José Alberto Carvalho: “Para mim o tédio instala-se quando não há novidade”

Descobriu que tinha na voz um trunfo quando experimentou fazer rádio, em Viseu, onde morava. Aos 54 anos, acredita que vivemos ‘um tempo de total cinismo em relação à verdade’ por causa das ‘redes sociais e do domínio que os algoritmos exercem sobre a nossa vida’. Fora do ecrã, a astrofotografia e os legos são…

Diz que a definição de jornalismo é o amor ao novo e a capacidade de nos deslumbrarmos todos os dias assim que o dia começa. Pode dizer-se que é confortável para si viver no desconhecido?

A resposta é dupla. Sempre me senti uma pessoa bastante curiosa, mais curiosa do que as pessoas que estavam à minha volta. Não tenho nenhuma explicação para isso, acho que nasci assim. O meu primeiro ídolo foi o Benjamin Franklin porque, em miúdo, havia uma coleção de cromos que eu fazia chamada ‘Os grandes inventores e os seus inventos’, uma coisa tipicamente da altura, nos anos 70. Eu adorava aquela coleção e fiquei fascinado ao descobrir a invenção do Franklin – antes de saber que ele tinha sido político, constitucionalista, um dos melhores oradores da história da política americana e mundial, um grande filósofo e pensador –, o para-raios. Fiquei fascinado com a simplicidade da solução e a sua eficácia e, portanto, o Benjamin Franklin era o meu ídolo. Esta é uma pequena ilustração de como eu sempre me senti curioso em relação às coisas… E as fotografias que vejo minhas de quando era miúdo, depois na fase da adolescência nem tanto, mas a imagem que encontro nas fotografias que tenho dessa altura é a de um miúdo curioso, mesmo. Um miúdo que está sempre a espreitar, que está à procura de perceber como é que é. Eu gostava de desmontar os carrinhos para ver como eram por dentro mas não gostava de os estragar, gostava de os desmontar para voltar a montar. Sempre me senti uma pessoa muito curiosa e, à medida que fui crescendo, essa curiosidade deixou de ser sobre coisas e passou a ser sobre pessoas e sobre o que nos rodeia. Foi isso que me empurrou para o jornalismo.

É filho único, costuma falar-se da idade dos ‘porquês’.

Era… Eu procurava as respostas! Todos os livros que havia em casa – também não era uma biblioteca extraordinária – mas todos os livros que havia em casa eu li. Livros do Círculo de Leitores, da Selecções do Reader’s Digest, clássicos também… Alguns até li várias vezes. Lembro-me de um livro que exerceu, até hoje, um fascínio muito grande em mim da Selecções do Reader’s Digest: era um livro enorme de capa dura, com montes de fotografias a cores, extraordinárias, sobre os oceanos. Eu achava aquilo de uma beleza absolutamente transcendente. Eu já fui dezenas de vezes ao oceanário, adoro o oceanário, adoro os movimentos, as cores, as texturas, as convivências, as simbioses, os desafios… Hoje, se não tivesse a entrevista tinha ido ao planetário [risos].

Gosta de alimentar a criança que há em si…

Mesmo, mesmo, mesmo! 

Mas quando se está há mais de trinta anos no jornalismo e se depara com tantas histórias, muitas vezes trágicas, como é possível preservar esse lado mais inocente?

Acho que tem mesmo a ver com aquilo que estava na definição, que não é minha, mas que eu acolhi para mim, porque me revejo nela, que é… um amor ao novo. Não consigo explicar isto de outra maneira, para mim o tédio instala-se quando não há novidade. E isso é a essência desta profissão e eu não podia fazer outra coisa que fosse diferente disto. Aquilo que não aconteceu vai ser sempre mais surpreendente do que aquilo que já aconteceu. 

A tal ideia que defende da importância de ‘não viver numa sala de espera’?

Sempre. Mas acho que esteve um pouco adormecida durante uma determinada fase da minha vida adulta em que se calhar mimetizei alguns comportamentos que via à minha volta. Depois de várias circunstâncias da minha vida que me forçaram a refletir sobre algumas coisas, sobre o que é que eu quero de mim, do meu tempo, do mundo… isto levou-me para outros caminhos, muito mais saudáveis do ponto de vista intelectual e íntimo. Foi uma jornada minha da qual nem gosto de falar porque temo que isso possa ser utilizado contra mim. Nós vivemos um tempo de total cinismo em relação à verdade e isso é um problema também dos jornalistas, mas acima de tudo é um problema da sociedade. Nós vivemos um tempo cínico sobre a verdade porque, na verdade, nada é o que parece – e nunca foi tanto assim como agora por causa das redes sociais e do domínio que os algoritmos exercem sobre a nossa vida, as nossas escolhas, os nossos comportamentos e que conseguem mesmo confundir-nos sobre aquilo que nós próprios somos. Tenho a certeza absoluta daquilo que estou a dizer, nós já somos um produto do algoritmo a todos os níveis. Por acaso é engraçado, esta vale a pena partilhar, ainda hoje vi um conjunto de ilustrações de um jornal italiano e acho isto fascinante porque é exatamente o que eu acho e, aqui, está extremamente satirizado e excessivo, mas está lá tudo – se calhar não está assim tão excessivo, está só chocante. 

[As várias ilustrações podem ser encontradas no Facebook do Il Mondo e mostram a dependência e influência das redes sociais na comunicação humana. Ex: Uma delas mostra um casal a jantar num restaurante, cada um agarrado ao seu smartphone] 

Cada uma é melhor do que a outra! É isto, nós estamos dentro da jaula, nos nossos mundos à parte. O que aqui está é extraordinário! [Mostra mais ilustrações] Este tipo aqui numa trip de likes; aqui as pessoas todas diferentes, mas depois de passarem pelo algoritmo ficam todas iguais. Espetacular! Estamos numa fase de grande transformação da sociedade, é o que é. A tecnologia sempre teve esse impacto, sempre alterou a sociedade. Aquilo que mais me assusta não é a transformação em si, até porque isso seria contraditório com aquilo que penso, o novo é sempre melhor, desde que nós tenhamos consciência dele. Aquilo que mais me preocupa e assusta é que nós permitimo-nos ser subjugados e estamos contentes com isso, ninguém se inquieta, ninguém se interroga e mesmo quando se interroga é uma coisa passageira porque, logo a seguir, a força do meio envolvente… ‘Eu nem gosto, mas toda a gente faz’; ‘Se eu não estiver lá parece que não existo’. Uma das consequências, e eu costumo chamar a atenção para isso, que tem a ver com esta profissão e com a democracia, é que, com tudo isto que está a acontecer, há uma coisa que também desapareceu da maneira como a conhecíamos – e eu acho que aí temos um choque civilizacional e eventualmente democrático – que é o fim da opinião pública tal como a conhecíamos. Havia uma frase, que não faz sequer sentido hoje em dia e ainda esta semana ouvi, agora a propósito dos debates, e fiquei a pensar naquilo porque já nem esta frase faz sentido, que é: «Atenção que a opinião pública é diferente da opinião publicada». Isto fazia muito sentido quando a imprensa e o jornalismo eram a principal fonte de aquisição de conhecimento para a generalidade das pessoas. Hoje em dia o jornalismo não é a principal fonte de aquisição de conhecimento e, portanto, a opinião publicada é imensa, toda a gente publica a sua opinião, pouca gente publica factos, mas não há opinião pública. Estamos três pessoas aqui dentro desta sala, os nossos telemóveis até podiam ser todos da mesma marca e do mesmo modelo, fisicamente eles eram todos iguais, mas o impacto que cada um deles tem em cada um de nós pode resultar em três mundos diferentes porque cada um o usa de determinada maneira.

Passa a ser o mundo de cada um e, quando assim é, onde é que está o denominador comum que constitui a opinião pública?

Desaparece. Eu dou vários exemplos. Quando eu era um jovem adulto, aliás, durante a maior parte da minha vida até agora, era fácil e normal eu chegar a um jantar de amigos e estarem três pessoas que eu não via há cinco dias, uma semana, um mês, dois anos, seja o tempo que for, e dizer: ‘Já viram o que está a acontecer com este maluco do Putin?’, e toda a gente sabia do que estávamos a falar. Hoje em dia ninguém chega a esta situação imaginária e diz isto porque é uma coisa tonta. Eu sei lá o que é que as pessoas andam a ler, que notícias é que sabem, como é que acompanham o mundo…

Está tudo no algoritmo?

Está mesmo no algoritmo. Acho que um dos maiores desafios políticos e civilizacionais é como fiscalizar os algoritmos. Como fiscalizar politicamente! De que servem as leis se quem as aplica é o algoritmo, que é uma coisa invisível, que foge ao controlo dos seus próprios criadores muitas vezes, que é fácil de esconder. Onde é que se deposita um exemplar legal do algoritmo e como é que se conseguem criar mecanismos de transparência nas empresas, nas instituições, para que quem é eleito possa e deva exercer a sindicância, a fiscalização sobre o algoritmo? Acho que é uma conversa fundamental, pode parecer de malucos, admito que possa parecer de malucos, mas é uma conversa fundamental. É uma grande questão política, das mais determinantes para o nosso futuro e acho que já vamos tarde.

É por isso que, apesar de ter redes sociais, tem apenas onze publicações no Instagram?

Eu tenho um problema com o Instagram. O Instagram é uma ferramenta meramente visual e reduz a importância das palavras, o que não tem nenhum problema, a dimensão visual das coisas sempre me fascinou, eu gosto de fotografia, ou seja, não é a dimensão visual em si que me incomoda. O que me incomoda é que as pessoas tenham passado a comunicar através de imagens e através de imagens manipuladas de si próprias, da sua vida e das coisas que as rodeiam. O mundo dos portugueses no Instagram não é igual ao mundo que eu vejo quando venho de carro de minha casa para aqui [TVI] ou quando vou daqui para a escola dos meus filhos. Não é o mesmo. É uma realidade paralela. O algoritmo conseguiu convencer as pessoas todas a adotarem comportamentos massivos, que se transforma numa espécie de regra. Fotografar a comida em vez de falar sobre os ingredientes, fotografar um sítio e embelezar com o filtro tal. É querer ter o último telemóvel porque a câmara é não sei o quê e tem mais uns efeitos e vou conseguir fazer não sei quê para o Instagram. É o facto dessa rede social ter reduzido a importância da palavra porque a palavra é aquilo que nos resta. É sempre aquilo que nos resta. As palavras que nós encontramos para descrevermos aquilo que somos e queremos ser, aquilo que nos acontece é sempre aquilo que nos resta.

Pergunto isto porque o Instagram é muito focado na fotografia, que é também uma das suas grandes paixões…

Estou no processo de refletir como é que eu utilizo ou dou utilização às redes sociais. Nunca tive uma resposta clara que me surgisse: «Zé, deves fazer isto e isto, deves abordar os assuntos desta maneira, tocas nestes assuntos não tocas naqueles. Isso nunca foi claro para mim.

Quando assim é prefere não estar ativo nas redes sociais?

Como não sabia o que havia de fazer ainda não tenho uma certeza absoluta mas estou nessa reflexão.

Mas como olha para as redes sociais em geral?

Acho que elas são maravilhosas para muitas coisas e não convém esquecer que são uma forma de vender produtos. O pretexto de vender produtos é facilitar a comunicação entre as pessoas mas, na verdade, as pessoas que as criaram só querem vender produtos. É assim que ganham dinheiro, até a própria noção de influencer é absolutamente perniciosa, eu detesto a expressão influencer porque os influenciadores são pessoas que me querem convencer a gastar o meu dinheiro numa determinada coisa que eles sugerem, não querem que eu pense sobre uma coisa, esses sim deviam ser os verdadeiros influenciadores, as pessoas que têm algo a dizer aos outros e que não tenham um compromisso comercial. Um influencer é uma definição comercial, marketing puro. Os influencers antes eram quem escrevia nos jornais, não quem publicava anúncios nos jornais. O exercício do jornalismo em si é que era influencer e nós perdemos isso. Mas o que é mais dramático não é isso ter acontecido, a sensação que eu tenho é que há cada vez menos gente a importar-se com isso. Isto pode parecer um discurso devastador e pessimista, mas é muito factual. Eu lamento muito que isto esteja a acontecer, mas tento manter a minha vida com o tal amor ao novo porque eu continuo a acreditar. Aliás, acho que o jornalismo é mais importante do que alguma vez foi na história da Humanidade. É uma convicção absoluta. Podem-me matar que eu vou dizer isto até ao último suspiro. Aquilo que são tradicionalmente os valores de notícia precisavam de ser todos reclassificados, revistos. Há coisas a que nós nos habituámos enquanto sociedade a tratar noticiosamente por várias razões, mas muitas delas são neste momento apenas coisas inertes. É assim porque sempre foi assim, porque se nós refletirmos objetivamente sobre alguns desses acontecimentos que aparecem nos noticiários… alguns deles não têm nenhuma relevância para a vida quotidiana das pessoas e ocupam um tempo e um espaço que devia ser ocupado com outras coisas, incluindo literacia sobre redes digitais e sobre tudo o que tem a ver com os fenómenos da comunicação digital, porque é a comunicação de hoje em dia. Quando nos revemos naquelas ilustrações [do jornal Il Mondo], que mostrei há pouco… a comunicação não é cara a cara, já não tem nada a ver com o que era. 

E tem assistido de perto e desde o início a todas estas mudanças no jornalismo, uma vez que passou pelos ‘três grandes’ (RTP, SIC e TVI)… Bem sei que não é adepto de futebol… [Risos]

Foram três vidas. Fui o fundador da SIC online – claro que não tem nada a ver com aquilo que é hoje -, o projeto foi lançado no ano 2000, e fizemos várias coisas como as newsletters. Eu escrevia uma newsletter todos os dias às cinco da tarde, distribuída por mail. Outra: os pushnews, tivemos pushnews há 20 anos e toda a gente dizia: «Isto não faz sentido» e eu, hoje em dia, é que acho que não faz sentido porque as notificações… Acho que isto é um absurdo que não resiste a qualquer análise racional e económica. Quando eu recebo um produto de graça, quem faz está a desvalorizá-lo. O que é que cada órgão de informação que faz um push ganha? Isto não é contabilizado em nada. Não conta para mercados de publicidade, não conta para medir a minha capacidade de influência… Estou a falar de notificações, o acesso ao site já é outra coisa, mas vamos lá ver, é isso que não resiste a nenhuma análise racional. Em 100 utilizadores quantos é que vão ao site? O que é que se ganha com isso? Está a ver porque é que eu acho que o algoritmo manda nisto tudo? Nós fazemos coisas absurdas. O que eu mais detesto é parecer um maluco alucinado na sala, detesto, mas às vezes é assim que me sinto: ‘Que chato este gajo, quer dizer ele tem razão naquilo que diz, mas que chatice porque é que ele tem razão?’. É um bocado ‘The Fool On The Hill’, uma música dos Beatles de que sempre gostei muito e que é muito saudável [risos]: «Day after day/Alone on a hill/ The man with the foolish grin/ Is keeping perfectly still».

O ‘maluco na sala’ era visto na juventude como o intelectual do grupo, verdade?

Sim, sim, um bocadinho. Eu gosto sobretudo de interrogar, mesmo. O meu primeiro professor de filosofia disse-me várias coisas que acabaram por ser muito estruturantes na minha vida. Os professores são mesmo importantes na estruturação da personalidade das pessoas, na maneira como definem o seu caráter e as suas opções de vida. Ele dizia-me uma coisa sobre a filosofia que eu apliquei sempre no jornalismo, que é: «Ser filósofo é estar sempre na idade dos porquês». Eu acho que o jornalismo também é isso.

Ainda antes do jornalismo, houve uma primeira experiência numa rádio pirata…

Foi, foi. A rádio permitiu-me descobrir uma coisa muito importante para mim e que eu desconhecia: a voz. A maneira como a nossa voz ressoa para nós próprios é diferente da voz que os outros ouvem. Eu tinha noção da minha voz para mim, não tinha noção do impacto que ela podia provocar nos outros e como isso podia ser um instrumento importante. Essa descoberta foi fantástica. Estava a vir agora para aqui e encontrei o Toy. Acho que estivemos juntos uma vez, conhecimento meramente social e o Toy disse-me: «Gosto tanto da sua voz» e eu respondi: «Toy, não penses gravar um disco comigo que eu sou o gajo mais desafinado do mundo, mas tenho uma enorme inveja sua e das pessoas que cantam bem». O Toy tem uma voz extraordinária, independentemente do género. Aquela sensação de subir a um palco e ter milhares de pessoas à frente, ou centenas, ou dezenas, não interessa. Ter pessoas à frente e conseguir transmitir, libertar sentimentos, emoções, pensamentos das pessoas com a sua voz… é um poder mágico. Mas estávamos a falar da rádio pirata, uma rádio ilegal na altura, quem diria [risos]? Houve um tempo na minha vida em que havia polícia das telecomunicações, se calhar hoje em dia era mais precisa mas, na altura, era para policiar a utilização de frequências radioelétricas, que era um bem público que só o Estado é que podia distribuir e gerir [risos]. Parece que foi há mesmo muito tempo. E foi. Foi e não foi.

Pode dizer-se que foi noutro século…

Isso é verdade. Mas a experiência na rádio permitiu-me isso: comecei como animador, adorava música, apesar de desafinar largamente, tinha uma coleção de discos razoável. Todo o dinheiro que conseguia poupar gastava em discos, vinil, claro, não havia outra coisa na altura. Isso facilitou-me ali o convívio com os parceiros da Rádio no Ar, em Viseu, onde eu vivia, e permitiu-me depois descobrir a voz. O jornalismo veio na sequência da descoberta da voz. Eu adorava ler jornais, seguir o noticiário, perceber o mundo. As coisas todas encaixavam-se de uma forma muito natural, quase sem fazer planos. Quando eu cheguei a casa e disse aos meus pais que, afinal, não ia seguir os estudos que tínhamos falado…

Medicina veterinária?

Sim, eventualmente era esse o caminho ou alguma coisa relacionada com o campo, a pecuária ou a agricultura, com a biologia, química, ou seja, sempre na área das ciências. Depois houve um shift completo. Eles ficaram surpreendidíssimos, disseram que eu estava maluco. Aliás, acho que a maior parte das decisões importantes na minha vida foram tomadas com a contrariedade das pessoas que me rodeiam. Na verdade, nunca houve uma decisão importante na minha vida em que as pessoas que me rodeavam, portanto, o meu círculo mais próximo, seja família ou amigos mais chegados, me tenham dito: «Epa boa, vai!». A sério, nunca. Nenhuma.

Não deve ter sido fácil…

É só divertido [risos]. 

Mas divertido na altura ou agora, quando olha para trás?

Eles achavam que eu estava a ver mal o problema e eu achava que eles é que não estavam a ver bem. Acabei sempre por decidir aquilo que a minha intuição e convicção me diziam e acho que não me arrependo.

Deixar Viseu para ir estudar para o Porto foi complicado?

Foi complicado, mas foi mais bonito do que complicado, porque o Porto ficava a três horas de Viseu, não havia autoestradas. Hoje em dia é uma viagem que se faz em cerca de uma hora, um terço do tempo, o que torna a mobilidade completamente diferente. Mas foi a descoberta de uma cidade maior, o alargar horizontes, conhecer pessoas novas e diferentes com outros percursos de vida, outras ambições, com outros conhecimentos e isso foi tudo fascinante para mim. Eu gosto daquilo que não sei.

Sempre o novo…

Mesmo, mesmo!

E depois nova mudança, com a vinda para Lisboa.

Com alegria, com todas as pessoas à minha volta a dizerem: «Epa, as televisões privadas no resto da Europa têm sido uma tragédia», eu estava na RTP, era um miúdo, tinha 23 anos…

Os inícios tornam-se ainda mais importantes e motivadores para um jornalista que está há tanto tempo na profissão?

Falou do projeto da SIC online, mais recentemente a CNN Portugal… São, maravilhosos. São a oportunidade de mudar, são a oportunidade de fazer diferente, são a obrigação de mostrar, são o desafio à criatividade. Não podes fazer uma coisa nova se fizeres o mesmo ou se fizeres da mesma maneira que fazias, portanto, isto são sempre desafios criativos de todos os pontos de vista, desde a organização, à linguagem, à forma, são momentos extraordinários, momentos épicos. Eu acho que este projeto recente da CNN Portugal demonstra… Ou seja, eu tenho-me divertido com algumas opiniões de algumas pessoas, são todas legítimas. Aquilo que eu, francamente, não acho justo é quando questionam: «Afinal o que é que trouxe de novo?». A resposta é simples. Trouxe tanta coisa de novo que os outros canais que já existiam, de repente, ficaram a parecer mais antigos. A maneira, a forma, o ritmo, a cadência, isso faz toda a diferença. 

Já fora do conceito de notícia, hoje o que acontece, por exemplo, no final do J8, quando o pivô informa que de seguida irá começar a novela ou um outro formato, prova também a necessidade deste constante movimento entre os programas, ligando de certa forma a informação e o entretenimento?

É um reflexo disso, claramente. Acho que algumas opções nem sempre são efetivas, ou seja não conduzem ao objetivo que se pretende, mas percebo e é inevitável. É uma tentativa de manter o contacto com as pessoas, corresponde a isso. Uma estação de televisão vive da audiência que consegue, como tudo na vida. O espetáculo de circo vive da audiência que consegue, o clube de futebol vive da audiência que consegue, o partido político vive da audiência que consegue, o governo vive da audiência que consegue. Nas televisões, nos automóveis, nas bicicletas elétricas, no detergente para a loiça, é em tudo na nossa vida. Isso é mais uma manifestação que corresponde à necessidade de nós termos consciência e noção absoluta que precisamos de agregar os nossos espetadores e de os reter o mais possível, é isso que nós queremos, sim. Pronto [risos].

A noite das eleições está à porta. É sempre um momento entusiasmante de se acompanhar?

Sempre. Há coisas que, por mais que se repitam, nunca são iguais. Os abraços nunca são iguais, o bacalhau à Gomes de Sá nunca é igual [risos], e as noites eleitorais também não são, sobretudo porque nunca é possível antecipar na véspera – ou no início da noite eleitoral – o que vai ser a realidade no fim da noite eleitoral. Mas nunca. Tem sido muito interessante e um dado que também me surpreendeu foi a audiência que os debates tiveram, ou seja, há muitas pessoas interessadas em tentar perceber e aprofundar as suas opções e eu acho que isso é sempre bom. Agora, para esta noite eleitoral, a nossa ideia é beneficiar do contributo que a CNN tem para dar nesta altura com uma série de outras características da TVI para uma emissão conjunta que vamos fazer – e não é uma questão meramente tecnológica. Essa questão tecnológica vai ser importante, nós vamos ter uma coisa que, enfim, quem já viu emissões eleitorais da CNN já sabe o que é, que é o Magic Wall – um ecrã interativo que tem um software específico desenvolvido para aquilo e que é manuseado com uma destreza incrível e espetacular por um jornalista conhecido que é o John King. Nós vamos ter um Magic wall adaptado à realidade portuguesa. Vamos ter a nossa Magic wall, quando se diz Magic wall é mesmo para ela fazer um bocadinho de magia, já que mostramos vários cenários possíveis. Nós queremos contar uma história, estamos a preparar uma narrativa para a noite eleitoral que esperamos que seja muito apelativa para as pessoas. 

Fora da televisão, além da fotografia, é também um fã de Legos. É um gosto que já vem de criança?

Vem. Os adultos colecionadores de Legos sabem que há uma fase nas suas vidas que é conhecida como a idade negra, da escuridão absoluta em que não havia Legos nas nossas vidas. Geralmente é a partir dos 12 anos em diante, por essa altura as pessoas entram na idade negra e, depois, aos 35, aos 40, aos 50, seja quando for, reencontram a luz [risos]. E percebem como tudo mudou durante a idade negra, foi o que me aconteceu. Sendo que eu tenho guardado – os meus pais fizeram o favor de me guardar – o meu primeiro Lego. Tenho uma fotografia minha com cerca de 6 anos a montar o Lego ao lado da minha mãe, que estava a fazer croché.

Que construção era?

Era um veleiro, um navio muito básico. Os conjuntos de Lego eram muito simplistas na altura, tinham pouca diversidade. Não tem nada a ver com aquilo que é hoje em dia.

Ainda hoje alimenta muito esse hobbie?

[risos] Eu vou mostrar-lhe aqui porque é mais fácil. Eu não quero parecer too much, por isso não vou mostrar tudo. Isto é em minha casa, na cave [mostra no telemóvel]. É que não é só Legos, são Legos iluminados. Esta é uma das maiores cidades da Europa, ou do mundo, de Legos iluminados, não conheço nenhuma maior. São quase 40 m2.

[Mostra um vídeo da espetacular cidade de Legos: uma construção com mais de um milhão de peças, com vários quarteirões, edifícios iluminados, comboios que percorrem toda a cidade, jardins…]

Quanto tempo demora fazer uma cidade de Lego destas?

Milhares de horas, não consigo contabilizar. Tenho mais de um milhão de peças aqui.

Tem grupos de Lego, onde partilham as contruções?

Tenho!

Os filhos ajudam?

Não, os filhos estão na idade negra [risos]. Houve uma altura em que os meus filhos mais novos alinharam comigo, mas nunca nesta maluqueira da cidade. A cidade é uma coisa minha. Tem 30 powerbanks para fazer a iluminação. Só o trabalho de ligar e desligar esta brincadeira toda… demoro para aí 5 minutos a dar a volta à cidade toda a ligar botões.

Pode dizer-se que o Lego e a astrofotografia são onde…

Sim, sim. São onde eu ocupo o meu tempo todo fora do trabalho. O tempo todo, todo. É muito pior iluminar do que construir, é uma paciência de Job. Eu tenho edifícios que têm 150 leds.

É uma pessoa muito paciente?

Q.b., para as coisas de que gosto, só. Posso ser completamente irascível com as coisas de que não gosto, intempestivo até.

O que é que o tira do sério?

A maldade. Lido muito mal com a mediocridade e com a maldade. Lido mesmo mal. Todos nós podemos fazer coisas que magoam os outros, o problema é se o fazemos em consciência e tenho muita dificuldade em lidar com isso. Se me apercebo que estou a fazer isso, fico deprimido comigo próprio. Fazer mal ao outro, fazê-lo escorregar, enganá-lo, mentir-lhe, manipulá-lo, provocar sofrimento, dor… Isso mexe mesmo comigo, de uma forma excessiva até. Se forem os meus filhos objeto disso, eu sinto como se fosse eu; se forem os meus filhos a fazer fico com uma deceção monumental, mas nunca aconteceu.

A nível profissional ainda há algum objetivo que gostasse de agarrar?

Há. Há desafios que eu gostava de agarrar.

Ligados à televisão?

Ligados àquilo que é a comunicação hoje em dia. A televisão foi um ecossistema que correspondia a um eletrodoméstico. O ecossistema de hoje é muito mais complexo do que isto e corresponde também a eletrodomésticos, mas não só. Aliás, o eletrodoméstico está no fim da fila. O ecossistema de comunicação hoje em dia é muitíssimo mais complexo, fascinante, desafiante do que era durante o tempo do ecossistema da televisão, em que tudo se passava com uma determinada cadeia de produção exibida num ecrã que foi concebido propositadamente para isso. Aquilo que temos hoje em dia não tem rigorosamente nada a ver com isto, mas aquilo que eu acho é que o jornalismo continua a ser fundamental. Conseguir captar a atenção das pessoas com coisas que são importantes e interessantes para a vida delas, conseguir desencadear uma coisa que eu acho que é fundamental no processo de reflexão das sociedades que é conseguir fazer chegar alguma coisa a uma pessoa ou a muitas pessoas que as leve a dizer assim: «Bolas, eu nem tinha dúvidas sobre isto porque nem sabia que isto existia», este fator surpresa, na minha opinião, é decisivo para conseguirmos baralhar um pouco melhor o algoritmo e para tentarmos repor algum controlo nas nossas vidas. Ter a capacidade da surpresa. Há lugares comuns, por exemplo, nas redes sociais, uma história de animais é sucesso garantido. Mas começa a ser preocupante se no mundo cada vez mais pessoas só ocupam o seu tempo com uma história de animais aqui, uma história de comida ali, um pôr-do-sol banal acolá. Aí acho que começamos a ter um problema geral e que é a fase em que nós estamos, enquanto povo, enquanto civilização, enquanto humanidade. Isto não é um problema de Portugal.