Semanas antes dos Jogos Olímpicos de Inverno em Pequim, as autoridade avançaram sobre um escritório na capital, sem qualquer aviso, selando-o com os funcionários ainda lá dentro. Numa cena digna de Hollywood, agentes de máscara e viseira, cobertos de plástico da cabeça aos pés, deixaram almofadas e cobertores à porta do edifício, avançou a CNN. Lá fora, montavam-se tendas, como centro de testagem improvisado, e quem deu por si preso no escritório ligava aos seus entes queridos a avisar que tão cedo não voltava a casa. É que no dia anterior, no sábado, uma funcionária deu positivo à covid-19. Tratava-se do primeiro caso registado de Omicron em Pequim, uma variante que se propaga a uma velocidade explosiva, fazendo soar todos os alertas. Para piorar a situação, a funcionária infetada não tinha saído de Pequim nos últimos 14 dias. Algures pela capital, andava pelo menos uma outra pessoa infetada, sem o saber, quando se ultimam os preparativos para receber centenas de atletas olímpicos.
Um pouco por toda a China sucediam-se cenas semelhantes, num esforço para manter uma política de “tolerância zero” com a covid-19. Depois de conterem o surto do SAR-Cov-2 original, apostando em confinamentos duríssimos a uma escala sem precedentes, fechando-se de seguida ao mundo, os estritos controlos fronteiriços chineses conseguiram bloquear a variante alfa. Tremeram com a delta – a megacidade de Xi’an, com quase 14 milhões de habitantes, teve de entrar em confinamento, registando mais de 1600 casos só em dezembro, um dos piores surtos na China – e aguentaram, mas agora enfrentam a omicron.
A situação pode rapidamente fugir de controlo. Já foram confirmados mais de 300 casos de Omicron na China, segundo a agência Caixin, surgindo em pelo menos seis outras localidades, deixando mais de 20 milhões de chineses em confinamento. Incluindo em Xangai, Cantão ou Tianjin, uma megacidade costeira, mesmo às portas da capital, onde fica um dos portos mais movimentados da China, e onde foi detetado o primeiro surto desta nova variante no país.
É certo que, à semelhança do que vimos nos Jogos Olímpicos de 2020, em Tóquio, os jogos de Pequim – que decorrerão de 4 a 20 de fevereiro, enquanto os Jogos Paraolímpicos de Inverno serão de 4 a 13 de março – terão a covid-19 como protagonista. O precedente não é encorajador, a capital japonesa sofreu um forte surto no rescaldo dos seus Jogos Olímpicos, chegando a bater os cinco mil casos diários no mês seguinte, quando anteriormente não tinha passado das centenas, dando com as suas urgências cheias e o sistema de saúde a colapsar. Mesmo o sistema de manter atletas, técnicos e dirigentes separados numa “bolha” não correu particularmente bem, tendo havido 430 casos registados dentro da bolha de Tóquio, indicando que seria bem mais porosa do que o desejável.
O regime chinês não quer repetir os erros do Japão. Num esforço para impedir que turistas estrangeiros viagem para a China, muitos deles oriundos de países com surtos de Omicron, não serão vendidos bilhetes para os Jogos Olímpicos de Inverno em Pequim, anunciou esta segunda-feira o comité organizador, por causa da “grave e complicada situação da pandemia de covid-19”. Só poderão estar nas bancadas pessoas convidadas, com a condição de serem oriundas da China continental. Mesmo esses terão grandes limitações – foi-lhes pedido que, em vez de cantarem ou gritarem para incentivar os atletas, se limitem a aplaudir, para não espalhar o vírus.
Bairro fechado Não foi apenas o escritório onde trabalhava a primeira pessoa a dar positivo à Omicron que virou alvo das autoridades chinesas. O bairro inteiro onde vivia foi fechado, rodeado por agente e fitas da polícia, enquanto as autoridades conduziam testes a superfícies nos arredores, tentando detetar a presença de covid-19. O lixo começa acumular-se no bairro, notou um correspondente da CNN, só podendo ser recolhido por uma equipa de remoção de resíduos.
De certeza que as autoridades chinesas terão tremido ao se aperceberem que esta mulher infetada vivia a uns meros 15 minutos da aldeia olímpica. Chegaram ao ponto de divulgar uma lista dos locais que visitou, incluindo estações de metro, casas de banho públicas, supermercados, uma loja da Dior, cabeleireiros, um cinema, um centro comercial e um parque de ski, anunciando que 16 mil pessoas foram testadas por terem passado por lá.
Entretanto, todos os transportes públicos entre Pequim e Tianjin – é uma curta viagem de comboio de alta velocidade, que demora apenas uns 30 minutos, por onde passam centenas de milhares de pessoas todos os dias – foram rapidamente encerrados, mas pode ter sido tarde demais. Apesar dos 14 milhões de habitantes de Tianjin terem sido testados numas meras 48 horas, uma investigação epidemiológica revelou que a Omicron começou a circular na comunidade pelo menos desde o início de dezembro, muito antes de ter sido detetada, a 8 de janeiro. Até agora, todos os casos encontrados em Tianjin foram quase assintomáticos, dificultando o seu rastreio – daí que a variante tenha conseguido chegar a tantos outros pontos da China, incluindo a Anyang, na província de Henan, uma cidade com quase 5,5 milhões de habitantes, onde desde então foram detetados quase duas centenas de casos de covid-19.
O Estado chinês está perante a mesma questão que muito outros se colocam. Ou seja, assumindo que restrições tão duras contra a covid-19 não podem durar para sempre, quando é que se começa a relaxar? Será a Omicron o começo da covid-19 virar endémica? Mas na China há uma agravante. Sem a imunidade natural que existe noutros países, como reabrir sem um surto que paralise o páis, mesmo com uma percentagem significativa da população vacinada?
Até agora, não há qualquer indicação que o regime chinês esteja a repensar a sua estratégia de “tolerância zero”, antes pelo contrário, estão a apertar as regras com a aproximação dos Jogos de Inverno – para Pequim, é crucial que corram bem, tendo apostado todo seu capital diplomático no evento, enquanto os EUA e os seus aliados os boicotam, invocando os abusos do regime contra os uigures, uma minoria muçulmana chinesa.
O certo é que a Omicron veio para ficar. “Com poucas pessoas infetadas pela Delta na China, a Omicron provavelmente rapidamente se vai tornar a variante dominante pouco após entrar no país. Se não conseguir ser efetivamente controlada, causando surto a uma grande escala”, alertou Huang Yanzhong, investigador de saúde no Conselho de Relações Internacionais dos EUA, à Caixin.