Manuel (nome fictício) tem quase 70 anos e vive no primeiro quarteirão da Calçada da Estrela, em Lisboa, desde que nasceu. Conhece cada lojista, vizinho e até quem por lá passa apenas para trabalhar. Por isso, tem assistido atentamente ao desenvolvimento da cidade, trocando impressões com conhecidos, amigos e familiares acerca do Plano de Expansão do Metropolitano de Lisboa, que inclui a criação de duas novas estações – Estrela e Santos – e garante que este desagrada profundamente aos moradores.
«Este processo tem vindo a arrastar-se. Quando o Metro chegou ao Rato, fizeram um prolongamento: Estrela, Infante Santo, Alcântara, mas depois este plano foi alterado», explica, referindo-se à implantação da estação de Alcântara, que ficará localizada no lado poente da Praça General Domingos de Oliveira, na Via de Acesso à Ponte 25 de Abril, e será limitada a Norte pela Rua da Quinta do Jacinto, a Sul pela Calçada da Tapa e pela Rua de Alcântara e a Nascente pela Praça General Domingos de Oliveira a Nascente.
No entanto, no final de agosto de 2021,Vítor Domingues dos Santos, presidente do conselho de administração do Metropolitano de Lisboa (ML), anunciou que o prolongamento da linha vermelha – de São Sebastião a Alcântara– terá uma extensão de cerca de 3,7 quilómetros e quatro novas estações: Amoreiras, Campo de Ourique, Infante Santo e Alcântara.
Assim, aquando da conclusão do estudo de impacte ambiental desta empreitada, o dirigente esclareceu que ela deverá estar terminada em 2025/2026, prevendo-se igualmente uma ligação à futura Linha Intermodal Sustentável (LIOS), pois abarcará Lisboa, Loures e Oeiras por meio de um investimento que rondará os 490 milhões de euros e será materializado através de 24,4 quilómetros de extensão.
Deste modo, a linha circular – em que se insere a futura estação da Estrela, que está a ser construída no edifício da farmácia do antigo Hospital Militar – deverá estar pronta mais cedo, isto é, entre o final de 2023 e início de 2024, podendo ser aberta ao público neste último ano. Inclusivamente, no site oficial do Metro de Lisboa, é possível ler-se que «esta Linha circular permite densificar a oferta de metropolitano na cidade de Lisboa e ao mesmo tempo reduzir os tempos de deslocação dentro da cidade».
«Através da Linha circular liga-se o transporte ferroviário de Cascais e fluvial do Tejo ao eixo central e ao transporte ferroviário urbano de Sintra, Azambuja, Setúbal e regional em Entrecampos, sem necessidade de qualquer transbordo», foi adicionado, sendo que esta informação vai ao encontro daquela que foi transmitida pelo mesmo sistema – cujo proprietário é o Ministério do Ambiente e da Ação Climática – no comunicado Moradores e comerciantes consideram positiva a chegada do Metro de Lisboa à Estrela – tendo sido veiculado que «numa reportagem de um canal televisivo nacional, ficou patente a expetativa de moradores e comerciantes entrevistados sobre a chegada do Metro de Lisboa à Estrela, que consideram uma expansão necessária e uma mais valia para a freguesia».
Todavia, as declarações de Manuel ao Nascer do SOL, revelam antes desilusão e medo. «Há quatro dias assustei-me, porque o barulho era infernal, o prédio tremia todo e até a cafeteira trepidava estando em cima do fogão», confessa, temendo as consequências das obras da estação da Estrela nas ruas contíguas e também naquelas que, mesmo não estando nas proximidades, são diretamente afetadas pelas intervenções, na medida em que a linha se estende e influencia o bem-estar dos proprietários e inquilinos «de casas que, na sua maioria, têm mais de 100 anos, canalizações antigas em ferro e a restante estrutura já fragilizada com o passar dos anos».
«Os prédios estão assentes numa zona sedimentar e, na Infante Santo, por exemplo, estão numa calcária. Alguns funcionários do Metropolitano de Lisboa vieram ao meu prédio, entraram em minha casa, autorizei que tirassem as fotografias de que precisavam, fizeram-me perguntas, expliquei a situação e alertei para o facto de esta situação ser complicada para nós», afirma Manuel, que não tem dormido descansado por saber que «estão a construir túneis por baixo dos alicerces dos prédios» – o que, na sua ótica, «pode originar uma desgraça».
«O Presidente Carlos Moedas já tinha falado do problema deste tipo de linhas. Todos os dias, leio muitas notícias e uma vez entendi que, no estrangeiro, estão a abdicar das linhas circulares. Isto não faz sentido: agora é que estamos a pensar nelas quando já não são usadas? É mais uma incoerência», critica, recuando até ao dia 17 de novembro de 2021, data em que o presidente da Câmara de Lisboa (CML) defendeu a suspensão da linha circular do Metropolitano, no contexto da aprovação de uma moção do PCP nesse sentido, e voltou a destacar a proposta de uma linha «em laço».
«Estou, naturalmente, satisfeito com a aprovação desta moção contra a linha circular do Metro, porque reforça o que tenho referido sempre sobre esta opção», explicou o dirigente social-democrata numa reação áudio enviada à agência Lusa.
Naquele dia, soube-se que, «em reunião privada, a Câmara Municipal de Lisboa aprovou uma moção do PCP que manifesta ‘viva oposição’ à linha circular do Metropolitano e insta o Governo à ‘reavaliação imediata’ do projeto, iniciativa que foi viabilizada com os votos a favor dos eleitos pela coligação Novos Tempos (PSD/CDS-PP/MPT/PPM/Aliança), do PCP e do BE, e com os votos contra dos eleitos pela coligação Mais Lisboa (PS/Livre), que apenas votaram favoravelmente a definição de prioridades na expansão da rede».
«É um erro, está longe de ser a melhor opção para servir a cidade, deve ser seriamente ponderada a alteração de algumas das propostas e em muitos casos corrigir mesmo para melhores soluções que sirvam os lisboetas e quem se desloca e trabalha na cidade», elucidou o então recém-eleito presidente, que repetiu uma ideia que já havia salientado durante a campanha para as eleições autárquicas de 26 de setembro, declarando que «não podemos, não devemos manter uma opção de linha circular, que é algo que não é racional e não serve a população».
Recorde-se que, a 9 de abril de 2020, a CML aprovou uma moção, apenas com os votos contra do PS, «manifestando a sua discordância por o Governo não suspender o projeto da linha circular do Metro, como aprovado pelo Parlamento».
Sete meses antes, a 5 de julho de 2019, António Costa publicara na sua conta oficial do Twitter o seguinte: «Como insisti repetidamente, as grandes infraestruturas devem ser objeto de consenso político alargado, que assegure coerência e continuidade a investimentos estruturantes para o País» e, logo de seguida: «Hoje a Assembleia da República aprovou por maioria largamente superior a 2/3 a Resolução sobre o Programa Nacional de Infraestruturas. É um sinal de maturidade democrática e de credibilidade do processo de decisão. Ouçamos agora o Conselho Superior de Obras Públicas».
A 14 de abril de 2021, dia em que arrancaram as obras, o primeiro-ministro realçou que «esta linha circular é muito mais do que apanhar o Metro no Rato e ir parar ao Cais do Sodré», enfatizando a importância de se «fechar o anel».
Quando assinou o auto de consignação para avançar com as obras de expansão, António Costa recordou que, ao longo dos últimos anos, Lisboa evoluiu, mas o Metro «continuou parado», considerando esta estagnação um «erro» e, consequentemente, prometeu que «o Metro não vai parar, pelo contrário, vai alargar».
«Na Assembleia da República, todos os partidos votaram contra a construção da linha exceto o PS. E o argumento passou a ser de que as verbas da União Europeia não poderiam ser aplicadas para a construção da linha de Alcântara», lamenta Manuel, que tem conversado com amigos e familiares que concordam com a sua perspetiva. «E, por isso, dizem que não se pode voltar atrás e tudo o mais. A questão é que esta empreitada pode levar a situações fatais, são pessoas que se encontram em causa».
«Parece-me aberrante que o senhor Presidente da República tenha achado que se tratava de uma recomendação. Então, isto significa que tudo é uma recomendação?», questiona. «Se formos ao extremo, nem Constituição temos». Manuel evoca o dia 9 de abril de 2020, suprarreferido, em que Marcelo Rebelo de Sousa asseverou que não se justificava um recurso ao Tribunal Constitucional por causa da linha circular, adiantando que o Executivo somente formulara uma recomendação e dela não adviria a suspensão de qualquer decisão administrativa.
‘Ninguém os tranquiliza’
«Sou ponderado, mas estou a exaltar-me porque as coisas estão de tal maneira que a pessoa que trabalha aqui em minha casa há mais de 30 anos diz que tem medo de vir trabalhar. E disseram-me que já apareceu uma brecha num dos edifícios perto do Jardim da Estrela», lastima Manuel, pedindo aos governantes que não se esqueçam de que o projeto da linha circular obrigou à desocupação temporária de quatro edifícios, perfazendo um total de 25 habitações.
«Não há aqui expropriação nenhuma, ninguém está a expropriar nada. Existem quatro prédios que ficam não debaixo desta obra que está em curso, mas daquela que vamos fazer a seguir. Os prédios são anteriores ao regulamento geral de construções e é impossível conhecer os projectos e as condições estruturais dos prédios», garantiu, no passado mês de dezembro, o ministro do Ambiente e Ação Climática.
Dirigindo-se aos jornalistas numa visita ao poço de ventilação (PV208) e aos túneis que permitem ligar a estação do Rato à futura estação do Metropolitano de Lisboa na Estrela, João Pedro Matos Fernandes disse que é «absolutamente essencial, por razões de segurança destas cerca de 30 famílias e lojas», que se proceda à inspeção dos edifícios.
À época, sabia-se que os proprietários haviam assinado um acordo com o Metropolitano de Lisboa, estando 20 à espera de o fazer e sendo o valor da indemnização de 125 mil euros. «Pode resultar que não é preciso fazer mais nada, como pode resultar ser necessário reforçar as fundações», observou Matos Fernandes, elucidando que «até em alguns casos não é de esperar, mas pode acontecer, [ser preciso] reforçar a própria estrutura do prédio».
«Foram contactados por carta, não consigo negar que por acaso tinha sido mais cuidadoso contar primeiro antes de enviar uma carta, mas o processo está a correr regularmente», admitiu, reconhecendo que as famílias deviam ter sido contactadas e recebido as cartas depois disso. «É óbvio que é um incómodo para as pessoas. Pedimos desculpa pelo aborrecimento que estamos a causar. Mas estão em causa duas coisas: o interesse público da construção desta linha e a segurança dos prédios e de quem lá mora», indicou, apontando que ninguém está a «negar ou a esconder nada».
Posto isto, Matos Fernandes argumentou que os moradores não teriam de abandonar as casas no dia 3 de janeiro, havendo alguma flexibilidade. «Pedimos para irem saindo para os sítios que escolheram e nós pagamos», expôs, acrescentando que quem não tomou uma decisão, ficaria em hotéis no decorrer das, pelo menos, três semanas de afastamento da zona de residência. «É um aborrecimento porque as pessoas têm de empacotar as coisas, as actividades económicas têm de ser interrompidas, mas o que tenho para dar a estas pessoas é terem o metro à porta dentro de dois anos».
Contactada pelo Nascer do SOL, a CML disse que não tem «nenhuma informação» acerca da trepidação sentida nos edifícios.
Por seu lado, Luís Newton, Presidente da Junta de Freguesia da Estrela, não estranha que seja esta a realidade porque também não lhe chegou qualquer informação relativa a este assunto.
«Apesar da ausência de feedback, isto caía muito dentro daquilo que dissemos que ia acontecer. Estamos preocupados com os moradores de toda a encosta. Solicitámos documentos ao Metropolitano sobre a segurança dos edifícios e não recebemos nada», denuncia, frisando que «as fundações dos edifícios não assentam na rocha» e, devido a esse problema, a JF terá contactado com a colaboração de engenheiros que esclareceu as suas dúvidas. «Colocámos essa questão e não obtivemos qualquer resposta por parte do Metropolitano».
«O Metropolitano fez um conjunto de vistorias dentro do corredor de circulação do túnel e identificou rachas existentes. Devia ter alertado a população daquela zona e pedido que o contactassem se surgissem mais rachas», conta Luís Newton, comentando que, atualmente, a JF da Estrela está em contacto com a entidade pública empresarial por causa da expansão da Linha Vermelha.
«Eles não nos disseram nada e, honestamente, nós também não temos mais novidades para lhes dar porque os moradores estão a recorrer à comunicação social, em primeiro lugar, para tentarem obter uma resposta mais rápido e não a nós», constata Newton, considerando, ainda assim, que «o Metropolitano devia explicar às pessoas aquilo que se passa. Sentem as casas, que não são propriamente resistentes e não têm uma estrutura pensada no âmbito do cimento e do betão armado a tremer. É normal que fiquem assustadas».
«Vivem numa incerteza muito grande e imaginam os piores cenários. Se não há problema nenhum, se não há ciência nenhuma nisto e é tudo muito simples, eles que esclareçam as pessoas», justifica o também Presidente da bancada do PSD na Assembleia Municipal, compreendendo que os idosos são aqueles que «entram em pânico mais facilmente porque pensam que, se acontecer alguma coisa, não têm mobilidade e não podem mexer-se com tanta facilidade».
«A verdade é que ninguém os tranquiliza. Não há cuidado com as pessoas. O Metropolitano podia ter enviado a informação para nós, avaliávamos e depois tentávamos mediar esta situação», diz, apelando aos habitantes da Estrela para que confiem na sua Junta de Freguesia, a informem das questões que os incomodam e permitam que a mesma faça a verificação dos problemas para encontrar uma solução.
«As pessoas, nestas zonas, vivem com receio daquilo que o dia seguinte lhes reserva. Sempre que os cidadãos tiverem alguma questão, podem e devem dirigir-se à JF. Temos estado muito ativos nesta matéria», conclui.