública em outubro de 2020.

Os valores chegam aos milhares de euros. Para chegar a estes valores, foi realizada internamente uma perícia aos horários e marcações de serviços que permitiu chegar à conclusão que existem «indícios objetivos de favorecimento do jornalista Eduardo Pestana face aos restantes colegas na atribuição de horários de trabalho que maximizaram, de forma intencional e planeada, as condições para a obtenção de um volume ilegal, manifestamente desnecessário e sem precedentes, nesta editoria, de horas de trabalho suplementar».

E mais. Concluiu-se ainda que estas práticas «registaram um incremento significativo a partir do segundo semestre de 2017, em datas que coincidem com a entrada do jornalista Eduardo Pestana para o Conselho de Redação da RTP, facto registado no acervo de prova, tendo tido a partir dessa altura efeitos crescentes na remuneração variável do trabalhador, que duplicou entre 2017 e 2019», acrescentando que «foram devidamente planeadas e validadas pela estrutura hierárquica do jornalista em causa e, além de lesarem objetivamente a RTP e os objetivos de gestão orçamental que a empresa tem o dever de perseguir para poder cumprir a sua missão de Serviço Público, originaram ganhos avultados ao trabalhador em causa que, em 2018 e 2019, recebeu, só em trabalho suplementar, cerca de 16 mil euros, o equivalente a 10 salários mensais do próprio e a mais do que um ano de salário de alguns dos seus colegas de editoria, atingindo um volume de horas extraordinárias que, nesses dois anos e meio, de forma reiterada e conhecida dos seus superiores, duplicou o limite legalmente estabelecido».

Feitas as contas, entre o segundo semestre de 2017 e o final de 2019, Eduardo Pestana foi escalado para trabalhar em todos os feriados exceto no Natal por estar de férias. E foram-lhe atribuídas, em dias de feriados, «tarefas cujos horários implicaram a duplicação do trabalho em três desses dias, o que faz com que aos 33 feriados (de um total possível de 36) em que foi escalado para trabalhar, Eduardo Pestana tenha feito corresponder o rendimento correspondente, precisamente, a 36 feriados, maximizando integralmente o trabalho realizado em feriado neste período».

Eduardo Pestana continua ainda a trabalhar na estação pública mas já não faz parte do Conselho de Redação e as excessivas cargas horárias deixaram de acontecer em 2020 com a pandemia e depois da denúncia da Comissão de Trabalhadores.

A reação da direção de informação

Numa reação à queixa apresentada no boletim da CT, lê-se na queixa, o editor-executivo da redação do Porto, Hélder Silva, assumiu a defesa de Eduardo Pestana. «O vosso comunicado é um insulto a todos os que democraticamente elegeram o jornalista do desporto que se candidatou ao CR. Oxalá volte a candidatar-se. Terá o meu voto. É por comunicados como este que vocês não me representam. Vocês representam interesses mesquinhos de gente sem escrúpulos, sem carácter, que se serve de todos os meios para atirar lama para a cara de outros trabalhadores. Falta-lhe em competência o que lhes sobra em sede de poder e baixeza», escreveu.

E também a direção de informação reagiu, numa nota assinada por António José Teixeira e co-assinada por todos os seus elementos, incluindo Hugo Gilberto. Diz que repudia «o julgamento público da Comissão de Trabalhadores. «Mesmo que tivesse razão, nada o justifica», escreve, acrescentando que «o caso a necessitar de explicação, pela informação que hoje recebeu a DI, não é nem o primeiro, nem o segundo, nem o terceiro, nem o quarto, nem o quinto, nem o sexto, nem o sétimo, nem o oitavo, nem o nono… com maior número de horas contabilizadas em trabalho extraordinário na empresa». E diz estranhar a escolha bem como «o modo desrespeitoso como a CT se dirige ao conselho de tedação e como questiona as suas decisões».

Benefícios

Mas não terá sido apenas Eduardo Pestana a ser beneficiado. A queixa apresentada ao Ministério Público diz ainda que, enquanto esteve no conselho de redação, Eduardo Pestana «beneficiou igualmente o jornalista coordenador da editoria de desporto da RTP no Porto, Manuel Fernandes Silva, responsável direto pela atribuição e marcação sistemáticas de trabalho suplementar a Eduardo Pestana, particularmente no desenvolvimento da sua carreira interna na empresa, o que teve consequências diretas no plano dos benefícios patrimoniais».

O Nascer do SOL questionou a RTP sobre este caso mas a estação pública disse apenas que «não tem nada a comentar».