Guiné-Bissau. Rádio silenciada por homens armados

“Houve colegas que reconheceram um dos carros de onde eles saíram, era da presidência”, contou um dos jornalistas que escapou ao ataque à Rádio Capital.

A Rádio Capital, de Bissau, conotada como sendo crítica do Governo guineense, foi alvo de um ataque por homens armados e de rosto tapado, na segunda-feira, provocando pelo menos setes feridos, alguns deles em estado grave. Vários jornalistas e funcionários, aterrorizados, saltaram pela janela para tentar escapar, enquanto os atacantes disparavam para o ar e invadiam a rádio, vandalizando as instalações e ordenando a toda a gente se deitasse no chão.

“Fugi logo”, contou ao i um dos jornalistas da Rádio Capital, pedindo anonimato por temer represálias. “Mas houve colegas que reconheceram um dos carros de onde eles saíram, era da presidência”, continuou, apontando o dedo ao Presidente Umaro Sissoco Embaló. Que menos de uma semana após sobreviver a uma tentativa de golpe de Estado – na qual foi feito refém durante quase cinco horas, junto do primeiro-ministro Nuno Nabiam, membros do Executivo, jornalistas e funcionários, havendo onze mortos – é acusado de usar essa tragédia como pretexto para escalar a repressão contra a imprensa. 

Já não é a primeira vez que a Rádio Capital é alvo de ataque por parte de homens armados. Da última vez, em julho de 2020, atacantes usaram uniformes da polícia, tendo vandalizado as instalações e roubado materiais como computadores, denunciou na altura presidente do Sindicato dos Jornalistas da Guiné-Bissau, Indira Correia Baldé.

“É preocupante” lamentou, citada pela DW. “Os polícias ou os militares e paramilitares, devem proteger os cidadãos e os profissionais”, salientou. “Estando eles com uniformes a atacar, é preocupante”.

Entre as autoridades guineenses, sempre houve um certo desconforto com esta rádio, sobretudo com o programa Frequência Ativa, durante o qual a audiência pode ligar para comentar assuntos do dia. Na segunda-feira, o programa seria sobre o regresso da ECOMIB, a força militar da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) na Guiné-Bissau, enviada para garantir a estabilidade após a tentativa de golpe de Estado. É um tema controverso – uma das grandes exigências da campanha de Embaló foi a retirada desta missão, descrita como atentado à soberania guineense – e o silêncio é ensurdecedor.

É que nas ruas, “todo o mundo cala, ninguém fala”, salienta o jornalista da Rádio Capital. Aliás, o próprio Embaló, um major-general na reserva, sempre se mostrou muito averso a críticas, vendo-as como danosas para a reputação do país.

“Nos PALOP, só os guineenses é que dizem mal do seu país. Em Moçambique, Angola, Cabo-Verde não se vê isso. Bom filho da terra fala bem da sua terra”, fez questão de frisar o Presidente, à conversa com o Nascer do SOL, numa entrevista em maio. “E o meu temperamento não me permite ver a Guiné-Bissau ser humilhada”, avisou. 

 

Suspeitos dos costume Ainda está a ser apurado quem foram os mandantes da tentativa de golpe de Estado, no qual morreram sete membros da guarda presidencial, todos da maior confiança de Emabló, tentando impedir que os golpistas tomassem o Palácio de Governo em pleno conselho de ministros. O “sacrifício dos jovens que morreram não será em vão”, garantiu o porta-voz do Governo guineense, Fernando Vaz

Entretanto, nos bastidores todos apontam o dedo aos suspeitos do costume. Nomeadamente os militares em torno do antigo Chefe de Estado-maior da Armada, José Américo Bubu Na Tchutu, vários dos quais foram detidos no forte de Amura, avançou a Voice of America. Não seria o primeiro golpe de Estado que Bubu Na Tchutu era acusado de organizar, tendo sido detido por organizar a sublevação militar de 26 de dezembro.

Já Embaló apontou que os responsáveis eram “assassinos financiados pela máfia da droga”. O que não contradiz as acusações que o antigo Chefe de Estado-maior da Armada estaria por trás do golpe, tendo este sido detido pela DEA em 2013 por tráfico de droga, sendo recebido por uma multidão eufórica em Bissau após cumprir três anos e meio de prisão nos EUA. 

O receio é que, no meio da perseguição aos golpistas, reforçado pelo apoio internacional, o Governo aproveite para silenciar os jornalistas e a oposição.

“O país está mais uma vez a assistir a um regime ditatorial”, assegura o jornalista fugido do ataque à Rádio Capital, que hoje vive receoso de sair à rua. “A mão de ferro já é visível, é um regime de terror. A nossa vida está em perigo, nada justifica isto”.